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domenica 5 marzo 2017

Nähe\Beckett

Duas luzes, a da imensidão contemplada com os olhos de quem incorpora
(compreende, aprende, descobre, dispõe, alicia) e
a do pequeno vaga-lume que o imigrante sírio de 3 anos
encontra nos olhos de mãe.
A psicologia papai-mamãe fala do vasto mundo e do sentimento oceânico.
Há os oceanos, e há uma invencível armada.
Há Cook e há aquela esposa do bombeiro de Chernobyl que Alexièvich descreve
(não há como escolher entre o amor e a vida).
Queria entrar de um delírio (beckettesco)
sem pai nem mãe.

Um paciente sem paciência.

venerdì 3 marzo 2017

O messias chegou, salvou ou danou, e já se foi

se foi virar fumaça o cidadão enquadrado e respeitado e agora é trapo sem ter escolhido a sordidez nem por um segundo
não se trata de punição, as portas são ralos, e ralos não tem soleira, não tem batente, não tem dobradiças
me entupo de bolo de mel com lavanda
como pode haver um bolo de lavanda. e sei que a lucidez patas de aranha é uma composição química
uma farmácia, e mais que isso, bem mais.

escrevo sobre o cansaço - a grande porta.
é a porta que me interessa nos enlutados, nos traumatizados, nos que estão pós-esperança
nos que não mais galgam.
estar por aí ainda como entre os que sobreviveram e descobriram a vida depois e
não antes do messias chegar.

termino as páginas do museu da inocência de pamuk
também kemal ultrapasou o que queria da vida e seu museu é o de depois
os museus são sempre de depois, é por isso que soltam um ar tranquilo
de quem já terminou os anos
e apenas se lembra por alto do que foram os meses cheios de dias.

no café do garden district tocam un nino rota, acho que de amarcord
a infância relembrada como um bicho empalhado;
virar pós-criança

Bu na Ana Lama


O Coletivo Bu chega à Ana Lama bem jázinho. Assim escrevi para a ocasião:

Listar, listar, listar, é para isso que estamos aqui

Os Bu tem uma forma toda particular de negar. Certo, já acreditamos que cada negação, seja compulsiva ou compulsória, é uma negação e não outra negação; elas podem ter uma semelhança de família entre elas – um dedinho se movendo da esquerda para a direita e depois voltando da direita para a esquerda como quem risca as linhas escritas e depois risca as entrelinhas esboçadas ou uma cabeça que se move de um lado para o outro como quem procurasse e procurasse e não encontrasse nem à leste e nem à oeste – porém cada não é um não singularíssimo, uma mão aberta que pára um fluxo seja de acontecimentos ou de ensaios de acontecimentos, uma contramão que torna algum pedacinho suspeito de não-ser, ainda que flutuando em afirmações suculentas. Tem a negação viscosa, tem a negação vistosa, tem a negação indiferente e tem aquela que insiste em colocar alguma coisa em um canto diferente. Mais que isso, cada não é um não – tem um meandro irrepetível, tem um meneio que não pode ser copiado nem pela memória (essa Wolfgang Beltracchi de mãos tão leves) e não há um não igual a cada não dos Bu em nenhum dos mundos possíveis e em nenhum dos que não seriam possíveis. Cada não é uma nau – e é assim cada negação uma inauguração. E os Bu inauguram um continente de negações imóveis – uma derivada por uma avenida sem saída – que pretendem refutar sem sair da janela onde contemplam contra o horizonte, contra os viadutos, contra a catedral, contra as escadas do banheiro público. Negação gorda de imensidão, “o movimento do homem imóvel”. A imobilidade não vai a parte alguma, nem ao oriente e nem ao desoriente, não tem mesmo horizonte algum – é mapa da ferrovia sem trem, é um dia hora por hora sem agora e sem mais tarde. É como aquela eternidade sem tempo, aquela que nega porque nunca deixa acontecer. Os Bu são uns negalhões, negam tão imensamente que chegam a dizer mascarados de validade muda.

Os Bu tem uma forma turbulenta de estarem cansados. O cansaço é uma negação do tipo daquela que não aguenta mais. Mas tem o cansaço também do que pede apenas um último esforço. O cansaço é a negação nas vísceras: sim, claro, poderia fazer isso também mas já não aguentam de pé os meus pés. Discutem os sábios se o corpo mente, desmente, omite ou só manda. O cansaço dos corpos parece a última das autenticidades – como insistir com um corpo que é o que está cansado, com um corpo que não tem o ímpeto de ter ímpeto, com um corpo que é fiel às garras que o prendem sentado e que não se arrependem de nenhuma de suas imobilidades. Exaurir, exaurir, exaurir: para isso estamos? E, para negarmos na viscosidade, fazemos para nós um corpo exaurido. Sim, um corpo exaurido já não mais pode ser condenado ou aprovado ou recomendado ou punido. Como podem os Bu estarem tão cansados? Eu também recebi um convite (foi deles?): cansa-te. Também um convite que se derretia, que pingava em gotas vermelhas viscosas enquanto eu caminhava à beira de um rio (era o Mississipi ou era o Tejo ou era o Das Almas?). O convite para me cansar vinha ilustrado: veja os exauridos, eles podem ser deixados em paz pela maçada que é acreditar que há uma monte Fuji a ser escalado pelos acontecimentos sucessivos que cavalgam pelas nossas vísceras.

Os Bu tratam da ansiedade. Bem, certo, não há talvez mais nada a ser tratado. Nada mais além da ansiedade. Nada mais além da pressa em percorrer os próximos cinco minutos ou a demora em percorrer os próximos cinco minutos. E a ansiedade faz listas como as que fazia Erik Satie que não sabia viver: dormir 2 horas, almoçar em 29 garfadas, procurar um pássaro no céu. Fazer listas, levá-las ao infinito. Acostumar-se a nada mais que listas infinitas. Não uma receita para alcançar a redenção ou um caminho para o rendez-vous com o messias, nada disso – apenas uma lista, um item depois do outro. Nenhum acontecimento-preliminar, nenhum acontecimento-tira-gosto, nenhum acontecimento-amuse-bouche e nenhum acontecimento-climax ou acontecimento-apoteose: pisar no meio-fio, comer uma mordida do pão, fazer uma exposição, receber 1000 refugiados, casar, comprar leite, parir, descascar o abacaxi, se apaixonar, ler o jornal, envelhecer. Um horizonte aberto de itens e mais itens sem picos e sem vales. Não mais cumprir a tarefa da vida, mas cumprir as tarefas da vida. A lista é um gênero; ela é uma escultura, uma escultura plana. E é um gênero sem gênero nem espécies – a lista não tem hormónios e nem surtos de ansiedade ou de desejo, quem lista não deseja. A lista é apenas um amontoado de itens. E os Bu são especialistas já que vivem na imobilidade e na imensidão: quem lista não se move, não se acelera, não se apressa. A lista é a receita contra toda ansiedade: o Everest e o Mar Morto são apenas itens, e itens estão apenas um depois do outro.

Os Bu regurgitam ontologia plana. Planíssima: um plano de listas infinitas, imensas, imóveis. Nada está mais importante que nada mais; os olhos cansados que já não se atiçam diante do puré de castanha com creme de alfarroba e nem se apavoram diante do chamado de Cthulhu. E o cansaço é estética e é ética plana – se tudo está em um mesmo plano de quem dexiste da espera, um ainda outro interromper tudo; aquilo que não pode estar listado. Os Bu nem se preparam para o deslistado. Não há preparação, há uma planície de afazeres. E um pano de fuga. Ali onde estão pintadas paredes e nuvens e uma foto tamanho de passaporte de uma curadora portuguesa que talvez nunca tenha ainda.

O texto foi uma resposta ao texto do Bu:
Recebi um convite. Não veio em papel material mas logo o transformei pois acredito e necessito da acumulação, não sei se acredito mas a maior parte das vezes sinto que necessito. Demorei vários dias, meses, semanas, a lê-lo e cada momento que passava ele ia ficando mais pesado e quando li a última linha o início já tinha apodrecido a tal ponto que escorria uma gosma que colava. Essa gosma viscosa conheço-a bem e por afecto não a limpo. Também eu sou um ser viscoso, viscoso por fatalidade e condição. É essa viscosidade que me prende em casa, causando repugnância à vizinha da frente. Viscosidade como resistência do fluido ao escoamento. Esse movimento com o objectivo de sair ou abandonar determinado lugar lembra-me logo daqueles que fogem, daqueles que rapidamente encontram um buraco para se enfiar. Nunca fui assim, sempre demasiado picudo para esses lugares, nunca tive essa visão aguçada de ponto de fuga. Um corpo tem mais viscosidade quanto maior o seu atrito, como a hiperacumulação que sofro e que sempre me faz sentir imiscuída e ao mesmo tempo sem lugar. As camadas, o pó, os papéis, as ideias, os projectos, vão-se sobrepondo, misturando-se, criando uma espécie de bolo alimentar malcheiroso e repugnante que deveria fazer o seu caminho ao longo de uma estrada sinuosa. Falta-nos intestinos na cabeça e por isso, esse bolo vai-se adensando, compactando até não mais sair (parecido com uma couve-flor sem água). A minha história, também pela minha (in)feliz condição, conta-se, então, pelo que não se vê mas existe. Será como a relação do sim e o seu contrário, entre a essência e a transcendência. A potência da acção também é a não acção, senão seria a acção por inteiro, perdendo a condição/característica/vestimenta da potência. A potência de fazer é também não fazer como o gato que está vivo ou está morto e afinal está vivo e está morto, as possibilidades são todas possíveis e coexistem. Possibilidades totais que levam à incerteza e à entropia que me faz sentir mais pertença, que faço parte de uma natureza cosmológica. Contradição (aparente) de ser e não-ser no mesmo espaço-tempo é uma forma extrema de vida. E com isto recordei o meu convite vindo de uma curadora famosa mas triste que encontrou o seu ponto de fuga na arte hardcore e na fuga em si. Uma clássica que ainda acredita que arte extrema tem que ver com esporra e sexo mas que no fundo é boazinha e defende os artistas não monumentais como se fossem refugiados. Gosto disso dela porque nunca gostei de fronteiras. Como ela, também tenho esse dom de causar consequências e aceitei o convite. Só para lhe mostrar que há várias artes extremas e apoiamos também a sua fuga para as ilhas (?). Invejo-a pelo seu ponto de fuga que foi a fuga talvez em barco para os Açores, mas mesmo em fuga quer traçar bem o seu caminho mandando postas de atum aqui para a capital artística portuguesa. Ontem fui a uma exposição composta por um objecto de ferro forjado, pequeno, disforme e detestável. Com esse objecto à partida simples, o artista conseguira falar e reflectir sobre a morte, os povos ancestrais e a sua morte, a fome causada pela crise e o caos deixado pelo FMI em Portugal. Fiquei fascinado e comecei logo a pensar numa peça que representasse tudo aquilo que me apoquentasse. Fiz listas, escrevi, li muito, pesquisei e não consegui. Penso que é uma incapacidade minha pois abro a agenda cultural e vejo muitas exposições, se calhar todas a falar de vários assuntos numa só peça. Tenho uma debilidade e um defeito e agora vejo como é patética a minha tentativa de adaptação. Sou viscoso e tenho muito atrito interno que dificulta o escoamento disse-me a interna no hospital mas ela estava com pressa e na verdade ainda não tive condições de consultar um especialista especializado. Mas o não conseguir materializar não necessariamente significa que não existe. E aqui está o meu drama. Tenho tudo em notas de rodapé que levam a outras notas de rodapé viciosamente como em suspensão, numa linha precária. Como a ambiguidade é, na boca do povo, a arte da suspensão, o meu ser e o meu trabalho (???) é ambíguo. Ambíguo e imenso. “A imensidão é o movimento do homem imóvel”, explicou-me o meu senhorio quando soube que eu passava os dias em casa a olhar pela janela, imaginando que nada do que via existia. Mas para ele a imobilidade não tinha nada de inútil nem de improdutivo. Era só uma questão de movimento, de aceleração, de física. Algo imóvel, como máximo de velocidade. Como se a imensidão fosse palpável e não tivesse nada de metafísica. Interessa-me isso à medida que vou escrevendo. As listas, ao invés de me ajudarem a estruturar a minha debilidade, tomaram conta dos meus dias criando assim uma vida paralela que, apesar de não vivida, era tão perfeita que começou a ocupar o lugar da minha vida tão desordenada e ambígua. Essa organização fictícia é um simulacro, uma representação artificial da realidade onde eu me adaptei a viver. Vejo-me (quando por vezes consigo projectar-me fora de mim mesmo) numa espécie de simulacro de ponto de fuga, como se fosse aquela estatuazinha de ferro forjado que vira. Uma concepção ao revés, um trabalho do não, uma distorção, destruição do real, do que existe (?). Encontro-me num projecto quase fadado ao fracasso, mas sempre tendo em conta a incerteza, as possibilidades, as ambiguidades. Será e é sempre um processo em bruto, um trabalho contínuo, como aquele em que alguém pelava batatas durante toda uma noite e ninguém comia. Algo assim. Em forma de provocação e desculpa, simultaneamente, deixar-vos com esta tentativa prévia e conscientemente condenada ao desastre, absurda simulação mascarada de validade muda, de certa forma (talvez) apenas para me continuar a orgulhar desta mania constante que tenho de renascer depois de todos os fracassos.