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venerdì 31 dicembre 2010

Ahmed Bakheet glows

In a beautiful piece by Hamdy Reda currently exposed in Art-el-Lewa, Gize, Egypt, one reads in the gorgeous calligraphy crafted by Sameh Ishmaeil (rumours have that the traditional calligraphy schools in Egypt are to get no new student anymore, no more Ishmaeils, is it acceptable?):

Take it easy
It is not here
It is not there

There is an eerie pun there in the Arabic original tells me Monica Udler. It is a sufi poem. It glows. By Ahmed Bakheet.

giovedì 30 dicembre 2010

A plog and the spiders

quickly, type something in this plog
a poetry log needs to be reinvented everyday
even when the computers fail, the world disconects wide and wild
or the web is taken over by immortal spiders

they are beyond any straight line, those spiders,
beyond the straight lines of the Peruvian government
and even the bent lines of the Egyptian government.
they have no deadlines
they're never dead
because this would be a straight line

they make me stratch from scratch

domenica 26 dicembre 2010

Around Umayad

so there were those colours of Syria haunting me?
predicted, hidden
my guts never at ease in Damascus

giovedì 16 dicembre 2010

around Ard-Al-Lewa in a toktok

It's a small four wheeled car, enough for the maze
in Ard-Al-Lewa, toktok
the sound of Cairo
but then again all the cars play the Noise (beep beep fon fon).
In the neighborhood, car come out any hole
and advertise themselves
streets full of people
smells full of people
there is a gallery in number 19. houses
of Hamdi
Big bottles of colourful cleaning fluids stand out in small parlours
they clean everything with their bright secondary colours.

martedì 14 dicembre 2010

To a magic carpet (going east)

December in, a year almost out
Me in Hackney Central Library where
there is a wifi connection and a crowded study area
i flirt with discipline.
The crisis reported in the other post in this blog?
Well, I met a person who gives poems for free in the Embankment
they all come in different colours
and the crawl in the floor like a magic carpet
indeed the set up is itself described as a magic carpet
and it is indeed a magic carpet.

It took those moods away - send them westwards
and i'm going east.
Ah, and, my friends, my scaphoid is now allegedly in one piece...

Relatório da Crise

Biblioteca local de Homerton
Novembro, antes da neve
11 horas, passam as horas,
passam desconhecidos na rua,
vivo esta vida porque nao há outra,
este dia sombrio porque nao há outro que passa

minhas colegas de biblioteca, a negra gorda beija a cambojana recatada
elas inspiram
mas os mediadores entre elas e eu
paralisaram
– galopo esta tristeza, nao tenho outro cavalo.
Todas as minhas estruturas derreteram
queria procurar vagalumes

sabato 27 novembre 2010

a 4-edged star is a square

i've been herding my shambles
scaphoid in pieces, eyes fixed on the Tartarus
checking the sight of the larvae
that sign a natural contract with the earth
and then crashes with the ice of Volcano
i've been trying to love the starts
knowing how Novembers leave a wrinkle on me
a wet and satisfied wrinkle, of course
when Novembers have gone through me
and filled the ever empty belly of Uranus
and i've been collecting dispositions
walking up and down Homerton High Street
between the hospital, the station, the library
and Ronky - where I could crack the ocean.

sabato 6 novembre 2010

O homem; as viagens (Carlos Drummond de Andrade)

O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.

Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto — é isto?
Idem
Idem
Idem.

O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.

venerdì 29 ottobre 2010

noite branca do corpo

meus polegares doentios
nem catam nozes no pé
nem abrem vidros de azeitona
o membro todo superior e branco
encapa o escafóide fraturado
tremi demais: que fazer
e rasguei o osso
meus cacos de escafoide se juntarão?
ou minguo assim?
olho o leque, meus papéis lépidos, meu macaco
azul e de cristal
deus é paciência
minha sucata

giovedì 21 ottobre 2010

Velocidade angular (um esboço)

Na jugular de um orangotango otorrinolaringologista
tem uma marquinha, singular.
Nem é autêntica, foi feita com geometria e um poema do Ferreira Gullar
fora do lugar.
Quando corre o mais que humano, menos que animal
corre em círculos sem medir o fôlego
e sem fumar.

domenica 17 ottobre 2010

Um poema de Monica Udler

Minha morte será o filho que não tive
E minha vida é essa gestação
Passeio grávida pelo mundo
Sem que ninguém note
Sem que jamais me esqueça

Meu ventre se estende por onde e entre
E o feto com afeto levo
Levo em mim o dia do parto-partida
Gero em mim a melhor morte possível

Conto meus dias contados
Acaricio minha promessa
Eu aqui fora
Tendo-a aqui dentro:
Criança-anciã

Dilata-se o colo do éter
E intumesce latente meu túmulo:
O colostro da liberdade
Escorrerá por suas paredes

sabato 2 ottobre 2010

William Carlos William on Election Day

Warm sun, quiet air
an old man sits

in the doorway of
a broken house--

boards for windows
plaster falling

from between the stones
and strokes the head

of a spotted dog

giovedì 9 settembre 2010

Prosa em convite especial esquizotrans

Saiu o Breviário de Pornografia Esquizotrans está a disposição. Adquira um exemplar exemplar ou diretamente na editora por 25 reais;
www.editoraexlibris. com.br
telefone (61)78132176
ou comigo escrevendo nome e endereço para hilantra
ou ainda em algumas livrarias, por exemplo no Café com Letras de Brasília, na 203 sul.
Além do mais, no esquizotrans.wordpress.com

E ponho aqui prosa. Trecho que ficou de fora do Breviário:
em vez de ganir pelo nada, fodo contigo

Chove barulhos lentos, minha pele cisca pelos meus nervos sem dor, sem dó e eu não tenho nenhuma resistência. Insistência pura, puta vontade de engolir fogo com as dobras do cotovelo, sem o velho coturno com cílios dos olhos, com a virilha, com a buceta funda desassossegada e eu tremida, vibrada, gemida, imaculada, prometida, ajambrada, película do fio do lábio grosso por linhas tortas. Vem sopro, vem espírito santo, vem calda quente, faz da minha barriga um papel laminado amassado apertado pelos dedos com unhas marcadas pela terra que fica dentro da fenda entre a protuberância e a reentrância em cada unha, uma marca côncava, aberta para dentro das mãos como se esperasse elas em um cadinho de barro. Chovia barulhos lentos, eu sozinha com meu cobertor que produzia calor em forma de minhocas pequenas, quase como larvas, quase como pequenas luzes azuis em uma estrada deserta – o padrão dos azulejos em que eu perco meus olhos, meus olhos fechados, eu encolhida e encaracolada, envolvida embriagada das cores do azulejo sobre a luz branca, o cimento entre os azulejos faz frio, chove barulhos lentos, minha vagina suga espraiada, escondida, esmagada, enrijecida entre minhas duas pernas que não têm nenhuma resistência e que fazem contato uma com a outra, dobra por dobra, as carnes dos meu ouvido roçando o travesseiro gordo, abundante, firme, gentil, eu agachada sobre as pilastras finas da cama, mas travestida, estendida, acobertada, esguia mas a ermo, sem beira, sem atenção, sem tema e sem coceira. Escuro, dentro da minha casa, dentro do meu cobertor, abrigante, bruto, meus dedos encolhidos com a cabeça cheia. Minha cabeça é um córrego esguio, um leito de pedras pontudas que são vítimas das minhas faltas de coragem, que são as vítimas das mucosas das minhas gengivas vermelhas sendo roçadas pela língua áspera do Lúcio, que é uma vítima dos meus braços que abraçam como eu prendo este cobertor e o esmago nos meus seios como se não tivéssemos pele e depois soltam, soltam porque são vítimas do musgo que deixo escorregando pelo chão depois que a paixão me devora e vai embora, vítima da água gelada que corre entre os meus desejos, que são vítimas do leito de pedras pontudas dentro da meu cerebelo íntimo que gane pelo nada. Dentro da minha boca duas uvas ovais, quase sem caldo, o suco grudado na pele e de dentro delas sai um vento, vindo de uma eternidade entrona, ouriçado, um vento que era súbito e sórdido e sólido e gentil.
Minha garganta grunhiu uns semitons fora da escala como se escarrasse uma bola de sebo que entrou pela carruagem errada, minha garganta comprimida, de esticada se fechou como se minha cabeça fosse entrar para dentro dos espaço leviano entre meus dois peitos – como se eu fosse um cisne adentrado por Leda, enganosa e entregue a sorte de uma ave que eu encorporava pelo pescoço, uma ave de pescoço ereto e eu embolotada, entulhada sobre meus peitos fechados como se quisessem possuir sozinhos as veias em torno do meu coração ríspido, higiênico. Minha carótida vibrava como se fosse ela o indicador luminoso do meu orgasmo – todo o meu corpo se entregava a veia, ao sangue espremido, apertado e que borbulhava; berrei como se a legião dos anjos me escutasse o prazer que é decibel do terrível que posso suportar com minhas unhas rasgando o colchão, o cobertor e o chão e minha nuca nua exposta a janela do quarto de onde me vê o vizinho, inútil, singelo e imundo. Nuca, o pedaço que eu queria mordido, mastigado do meu corpo que espera, espera pelo delírio que meus sentidos arrancam das dobras de Deus, das sobras daquele vento cisreal que ejaculou um dia o espírito santo; eu tosca, devota, cavala d’água em disparada sem punhal, cega e sonâmbula e esdrúxula – amando inteira, minhas palavras róseas que sangram e de dentro dos cobertores, de dentro das minhas partes cobertas aquele mijo com cheiro de ervas, de frutas, de uvas, de cerejas do éden misturado com minha gosma G e eu não berrava mais, mas queria mais da eternidade genérica, esférica, angélica, lisérgica, epidérmica, gutural. Queria e passou aquilo – meus lábios grandes enfiados por um tufão já nada ganiam, tubilhavam, uma pétala amarela balançando debaixo de uma lufada que ele foi embora e fez rápido; um touro na seda, estou sozinha todas estas vinte-e-quatro horas sem o santo graal roçando em torno do meu umbigo. Só a chuva passou aritmética, respirava profundo como se dentro do meu corpo já não houvessem armas.

domenica 29 agosto 2010

Minha Linha, de Ricardo Aleixo

Que o dono da fala
nunca
permita que eu saia
da linha
a linha que
quanto mais torta
mais posso dizer
que é a minha

Sempre fui
meu próprio mestre
e é sem tristeza
que conto
que ainda não aprendi
nada
não me considero
pronto


Em matéria
tão complexa
quanto a arte
de entortar
a linha
que nem a morte
há de um dia
endireitar

http://jaguadarte.blogspot.com/

sabato 28 agosto 2010

alforriar ou anestesiar?

passo minhas duas antemãos nas tetas de artemisia em efesos.
longe do mar, em selva batida baldia;
se no meio da floresta de árvores retorcidas que são as populações humanas
eu me perder, me acho nas microdeusas.
elas são generosas, me arrebitam
peitos concêntricos
ela me faz agachar ao lado da entrada do seu templo
e mendigar hormônio
eu fico com o cadastro sujo já que ela me amarrou
lupus preto
obscuro

domenica 22 agosto 2010

Hoje cavei um túnel

Meus genes são otomanos
e são mímica, já que não eram feitos de carne e osso da terra
Vi uma fotografia
e outra, e outra
depois me contaram histórias
minha família fazendo contas emocionais
e eu me perdi, esqueci meu nome,
meu endereço, meu telefone,
meu herói nacional
e meu vilão.
Olhei meu rosto no espelho e saí correndo.
Esqueci meu código genético.

domenica 15 agosto 2010

Adia tudo - primeiras páginas?

o barulho das portas rangendo

Saio de casa esbarrando em portas trancadas e ruas escuras;
nunca votei nisto.
Meninos pardos querem me engraxar, eu tenho os sapatos e o troco;
nunca votei nisto
Passo por uma esplanada feita de pompa, sem árvores, com autoridades em linha reta;
nunca votei nisto
Cruzo edifícios de gabinetes militares, bem nutridos e pensando pólvora,
deslizando por entre as escolhas de cativeiro.

Em toda parte, carros, blocos e carros invadem minhas retinas.
Uma solidão maior que o sistema solar órbita meus olhos.
Minha pátria, minha pátria!
e não tenho pátria e para mim
o barulho das portas rangendo, é estrangeiro;
a necessidade de suplicar para não morrer de fome, é invasão;
os sapatos que pisam pés e não chão, são alienígenas;
as armas cheias de certezas, são forasteiras.
Solidão. Solidão.

Estas ditaduras diárias são impostas com um tremor de ombros.
Quero reinventar minha personalidade a cada manhã
dentro da minha única cúpula, a cúpula do céu.
Com meus horizontes, do mesmo tamanho
que os horizontes de todo mundo.
Sem estas ruas, estas ruas – ásperas.


De súbito, um auto-retrato em mim mesmo


meu corpo vai se tornando
cada vez mais minha alma.
minha coluna virando minha nostalgia,
minha boca virando minha coragem,
minha bexiga guardando e despejando meus remorsos
minha pele seca de não era isto que eu queria.
minha cartilagem minha imagem.
minha língua, minha calma.
Já posso ver os olhos dos meus pensamentos no espelho,
cada poro
cada poro de pele parece comigo,
todo o meu corpo está a cara da minha alma.

meus fios de cabelo balançam com o vento das minhas descrenças
meus cheiros tem a forma da minha inquietação
minhas unhas crescem o conteúdo da minha angústia
meus cílios a cor da expectativa,
meus germes são agentes infiltrados de quem eu amo.
me machuco––me adoeço de receios.
meu corpo ficou transparente
e deixa a minha alma nua
––mesmo quando o escondo debaixo dos panos.

cada idéia, fica pelos lábios, pelos pelos, pelos dentes
passam os dias e meus ímpetos se tornam visíveis
em cada gota de saliva aparece gota de apreensão,
meus gestos todos involuntários, todos símbolos decifrados
minha cabeça se abriu, se partiu em artérias, tremores e dentes rangendo
haverá um dia em que todo meu sangue será terra colonizada.
Já não posso com meu corpo que antevê antes que eu desconfie,
cada poro,
livre de mal-entendidos, avesso a disfarces
não permite meus sentimentos escondidos uns dos outros.
minha alma agora é mão, é ombro, é o alcance dos meus dedos
e eu––anseios ambíguos, esperanças encabuladas––visível a olho nu.

Poema-Que-Explica-Suas-Asas-Com-Versos

Eu escrevo para poder tocar sua mão sem tocar sua mão
Eu escrevo para que haja palavras entre nós.
Eu escrevo para expressar, apressar, confessar, arremessar.
Eu escrevo porque não sei construir outros túneis entre as nossas retinas.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só gargalhadas.
Eu escrevo para segurar as horas, segurar os dias, segurar as pontas, segurar meu próprio braço.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só lágrimas.
Eu escrevo porque uma palavra pode salvar o mundo (por um segundo).
Eu escrevo para denunciar as rimas e as métricas que vejo por toda parte.
Eu escrevo porque prefiro viver em um lugar incompreensível com poemas do que em um lugar incompreensível sem poemas.
Eu escrevo para tentar passar a mão no seu coração, mesmo sabendo que pode ser que encontre só pedras.
Eu escrevo para soprar um ar nos seus pensamentos, mesmo sem dizer nada.
Eu escrevo para ficar sem dizer nada sem ficar sem fazer nada.
Eu escrevo para que o que você possa ser muitos vocês, eu possa ser outros eus e nós possamos nos perder nesta multidão.
Eu escrevo para me ver livre, pronto, falei, agora vou escrever um verso para me ver livre deste alívio.
Eu escrevo para correr riscos em uma linha reta.
Eu escrevo para desperdiçar tinta, papel, seu tempo, ao invés de desperdiçar oxigênio.
Eu escrevo porque este verso pode valer mais do que todos os poemas.
Eu escrevo para você encontrar uma desculpa para escrever.
Eu escrevo para não fazer diferença. Faz diferença fazer diferença?
Eu escrevo porque minhas pupilas esbarraram nas Possibilidades da Wislawa Szymborska e no Umbigo do Nicolas Behr.
Eu escrevo para girar na órbita do umbigo das possibilidades.
Eu escrevo porque as palavras germinam quase sem adubo.
Eu escrevo para fazer você mostrar os dentes.
Eu escrevo porque é de tinta, se fosse de pistache eu comeria.
Eu escrevo porque assim me sinto pronto para te dar explicações se você pedir.
Eu escrevo porque se não escrevesse minhas mãos invejariam meus olhos e meus dedos invejariam meus dentes. Seria a guerra de todos os órgãos contra todos os órgãos.
Eu escrevo para você poder sentir o prazer de não ler.
Eu escrevo para colocar um marcador no meio desta tarde ensolarada.
Eu escrevo para parar de ficar contando quantos minutos se passaram sem escrever nada.
Eu escrevo para encher o mundo (e este papel) de entrelinhas. Se eu pudesse escrever entrelinhas faria só com elas o meu testamento.
Eu escrevo porque o planeta é pequeno demais para não ter versos
Eu escrevo para que você tenha cabimento.
Eu escrevo porque senão teria que viver abraçado a uma árvore, que nunca me olha.
Eu escrevo para que o tempo passe bem.
Eu escrevo para que alguma palavra conquiste a sua confiança e te faça companhia.
Eu escrevo para esculpir expressões felizes no teu rosto.
Eu escrevo para sentir o conforto de estar cercado de versos por todos os lados.
Eu escrevo para que as coisas recebam das palavras pelo menos um leve aperto de mão.
Eu escrevo porque as palavras me escapam por todos os poros.
Eu escrevo para reencontrar as palavras também aqui, mais tarde.
Eu escrevo para que não haja apenas moléculas de oxigênio entre nós.
Eu escrevo para poder conversar os assuntos encerrados.
Eu escrevo para que meus amores não sejam o mesmo pó que o resto de mim.
Eu escrevo para que meus olhos não sejam a única testemunha.
Eu escrevo para conversar com alguém que eu nunca conheci.
Eu escrevo porque gosto das montanhas de livro na falta de montanhas de pedra.
Eu escrevo para que as maçãs passadas não fedam sem conseqüência.
Eu escrevo para dizer que não gosto de quem proíbe palavras.
Eu escrevo para tentar fazer uma cópia infiel da minha alma com algumas palavras.
Eu escrevo porque as palavras me puxam pela mão e eu não resisto à tentação.
Eu escrevo para dizer uma coisa de cada vez e depois amarrar cada coisa de uma vez com um barbante fino de rimas feito de capim––logo o capim arrebenta e larga cada coisa de cada vez.
Eu escrevo para tentar ser um motorista desatento conduzindo meus sonhos.
Eu escrevo para que você me olhe com os olhos de quem tem a chave de qualquer coração.
Eu escrevo para encontrar a felicidade esbaforida que aparece entre duas palavras que brotam de sopetão.
Eu escrevo porque não tenho armário para guardar tanta coisa.

Se mais tarde eu chegar no céu quero um corpo feito de coração, unha e língua.
Se mais tarde eu chegar no céu quero uma casa no espaço entre as estrofes.
Se mais tarde eu chegar no céu quero orgasmos apenas aleatórios.
Se mais tarde eu chegar no céu quero estar lúcido em um corpo ardendo em quarenta graus.
Se mais tarde eu chegar no céu quero parar de desperdiçar desperdícios.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero pés-cara, pernas-boca, seios-costa e ventres-alma.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero ter problemas feitos de nuvens.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero praças sem ruas, ruas sem portas, portas sem donos, donos sem nome, nomes sem praças.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero só desabotoar.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero escrever ao invés de pensar.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero tudo ao mesmo tempo.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero passar eternidades entortando ponteiros
Se mais tarde eu chegar ao céu quero não precisar guardar nada.


Afobado
Tenho sonhos de grandeza, mas só com a luz acesa.
Mas não sou só isto.
Quero descobrir a origem da noumenologia fazendo nomadologia.
Mas não sou só isto.
Sou talvez de Oxum, talvez de Ogum, de qualquer um.
Mas não sou só isto.
Ando com muito privilégio e tenho vergonha desde o colégio.
Mas não sou só isto.
Tenho culpas mansinhas e um bem-estar folhas-voando-sozinhas.
Mas não sou só isto.
Tenho diploma de amador, mas não consigo cuidar de muita flor.
Mas não sou só isto.
Meu sol fica na casa nove e, apesar disso, é meu corpo que se move.
Mas não sou só isto.
Me pagam para achar buracos estreitos que moram entre os conceitos.
Mas não sou só isto.
Ando com uma perna torta, prefiro pisar a pedra, não joaninha morta.
Mas não sou só isto.
Gosto de cozinhar sem receita, espero e no tempero tudo se ajeita.
Mas não sou só isto.
Nasci brasileiro, mas discretamente prefiro ser um pouco estrangeiro.
Mas não sou só isto.
Não sei o que dizem minhas identidades, mas elas não falam verdades.
Mas não sou só isto.
Gosto de ficar comendo arroz, e tentar só pensar no porquê depois
Mas não sou só isto.
Penso umas idéias atéias, talvez causem minhas diarréias
Mas não sou só isto.
Quero tudo diferente, não tenho agulhas, nem cadeado, nem pente
Mas não sou só isto
Fujo de todos os perigos, mas corro para os perigos mais antigos.
Mas não sou só isto.
Às vezes me acho sem credenciais, sei que com ou sem elas tanto faz
Mas não sou só isto.
Quero ser o contrário disso; contrário descomprometido e insubmisso.
Mas não sou só isto
Sou até a borboleta azul que viu o rio cair da montanha.

Autoconstituição


Preâmbulo:
nada o nada em tudo
nada o quase nada também
nado uns cinco oceanos

Artigo 1:
sou uma partícula
de excesso solta. logo nem
tenho cabimento

Artigo 2:
eu próprio sou impróprio
sou só rios que me atravessam
e pedras de comer

Artigo 3:
não trato da vida
é ela que me trata – e até bem
mas ela é tratante?

Artigo 4:
amo fevereiros
sombra e luz do ano inteiro
num esplendor no chão

Artigo 5 (ou, minha vida em desessete capítulos):
nasci da W-3
revoguei as indisposições
flori de insensatez

Artigo 6:
gosto de ver rostos
corro para água corrente
pela poça, sou o céu

Artigo 7:
bem que adoro exceções
mal percebo os trens no trilho
só o espaço entre os vagões

Artigo 8:
eu quando transtorno
desenho em mim outra forma
depois a transbordo

Artigo 9:
demoro a descobrir
pra pegar e sair vivendo
que é de pó onde morro

Artigo 10
sonho em ser andróide
maquiar a tireóide ao espelho
pôr Freud do avesso

Artigo 11
na vida é iminente
que uma eminência imanente
me manda e me mente

Artigo 12
o que é que eu sou mesmo?
uma antena entre torresmos
ou uma lesma a esmo?

Artigo 13
singular, sem lugar
bóio entre casas, casamentos
não moro, esparramo

Artigo 14
prego ambivalência
amo a insolência indolente
mesmo a sonolenta

Artigo 15
sou confusionista
meus prazeres não tem prazos
confusões sem hora

Artigo 16
excreto quase tudo
exceto o excesso e o que falta
quando falta exceção

Artigo 17
se já venho a calhar?
penso sempre um calhamaço e
falo das migalhas

Artigo 18
gosto dos desejos
rimo remela e sapiência
bocejo e inspiração

Artigo 19
crio exageros novos
ordem é cão, caos 171
sou mato na cerca

Artigo 20
falo da palavra
ao vento, ao fogo, ao matagal
e com um ninho dentro

Artigo 21
amo papel em branco
solto na rua, já que há vultos
avulsos em tudo

Artigo 22
ordeno-me: odeie mesmos
até a si mesmo, ate a corda
e solte o braço


Artigo 23
detesto a precisão
de tabus e tabuadas
prefiro infiltração

Artigo 24
só respiro bem mal
sugo um ar todo empestado
saio cheirando torto

Artigo 25
oráculos me mordem
que sou sete contra sete
com lua em camaleão

Artigo 26
por mim ruminam vãos
versinhos de Rumi, clarões
mas só no escurinho

Artigo 27
esperneio comigo
escrevo sobre meu umbigo
imagens ambíguas


há dia pra tudo
No es mejor nunca que tarde? Neruda

há dia sem motivo, há dia subjetivo, há dia adjetivo
há dia objeto, há dia abjeto, há dia indiscreto
há dia de horas tremidas, há dia longo e quieto
há dia velha lição, há dia lacraia, escorpião

adia tudo. adia o substantivo,
o encontro – adia o travessão
adia a precisão, adia a retenção, adia a decisão
adia um outro dia
adia o rancor, adia o torpor, adia a ordem do ditador
adia a tesouraria, a melancolia, a alergia e a bulimia
adia o motivo, adia a espera, adia a espora
adia a chegada, adia a joelhada, adia a onça-pintada
adia o abandono, tira o quimono, adia o dia seguinte
adia a vergonha do pedinte
adia o necessário, adia o judiciário, adia o calendário
adia a picuinha, o frio na espinha, o pescoço da galinha
adia o cuidado, adia a hora marcada,
adia o papel-laminado,
adia o trabalho, ponha bugalho no alho,
adia a documentação, o olho comprido,
o cabeçalho, a hipertensão,
adia o formulário, o glossário, o projeto literário
adia a unha encravada, a gravata
ajunte no adiamento o seu aniversário
e pare os carros na rua já que tem
um louva-deus distraído e pousado
já que a cadeira de rodas do transeunte solitário
está com o pneu furado
na calçada da avenida.

venerdì 30 luglio 2010

minha janela

as sombras longas esbaldam
eu quero ficar baldio
com olhos enfeitados de sombras esticadas
e tortas.

giovedì 22 luglio 2010

me confino

ando querendo sempre voltar para casa
me limito
mesmo em casa quero voltar para casa
me imito
deve ser vontade de caixão

martedì 20 luglio 2010

ou mais uns artigos da autoconstituição

Autoconstituição


Preâmbulo:
nada o nada em tudo
nada o quase nada também
nado uns cinco oceanos

Artigo 1:
sou uma partícula
de excesso solta. logo nem
tenho cabimento

Artigo 2:
eu próprio sou impróprio
sou só rios que me atravessam
e pedras de comer

Artigo 3:
não trato da vida
é ela que me trata – e até bem
mas ela é tratante?

Artigo 4:
amo fevereiros
sombra e luz do ano inteiro
num esplendor no chão

Artigo 5 (ou, minha vida em desessete capítulos):
nasci da W-3
revoguei as indisposições
flori de insensatez

Artigo 6:
gosto de ver rostos
corro para água corrente
pela poça, sou o céu

Artigo 7:
bem que adoro exceções
mal percebo os trens no trilho
só o espaço entre os vagões

Artigo 8:
eu quando transtorno
desenho em mim outra forma
depois a transbordo

Artigo 9:
demoro a descobrir
pra pegar e sair vivendo
que é de pó onde morro

Artigo 10
sonho em ser andróide
maquiar a tireóide ao espelho
pôr Freud do avesso

Artigo 11
na vida é iminente
que uma eminência imanente
me manda e me mente

Artigo 12
o que é que eu sou mesmo?
uma antena entre torresmos
ou uma lesma a esmo?

Artigo 13
singular, sem lugar
bóio entre casas, casamentos
não moro, esparramo

Artigo 14
prego ambivalência
amo a insolência indolente
mesmo a sonolenta

Artigo 15
sou confusionista
meus prazeres não tem prazos
confusões sem hora

Artigo 16
excreto quase tudo
exceto o excesso e o que falta
quando falta exceção

Artigo 17
se já venho a calhar?
penso sempre um calhamaço e
falo das migalhas

Artigo 18
gosto dos desejos
rimo remela e sapiência
bocejo e inspiração

Artigo 19
crio exageros novos
ordem é cão, caos 171
sou mato na cerca

Artigo 20
falo da palavra
ao vento, ao fogo, ao matagal
e com um ninho dentro

Artigo 21
amo papel em branco
solto na rua, já que há vultos
avulsos em tudo

Artigo 22
ordeno-me: odeie mesmos
até a si mesmo, ate a corda
e solte o braço

Artigo 23
detesto a precisão
de tabus e tabuadas
prefiro infiltração

Artigo 24
só respiro bem mal
sugo um ar todo empestado
saio cheirando torto

de onde vem este cheiro de ópio?

fui criado por um deus triste e quieto
sem despudor, sem vaidade, sem tabule
me fez feito de tabus e de tabuadas
com régua nos olhos, tatuagens nos pés.

sou de um cosmos em anargosmia
que se debate e anda pelas linhas retas
como um cachorro encabulado do dono
que o passeia sem nem ter o que fazer.

alieno-me, fujo para o meio da rua
sou atropelado.

giovedì 15 luglio 2010

A Yeats on Singularity spread by Manuel

"Never shall a young man,
Thrown into despair
By those great honey-coloured
Ramparts at your ear,
Love you for yourself alone
And not your yellow hair."

"But I can get a hair-dye
And set such colour there,
Brown, or black, or carrot,
That young men in despair
May love me for myself alone
And not my yellow hair."

"I heard an old religious man
But yesternight declare
That he had found a text to prove
That only God, my dear,
Could love you for yourself alone
And not your yellow hair."

venerdì 9 luglio 2010

Escola e Estilo (Mira Alves)

Tem escola
e tenho estilo
sou isto
e sou aquilo
o meu estilo?
Depende do meu
estado de espírito.
Estado de espírito?
Tenho todos.

MIRA vende Escola, Estilo e bons formigamentos pelas ruas de Brasília.
Comprem.

mercoledì 7 luglio 2010

As resoluções da Comuna (Paris, 1871) - Brecht

Alain Badiou conta que quando Brecht voltou a DDR, em 1948, ele apresentou como cartão de visitas uma peça sobre a Comuna de Paris: Os dias da Comuna. A peça não foi muito bem aceita - Darwish diria, para alguma coisa servem as derrotas. Na peça havia um canto sobre as resoluções dos Communards, que traduzo a partir da versão do Badiou:

Considerando que vocês nunca chegaram
a nos oferecer salários decentes,
nós mesmos agora tomaremos as fábricas,
Considerando que sem vocês
haverá o suficiente para nós.
Considerando que vocês escolheram
nos ameaçar com fuzis e canhões,
nós decidimos que uma vida miserável
era para nós pior que a morte.

Considerando que seja o que for que ele prometesse
nós não confiávamos no governo,
nós decisimos que a partir de agora
sob nossa direção
nós construiremos uma vida melhor.
Considerando que aos canhões vocês obedecem,
e é a única linguagem que vocês entendem,
nós iremos dever, com todo banefício,
virar os canhões contra vocês.

venerdì 2 luglio 2010

Una Paulina Vinderman

Otra vez cúpulas en ele poema, otra vez la ciudad
Las travesías se volvieron copias
de ciudades tocadas sólo por supervivencia,
para regresar a la mia.
Como si ella contiviera todos los números, los secretos,
las passiones del mundo.
Alguna vez una calle me devuelve el desierto
y cuando oscurece,
las sombras de las bolsas de basura
son instalaciones de museo, que sólo puedo ver
cuando mi memoria agotada olvida el mar, aquellas grúas
detrás de las cercas, la mujer de turbante azul que
me vendió la caja mágica y la oportunidad
de atesorar mis miedos como mariposas atrapadas
en la belleza de su oro
Hay que aprender la asfixia como se aprende un idioma.
Nadie llorará por la ausencia de las alas contra el cielo.

23 versos de Economía de Tihuantinsuyu (de E. Cardenal)

No tuvieron dinero
el oro era para hacer lagartija
y no monedas
los atavíos
que fulguraban como fuego
a la luz del sol o las hogueras
las imagenes de los dioses
y las mujeres que amaron
y no monedas
Millares de fraguas brillando en la noche de los
Andes
y con abundancia de oro y plata
no tuvieron dinero
supieron
vaciar laminar soldar grabar
el oro y la plata
el oro: el sudor del sol
la plata: las lágrimas de la luna
Hilos cuentas filigranas
alfileres
pectorales
cascabeles
pero no dinero

uma questão de poder

ontem trepei com o demônio
por toda a tarde
sabia que ela vem sem hora marcada
sabia que ela não volta
sabia que ela faz dobraduras na minha carne
ofereci ao demônio um papel timbrado
ele ficou sonâmbulo, analfabeto e gozou
imperdível
peguei uma corda grossa, mas que não arranha a pele
comecei a amarrar, obstinado
o caminho mais curto não é o mais reto
é aquele com o vento mais favorável à minha vela
sou um navegador que sabe dar meus nós nas cordas
e não quero que te machuque a minha ausência, meu deus
deus irrecusável
terminei o nó nos pulsos e ouvi o balbucio do meu nome
era preciso ter fé
no insensato
libertar a tinhosa, a tremedeira
não te machuques, fique sendo meu devoto
ou meu carrasco
no chão encharcado

mercoledì 23 giugno 2010

Manifesto Viado (de Felipe Areda)

manifesto*

andava na rua e ao lado...
o grito que era constante...
do senhor que se julga decente,
honesto, cidadão, bom, importante,
do político sincero e decoroso,
do casto padre recatado,
do justo pastor honrado,
do pai dedicado e amoroso,
e outros que por juízo, julgamento, razão,
política, conceito, poder, absolvição,
perdão, mágoa, medo, indignação,
ódio, revolta, raciocínio, incompreensão
olhavam para mim e viam a cisão
do que diziam ser certo, natural, correto
olhavam pra mim e passavam direto
se arrastavam para a rua do outro lado,
se afastando do que dizem ser errado,
enquanto o lábio trêmulo murmurava,
com uma voz ríspida, rouca e brava,
um xingamento que de longe cortava:
viado!
dizia que eu rompia a lei de deus,
a lei da família e da natureza,
da comunidade, da humanidade, da certeza,
da identidade, da verdade, da clareza,
dos valores compartilhados, seus e meus,
mesmo que nem todas acreditassem nesse deus,
a ele deviam se submeter,
sempre
ser colocadas no lugar, aprender
sempre sempre
as pessoas devem seguir reto e a moral prevalecer
sempre sempre sempre
e eu não posso ser o que sou
foi o que disse o som uníssono que ecoou:
viado!
porque ser isso é ser dejeto,
animal,inumano,abjeto,
indigente, miserável, excreto,
a quem o ódio deve ser o único afeto.
eu não posso ser o que sou.
foi o que disse a professora que brigou
quando percebeu o menino feminino,
pouco masculino, afetado,
que não reagia, que não respondia
com a violência esperada de um macho
– deve ser a falta de referência, acho.
falta um pai, tio presente, um padrasto,
alguém que o leve a um puteiro para deixar de ser casto.
– deve ser influência da TV, acho.
daquele ator afetado, das músicas modernas,
dos cantores, das artistas, das badernas.
– que tal fazermos um despacho?
exorcizá-lo, benzê-lo, rezá-lo,
curá-lo, tratá-lo, interná-lo.
– talvez precise de psicólogo, de aconselhamento.
está só querendo atenção, carinho, acalento.
– precisa de surra, ferro quente,
porrada, tapa pra ser valente.
– precisa ser comido para aprender,
se é isso que gosta, agora vai ter.
– precisa ser apedrejado,
levar tiro, paulada, açoitado,
ser esfaqueado, morto degolado,
ter o corpo queimado, o rosto deformado.
ter o corpo jogado no lixo,
ser tratado que nem bicho,
porque é isso que é...
é bicha!
é viado!
no brasil, pelo que diz a mídia
um dos meus é morto a cada dois dias
deve ser mais,
mas de vida que não importa,
morte não faz notícia nos jornais.
os policiais, ladrões, boyzinhos, pais,
colegas, vizinhos, pessoas normais,
amigos, amantes, pessoas banais,
lembram que a homofobia mata,
que a discriminação maltrata
que preconceito solapa, ata e cala.
lembram que eu devo tomar cuidado,
estar atento com quem ando, converso e falo.
me masculinizar, não dar pinta.
não beijar quem eu amo em público,
não importa quanta vontade sinta.
mas tem hora que esqueço,
sou o que sou e pronto.
mas logo o homem a quem afronto,
me lembra, xinga e diz que mereço.
com a veia do pescoço em palpitação,
desvia os olhos dos filhos de minha direção
e grita alterado e em consternação:
viado!
e como a vida de quem não importa tanto importa,
por não ser direita, por ser torta,
por não ser bem cuidada, várias se dispõem a cuidar.
e as pessoas se reúnem, comentam, fofocam,
vigiam, monitoram, regulam, controlam
– será que ele é?
– se não é ainda vai ser...
vai ser o que não pode ser...
pois é o que nem mesmo é.
viado!
viado!
viado!
ora, não pense que me calo,
que apanho quieto e não falo,
que baixo a cabeça, saio e choro,
que corro, fujo e me apavoro.
não se engane, macho.
ora, não pense que desisto,
que me entrego, não revido,
que converto, me reverto,
que me torno o que você quer eu seja,
para você ter certeza de que não é
viado!
tem medo de que?
de que lhe contamine.
de que lhe perverta, transforme, corrompa.
que o desnaturado lhe desnature.
que os degenerados ameaçem seu gênero,
seu gene, gêneses, geração.
tem medo porque?
porque odeia o diferente
ou porque tem que me odiar para fazer de mim seu diferente?
não posso estar perto,
para que esteja certo,
do que é e não pode ser
viado!
pois então, deixa que eu me aproximo
chego perto, olhos nos seus olhos e digo
não adianta esmurrar, bater, matar,
você não vai conseguir nos calar,
nem a mim, nem a meus irmãos e irmãs,
gays, bichas, travestis, sapatas, lésbicas, transexuais,
proliferação de dissidentes, diversas, anormais.
gente que não é o que você é,
porque não quer ser,
porque não precisa ser,
porque não é e não vai tentar ser.
o que diz ser tormento,
pecado, crime, doença, desvio,
e usa como insulto, afronta, ultraje, ofensa e xingamento,
eu me digo com orgulho e anuncio:
se ser humano é ser isso,
afastar, odiar, temer,
matar, destroçar, corroer,
digo com força, coragem e viço
prefiro não ser
e ser
ser de outro jeito, por outra vida, por outra via...
...do jeito que sou e quero ser
viado!

felipe areda, viado e militante do coletivo de micro-políticas feministas corpus crisis.

*publicado em “O Miraculoso”. Brasília, maio de 2010. 3ª Ediçã

horror ao horizonte

Sonhei com um poema que dizia de novo em folha
que pedra não era de.pedra.dade...
dizia assim, com pontos entre as palavras,
e soltava uma fumaça que protestava
contra os atributos das coisas, contra as coisas.
Acordei com a fumaça.

Quando sonho com coisas em geral, vejo pedras.
Não vejo besouros, dobras ou gotas de esperma.
E a pedra é grande, ela abriga a realidade toda, é coisa.

Acordei como uma escrava fugida capturada.
Açoitada, mas excitada com a fuga.
Túgido.
Há outras paragens
onde parar.
Sobrou o horizonte dos versos, longos, repletos
do poema da pedra.
Que coisa.

sabato 12 giugno 2010

Blake's Proverbs of Hell

No dia dos namorados, um trecho de casamento, do Marriage of Heaven and Hell de William Blake, Proverbs from Hell.

In seed time learn, in harvest teach, in winter enjoy.
Drive your cart and your plow over the bones of the dead.
The road of excess leads to the palace of wisdom.
Prudence is a rich ugly old maid courted by Incapacity.
He who desires but acts not, breeds pestilence.
The cut worm forgives the plow.
Dip him in the river who loves water.
A fool sees not the same tree that a wise man sees.
He whose face gives no light, shall never become a star.
Eternity is in love with the productions of time.
The busy bee has no time for sorrow.
The hours of folly are measur'd by the clock, but of wisdom: no clock can measure.
All wholsom food is caught without a net or a trap.
Bring out number weight & measure in a year of dearth.
No bird soars too high, if he soars with his own wings.
A dead body revenges not injuries.
The most sublime act is to set another before you.
If the fool would persist in his folly he would become wise.
Folly is the cloke of knavery.
Shame is Prides cloke.

Prisons are built with stones of Law, Brothels with bricks of Religion.
The pride of the peacock is the glory of God.
The lust of the goat is the bounty of God.
The wrath of the lion is the wisdom of God.
The nakedness of woman is the work of God.
Excess of sorrow laughs. Excess of joy weeps.
The roaring of lions, the howling of wolves, the raging of the stormy sea, and the destructive sword, are portions of eternity too great for the eye of man.
The fox condemns the trap, not himself.
Joys impregnate. Sorrows bring forth.
Let man wear the fell of the lion. woman the fleece of the sheep.
The bird a nest, the spider a web, man friendship.
The selfish smiling fool, & the sullen frowning fool shall be both thought wise, that they may be a rod.
What is now proved was once only imagin'd.
The rat, the mouse, the fox, the rabbet; watch the roots; the lion, the tyger, the horse, the elephant, watch the fruits.
The cistern contains: the fountain overflows.
One thought fills immensity.
Always be ready to speak your mind, and a base man will avoid you.
Every thing possible to be believ'd is an image of truth.
The eagle never lost so much time, as when he submitted to learn of the crow.


The fox provides for himself. but God provides for the lion.
Think in the morning. Act in the noon. Eat in the evening. Sleep in the night.
He who has suffer'd you to impose on him knows you.
As the plow follows words, so God rewards prayers.
The tygers of wrath are wiser than the horses of instruction.
Expect poison from the standing water.
You never know what is enough unless you know what is more than enough.
Listen to the fools reproach! it is a kingly title!
The eyes of fire, the nostrils of air, the mouth of water, the beard of earth.
The weak in courage is strong in cunning.
The apple tree never asks the beech how he shall grow; nor the lion, the horse, how he shall take his prey.
The thankful reciever bears a plentiful harvest.
If others bad not been foolish, we should be so.
The soul of sweet delight can never be defil'd.
When thou seest an Eagle, thou seest a portion of Genius. lift up thy head!
As the catterpiller chooses the fairest leaves to lay her eggs, so the priest lays his curse on the fairest joys.
To create a little flower is the labour of ages.
Damn braces: Bless relaxes.
The best wine is the oldest, the best water the newest.
Prayers plow not! Praises reap not!
Joys laugh not! Sorrows weep not!


The head Sublime, the heart Pathos, the genitals Beauty, the hands & feet Proportion.
As the air to a bird or the sea to a fish, so is contempt to the contemptible.
The crow wish'd every thing was black, the owl, that every thing was white.
Exuberance is Beauty.
If the lion was advised by the fox. he would be cunning.
Improvement makes strait roads, but the crooked roads without Improvement, are roads of Genius.
Sooner murder an infant in its cradle than nurse unacted desires.
Where man is not, nature is barren.
Truth can never be told so as to be understood, and not be believ'd.
Enough! or Too much.

The ancient Poets animated all sensible objects with Gods or Geniuses, calling them by the names and adorning them with the properties of woods, rivers, mountains, lakes, cities, nations, and whatever their enlarged & numerous senses could percieve.
And particularly they studied the genius of each city & country, placing it under its mental deity;
Till a system was formed, which some took advantage of & enslav'd the vulgar by attempting to realize or abstract the mental deities from their objects: thus began Priesthood;
Choosing forms of worship from poetic tales.
And at length they pronounc'd that the Gods had order'd such things.
Thus men forgot that All deities reside in the human breast.

giovedì 3 giugno 2010

Mar Branco

Mergulhado na piscina na beira do mato
penso que uma lata de lixo não é nada
é um corpo sem órgãos, mas eu não sei disso
espero duas urgências chegarem
a curva das tuas nádegas de égua impaciente
céu sem núvens
o plano das duas porções de água gelada
chão sem nódoas
- sento embaixo de um toldo com um livro antigo do chinua achebe
termino de ler em um sopetão
embarco para um mar branco
onde o tempo perdeu o rumo
como semente
corro para a casa onde eu te como
cago no mato
naquele dia devia estar pairando sobre mim uma noção apofântica de natureza
minhas pernas acocoravam cheias de adrenalina
querendo fazer uma oração
ao céu e a terra que estavam encharcados de ferormônio.

Agora que cheguei no mar branco
minhas válvulas de escape se movem a todo vapor
dou a descarga
vejo pequenas tirinhas azuis que não parecem relógios
deve ser o passado condensado
minha capacidade de imaginar corpo em minhas mãos
nas minhas mãos como um apêndice da linha da vida
espero, espero
olho para o irrecusável com olhos vadios
e ele parece uma manivela ajustada
dou corda
da mentira escapam verdades, só dela escapa o que se vê do alto da montanha
o jornalista comprou a montanha
eu não quero investir em imóveis na flórida
quero atravessar, sem ser fotografado, a ponte branca.

giovedì 27 maggio 2010

Fragmentary Blue (More Frost)



Why make so much of fragmentary blue
In here and there a bird, or butterfly,
Or flower, or wearing-stone, or open eye,
When heaven presents in sheets the solid hue?

Since earth is earth, perhaps, not heaven (as yet)--
Though some savants make earth include the sky;
And blue so far above us comes so high,
It only gives our wish for blue a whet.

The Times Table (R. Frost)

More than halfway up the pass
Was a spring with a broken drinking glass,
And whether the farmer drank or not
His mare was sure to observe the spot
By cramping the wheel on a water-bar,
turning her forehead with a star,
And straining her ribs for a monster sigh;
To which the farmer would make reply,
'A sigh for every so many breath,
And for every so many sigh a death.
That's what I always tell my wife
Is the multiplication table of life.'
The saying may be ever so true;
But it's just the kind of a thing that you
Nor I, nor nobody else may say,
Unless our purpose is doing harm,
And then I know of no better way
To close a road, abandon a farm,
Reduce the births of the human race,
And bring back nature in people's place.

Devotion (Robert Frost)

The hear can think of no devotion
Greater than being shore to the ocean--
Holding the curve of one position,
Counting an endless repetition.

giovedì 13 maggio 2010

É cebola?

O monstro continua cuspindo gente:
as mesmas minas nos bares, os mesmos sapatos sem ginga,
os mesmos caras sem ginga, os mesmos boatos nos bares.
A repetição, industrial, me enerva.
Tudo de novo, o plano, a incerteza, o perigo, a conformidade.
Tenho vontade de descascar o mundo.
Mas tenho medo de chorar.

sabato 1 maggio 2010

Por que há tanto trabalho?

no dia do trabalhador
saí a pedalar rápido, querendo ofegar
cruzei com a dona do puteiro da 11
travessa com uma filha e uma boneca
nenhum homem
olhei precário e saí a pedalar rápido, querendo ofegar
na escada da esquina um cheiro
dentro do cheiro roups roxas, brancas, pretas
e um corpo embalado com colares
dois corpos embalados com colares
três corpos embalados com colares
nenhum homem
mostrei a pele dos meus dentes ao vento
e saí a pedalar rápido, querendo ofegar

Um poema do livro do João

50
A Bertold Brecht

Há poetas que
escrevem um poema
e são bons.
Há outros que
escrevem um livro
e são melhores.
Há aqueles que
escrevem vários poemas
e são muito bons.
Porém há aqueles que
escrevem três poemas
por dia.
Esses são
imprescindíveis.

(João dedicou um poema, Minha Poesia, a mim. Achei da hora. Obrigaducho.)

domenica 18 aprile 2010

50 vezes

Depois de subir em um elevador que parecia um bonde
saímos em mais um bairro de ladrilhos
e praças
com homens a cavalo e salvadores
(descritas a moda do dono da albergaria insulana,
que fugiu da guerra colonial
para estar por sete vezes na Tsavah israelense
a fazer sua própria guerra. Ele veio do Belmonte
onde antes mesmo de chegar tras-os-montes
seu avô era obrigado a ir a missa todo domingo
pela polícia. Até 25 de abril.)
Mas é 18 de abril e na praça com uma pequena lagoa
lagoa com patos, alguns até mascarados,
vendem estrelícias da cor das laranjas de portugal
estrelicias como as que eu mandei para a Gisel
quando ela andava por outras décadas
perto do 18 de abril.
depois descemos a ribanceira torta e
o céu não ficou cheio de cinzas vulcânicas
mas de chuva. chegamos a pensão da família Macedo.
pelos músculos a força do grão de bico
com curry, e o ar dos azulejos imbassados.

sabato 10 aprile 2010

Os detetives gelados - Bolaño

Sonhei com detectives gelados, detectives latino-americanos
que tentavam manter os olhos abertos
no meio do sonho.
Sonhei com crimes horríveis
e com tipos cuidadosos
que procuravam não pisar os charcos de sangue
e ao mesmo tempo abarcar com um só olhar
o cenário do crime.
Sonhei com detectives perdidos
no espelho convexo dos Arnolfini:
a nossa época, as nossas perspectivas,
os nossos modelos de Espanto.

Poema com tradução de Tiago Nené

giovedì 8 aprile 2010

Homenagem aos gêmeos Antunes

C'est triste d'avoir un accessoire
C'est triste d'être un accessoire
C'est triste d'être quoi qui ce soit

by G translated by L

giovedì 1 aprile 2010

Me jogaram uma manhã

Súbita, desprevenida, cheia de luz
e com tempo passando, me atiram mais uma manhã.
Bastaram meus olhos abrirem.
Viro o corpo, procuro o lado em que está o criado mundo
ponho meus óculos de fim de sonho
e viro os lóbulos:
- Eu tinha que ir com o Dono do meu carro ao DETRAN.

giovedì 25 marzo 2010

Battiato's Centro di gravita

As letras das musicas da meu ultimo outono que foi primavera tem cabimento no Buca L'Ombrello?

Una vecchia bretone con un cappello e un ombrello di carta di riso e canna
di bambù
capitani coraggiosi
furbi contrabbandieri macedoni
gesuiti euclidei
vestiti come dei bonzi per entrare a corte degli imperatori della dinastia
dei Ming.
Cerco un centro di gravità permanente
che non mi faccia mai cambiare idea sulle cose sulla gente
avrei bisogno di...
coro:
Cerco un centro di gravità permanente
che non mi faccia mai cambiare idea sulle cose sulla gente.
Over and over again
per le strade di Pechino erano giorni di maggio
tra noi si scherzava a raccogliere ortiche
non sopporto i cori russi la musica finto rock la new wave italiana il free
jazz punk inglese
neanche la nera africana
Cerco un centro di gravità permanente
che non mi faccia mai cambiare idea sulle cose sulla gente
avrei bisogno di...
coro:
Cerco un centro di gravità permanente
che non mi faccia mai cambiare idea sulle cose sulla gente
over and over again
you are a woman in love baby come into my life
baby I need your love
I want your love
over and over again.

lunedì 22 marzo 2010

dias respirados

nos dias primos
me engasgo com oxigenio
todas as tintas parecem becos
depois encontro a mira e a nodoa
confira

domenica 14 marzo 2010

- em processo de tempero -

Eu escrevo para poder tocar sua mão sem tocar sua mão
Eu escrevo para que haja palavras entre nós.
Eu escrevo para expressar, apressar, confessar, arremessar.
Eu escrevo porque não sei construir outros túneis entre as nossas retinas.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só gargalhadas.
Eu escrevo para segurar as horas, segurar os dias, segurar as pontas, segurar meu próprio braço.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só lágrimas.
Eu escrevo porque uma palavra pode salvar o mundo (por um segundo).
Eu escrevo para denunciar as rimas e as métricas que vejo por toda parte.
Eu escrevo porque prefiro viver em um lugar incompreensível com poemas do que em um lugar incompreensível sem poemas.
Eu escrevo para tentar passar a mão no seu coração, mesmo sabendo que pode ser que encontre só pedras.
Eu escrevo para soprar um ar nos seus pensamentos, mesmo sem dizer nada.
Eu escrevo para ficar sem dizer nada sem ficar sem fazer nada.
Eu escrevo para que o que você possa ser muitos vocês, eu possa ser outros eus e nós possamos nos perder nesta multidão.
Eu escrevo para me ver livre, pronto, falei, agora vou escrever um verso para me ver livre deste alívio.
Eu escrevo para correr riscos em uma linha reta.
Eu escrevo para desperdiçar tinta, papel, seu tempo, ao invés de desperdiçar oxigênio.
Eu escrevo para você encontrar uma desculpa para escrever.
Eu escrevo para não fazer diferença. Faz diferença fazer diferença?
Eu escrevo para fazer você mostrar os dentes.
Eu escrevo porque é de tinta, se fosse de pistache eu comeria.
Eu escrevo porque assim me sinto pronto para te dar explicações se você pedir.
Eu escrevo porque se não escrevesse minhas mãos invejariam meus olhos e meus dedos invejariam meus dentes. Seria a guerra de todos os órgãos contra todos os órgãos.
Eu escrevo para você poder sentir o prazer de não ler.
Eu escrevo para colocar um marcador no meio desta tarde ensolarada.
Eu escrevo para parar de ficar contando quantos minutos se passaram sem escrever nada.
Eu escrevo para encher o mundo (e este papel) de entrelinhas. Se eu pudesse escrever entrelinhas faria só com elas o meu testamento.
Eu escrevo porque o planeta é pequeno demais para não ter versos
Eu escrevo para que você tenha cabimento.
Eu escrevo porque senão teria que viver abraçado a uma árvore, que nunca me olha.
Eu escrevo para que o tempo passe bem.
Eu escrevo para que alguma palavra conquiste a sua confiança e te faça companhia.
Eu escrevo porque as palavras me escapam por todos os poros.
Eu escrevo para reencontrar as palavras também aqui, mais tarde.
Eu escrevo para que não haja apenas moléculas de oxigênio entre nós.
Eu escrevo para poder conversar os assuntos encerrados.
Eu escrevo porque gosto das montanhas de livro na falta de montanhas de pedra.
Eu escrevo para que as maçãs passadas não fedam sem conseqüência.
Eu escrevo para tentar fazer uma cópia infiel do meu corpo com algumas palavras.
Eu escrevo porque as palavras me puxam pela mão e eu não resisto à tentação.
Eu escrevo porque não tenho armário para guardar tanta coisa.

Se mais tarde eu chegar ao céu quero só desabotoar.

giovedì 11 marzo 2010

Um Rumi (o que sou)

Que devo fazer, ó muçulmanos,
se já não me reconheço?


Não sou cristão, nem judeu,
nem mago, nem muçulmano.
Não sou do Oriente, nem do Ocidente,
nem da terra, nem do mar.


Não venho das entranhas da natureza,
nem das estrelas girantes.
Não sou da terra, nem da água
nem do fogo, nem do ar.


Do empíreo não sou,
nem do pó deste tapete.
Não sou da tona, nem do fundo,
nem do antes, nem do depois.


Nem da Índia, nem da China
nem da Bulgária, nem de Saqsin;
não sou do reino do Iraque,
nem da terra de Khorassan.


Nem deste mundo, nem do próximo,
nem do céu, nem do purgatório.
Meu lugar é o não-lugar,
meu passo é o não-passso.

Não sou corpo, não sou alma.
A alma do Amado possui o que é meu.
Deixei de lado a dualidade,
vejo os mundos num só.

Procuro o Um, conheço o Um,
vejo o Um, invoco o Um.
Ele é o primeiro e o Último,
o exterior e o interior.
- Nada existe senão Ele.

venerdì 5 marzo 2010

Alegria serena

Subito, rapido, intrepido
todas as palavras perderam seus acentos fixos
as silabas, largadas na minha vida, se acentam onde bem querem
e eu saio cantando da manha vermelha
com os ombros tortos
abertos

Sereno, d'Allegria, Ungaretti

Dopo tanta
nebbia
a una
a una
si svelano
le stelle

Respiro
il fresco
che mi lascia
il colore del cielo

Mi reconsoco
immagine
passggeza

Presa in un giro
immortale

giovedì 25 febbraio 2010

Breve fato de um Eu desfigurado (Samuel Magalhães)

Arrasta-me daqui loucura
Arrasta-me para a insanidade do bem,
Que o teu mal é menor que
o que eu li no jornal
Leva-me aos poucos, ou de uma vez...
Toma minha mente de assalto!
Me surta!
Me converte!
Mas não me deixe normal...
É que eu me envergonho
das coisas normais,
das arrogâncias, da hipocrisia,
das inconstâncias, do mal humor,
E da ganância que corrompe a alma,
Com a frieza dessa gente,
totalmente eivada do materialismo
ilusório
E omissa por ausência de consciência
Arrasta-me que já me despojei
da sensação de pertencer à este lugar.

Sam

Samuel B. Magalhães
Feira de Torre TV Brasília
128-n Atelier
Brasília
sam2@pop.com.br

giovedì 18 febbraio 2010

Minha amiga, a covardia (Marilia Melo)

Viver é uma bravura
Que não conheço nem mereço
Uma arte inexata onde padeço
A dor do avesso:
estar no limiar de orgulhar-se
de, apesar de qualquer catarse,
respirar ainda a qualquer preço.

Respirar? Onda dos covardes!
Onde reside o maior brilho:
Viver de penas ou morrer com estilo,
Entregue à sua tristeza, sem maior alarde?
Digam-me o que é mais heróico,
Mais bravo e mais honroso - dali fugirei
Na minha covardia que já sei
E na rima pobre do meu ser paranóico.

O que me faz digna? Dali me escondo
Para na podridão da minha condição inumana
O mundo me esqueça e a dor me abandone
Indigna de qualquer sofisticação!

lunedì 8 febbraio 2010

Eu na rua



Um homem, bem branco, de camiseta de time de futebol e com a família
grita aos baderneiros: baderneiros!
Eu passo pela rua, salgado, ensolarado, cheio de lágrimas emperradas
(Tormenta grande tratar a alegria como um hóspede de luxo,
descriminando, discriminando a maldade e a agrura.)
Pois bem: baderneiros!
E eu, mancomunista, sem voz, líquido
preso à incapacidade dos meus olhos em terem punhos cerrados
olho.
Sou touro, sou javali, sou lápis de cor,
minha letra tem o sotaque da imprecisão,
olho.
Animais ferozes, enjaulados na rua, o homem vestido
e eu, olho.
Ele para de urrar por quarenta segundos.
Eu me penduro à baderna, e passo.

Ao buca

Meu buca é minha pipeta
Minha buceta inventada, minha janela molhada
fertilizada, empapuçada, o avesso de não fazer nada
...eu quero... até envergonhada.

domenica 7 febbraio 2010

O terceiro dos 21 problemas indecifráveis do Kadosh

E por que é pesado caminhar, como se a perna não fosse para o passo, antes como se fosse para ficar sempre parado e apenas, apenas, e acima de tudo o olhar vigilante?

Hilda Hilst

sabato 6 febbraio 2010

Kadish e Kadosh

estanquei. e tanto que as moscas nem me fazem piscar. nem um urro, nem mordida.
por que preciso lutar contigo se tenho fome de ti?
administro o sagrado
eu escuto e quem eu escuto quer meus ouvidos direitos
entro em um cafofo condicionado
e saio com uma nota fiscal: Kadish e Kadosh
Viver é uma bravura: diz Marilia Melo
Boa, diz Edgardo em meio aos gritos de um bar - poderiam ser paineiras, jasmim
Cansa, diz Ricardo, fazendo uma curva com os olhos, quase querendo uma fantasia
amasso a nota fiscal no fim do dia
viver entre dois livros em uma disciplina de mim, pornografia e em linha reta
apesar de qualquer catarse
Kadish, delito de supor genes inocentes
Kadosh, mil lobos te invadindo, em forma de luz depois da chuva
amasso a nota fiscal no fim do dia
eu, emperrado, parece agora um potro de guerra treinado

domenica 24 gennaio 2010

Cheiro de areia

Entrei em mais um pedaço do grande mar
na areia, as pessoas na salmora:
suas vidas preparadas para exibição
seus segredos, manhas, secreções.
Julieta, que veio com duas filhas de cabelo longo
de Buenos Aires trazendo louça inglesa,
aprendeu a dançar lambada, um desvio tardio do tango,
no tempo em que fazia yoga nua no rio Pitinga.
Tango, ela aprendeu muito depois, de volta a Palermo.
As imitações precedem os originais, ela insinua, e diz:
- Pedaços de gente os mais escandalosos saiam de qualquer
acabrunhada ou acabrunhado que chegava ao Arraial.
Ajuda é onde os rios confluem para o oceano.
Mas os cabelos longos de Julieta e suas filhas
desfilando pelas ruas sem esgoto já foi há muitos anos,
agora, é outro sal.
Outra temperatura escaldante, outros exemplos.

sabato 23 gennaio 2010

Wanting to Die, an Anne Sexton

*Because iḿ about to write on suicides, heroes and what can be governed

Since you ask, most days I cannot remember.
I walk in my clothing, unmarked by that voyage.
Then the almost unnameable lust returns.

Even then I have nothing against life.
I know well the grass blades you mention,
the furniture you have placed under the sun.

But suicides have a special language.
Like carpenters they want to know which tools.
They never ask why build.

Twice I have so simply declared myself,
have possessed the enemy, eaten the enemy,
have taken on his craft, his magic.

In this way, heavy and thoughtful,
warmer than oil or water,
I have rested, drooling at the mouth-hole.

I did not think of my body at needle point.
Even the cornea and the leftover urine were gone.
Suicides have already betrayed the body.

Still-born, they don't always die,
but dazzled, they can't forget a drug so sweet
that even children would look on and smile.

To thrust all that life under your tongue!--
that, all by itself, becomes a passion.
Death's a sad Bone; bruised, you'd say,

and yet she waits for me, year after year,
to so delicately undo an old wound,
to empty my breath from its bad prison.

Balanced there, suicides sometimes meet,
raging at the fruit, a pumped-up moon,
leaving the bread they mistook for a kiss,

leaving the page of the book carelessly open,
something unsaid, the phone off the hook
and the love, whatever it was, an infection.

mercoledì 20 gennaio 2010

Guarda-chuva faz dois anos de furos

improvisa, improvisa, improvisa
vou chegar atrasado outra vez

feliz aniversário buca

eu queria furar este guarda-chuva
feito da porra da ordem
com uma furadeira atômica, nuclear
mas só dá pra fazer furinhos
com alfinete

conspiro

quero ser mancomunista

lunedì 18 gennaio 2010

The need to breathe, by Crissa C

The clear of the blue
sky clouded
with bits of dust
that came from
out of the blue

as earth quakes
lives shake
hearts tremble
knees tremor

Air is thick with clouds of dust
as weak foundations crumble
and rubble falls around
obscuring that which giveth light
and makes it hard to breathe

As dust surrounds
my heart and mind
it fills them with unease
and makes it hard to breathe

I search for light
and those I love

I feel the need to breathe…

Tomorrow´s Toussaints

Um poema de Kalam Salaam, que escreveu Iron Flowers, um livro de poemas sobre sua viagem ao Haiti. Ver: http://www.webster.edu/~corbetre/haiti/notes/salaam.htm


this is Haiti, a state
slaves snatched from surprised masters,
its high lands, home of this
world's sole successful
slave revolt. Haiti, where
freedom has flowered and flown
fascinating like long necked
flamingoes gracefully feeding
on snails in small pinkish
sunset colored sequestered ponds.

despite the meanness
and meagerness of life
eked out of eroding soil
and from exploited urban toil, there
is still so much beauty here in this
land where the sea sings roaring a shore
and fecund fertile hills lull and roll
quasi human in form

there is beauty here
in the unyielding way
our people,
colored charcoal, and
banana beige, and
shifting subtle shades
of ripe mango, or strongly
brown-black, sweet
as the such from
sun scorched staffs
of sugar cane,
have decided
we shall survive
we will live on

a peasant pauses
clear black eyes
searching far out over the horizon
the hoe motionless, suspended
in the midst
of all this shit and suffering
forced to bend low
still we stop and stand
and dream and believe

we shall be released
we shall be released
for what slaves
have done
slaves can do

and that begets
the beauty

slaves can do

sabato 16 gennaio 2010

vento quente

escrevo versos em um diário sem leitores
cheiro um bafo do mar, abafado, e fico afobado
escuto uma música feita de grades
mas confio no vento quente

lunedì 11 gennaio 2010

a parafernália da conexão

com uns olhos de avelã fresca
os lábios sem casca confessaram:
não consigo amar
as velocidades me confundem
viro conto, faço contas, controlo
as mágoas pequenas eu não diluo
eu precisava ser um braço de mar
um delta, um estuário, desemboque
eu pereço
passo as mãos nos meus cabelos
toda a minha pele fica mais fina
parece que vai voar
falta sal, passa o sal
depois da confissão os lábios sem casca
batem na mesa da lan house em araxá
perdeu o jogo

Um Eliot de natal enviado por Diana

A Journey of the Magi

A cold coming we had of it,
just the worst time of the year
For a journey, and such a long journey:
The ways deep and the weather sharp,
The very dead of winter.’
And the camels galled, sore-footed, refractory,
Lying down in the melting snow.
There were times we regretted
The summer palaces on slopes, the terraces,
And the silken girls bringing sherbet.
Then the camel men cursing and grumbling
And running away, and wanting their liquor and women,
And the night-fires going out, and the lack of shelters,
And the cities hostile and the towns unfriendly
And the villages dirty and charging high-prices:
A hard time we had of it.
At the end we preferred to travel all night,
Sleeping in snatches,
With the voices singing in our ears, saying
That this was all folly.

Then at dawn we came down to a temperate valley,
Wet, below the snow line, smelling of vegetation;
With a running stream and a water-mill beating the darkness,
And three trees on the low sky,
And an old white horse galloped away in the meadow.
Then we came to a tavern with vine-leaves over the lintel,
Six hands at an open door dicing for pieces of silver,
And feet kicking the empty wine-skins.
But there was no information, and so we continued
And arrived at evening, not a moment too soon
Finding the place; it was (you may say) satisfactory.
All this was a long time ago, I remember,
And I would do it again, but set down
This set down
This: were we led all that way for

Birth or Death? There was a Birth, certainly,
We had evidence and no doubt. I had seen birth and death,
But had thought they were different; this Birth was
Hard and bitter agony for us, like Death, our death.
We returned to our places, these Kingdoms,
But no longer at ease here, in the old dispensation,
With an alien people clutching their gods.
I should be glad of another death.

sabato 2 gennaio 2010

um dieter da terra do dieter

ridículo?
quem não é ridículo
diante do tempo?

esperar achar o tempo para maturar

dizem que são ondas
ondas surgem puxando um elástico dos dois lados
perto da represa, ao invés de me transformar
sigo sendo - uma pinga, duas pingas
uma pontada no sul do ouvido
e uma vontade de ficar girando com o planeta
in other words
it pleases me
mas eu respiro de saudades dos anos que escaparam
ontem