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domenica 1 luglio 2018

Uma palavra só (e um garrancho)

Lupa, lupa, lupa, lupa, lupa, lupo, lu-
O lobo, o dobro do lobo, ou eu em fuga, eu perseguido.
Rabisca a lupa.
Faz do l um mitograma conectado com o p por baixo
e da barriga do p um adorno em forma de um pequeno país
sem nenhuma cidade dentro.
Do u um ovo - pequeno ovo. Preferia escrever garranchos e
o literal é a linguagem do zoológico. Kafka
confessa que as metáforas o desesperam da escrita.
No triste inverno a escrita é desespero e jogo,
a metáfora é desespero, é dependente do serviço das palavras;
as palavras expõem as coisas sob um refletor.
Escuro, escuro, esconderijo. O escuro fica iluminado,
arranjo, arranjo, garrancho.



M: Jiwago Miranda, insolência recebida à pedrada



Dizem que os humanos brancos, civilizados se tornam incapazes de lidar com a recalcitrância. Alguns dizem que são assim por defeito da espécie. Outros dizem que são assim por má-formação da existência mesma. E, no entanto, também é impossível justificar o extermínio do recalcitrante. Por isso mesmo as universidades deveriam estar distante destes extermínios. Mas no campus Darcy Ribeiro ou em suas cercanias assassinaram com uma pedrada Jiwago Miranda.

Não conhecemos as circunstâncias da pedrada. Sabemos do corpo morto. A reitoria anuncia uma investigação policial. As investigações neste país estão desmoralizadas: os assassinos de Marielle não-identificados depois de meses, Lula preso por meses sem provas convincentes. Nunca saberemos muito mais sobre esta pedrada, mas já sabemos o suficiente. Milícias fascistas? Seguramente. Com ou sem este nome; composta de indivíduos que amam a ordem acima de tudo ou de gestos que amam a ordem acima de tudo.

Jiwago andava um farrapo: morador de rua, distante do nexo habitual entre palavras e movimentos, dissidente das normas por onde atravessa o controle, diferente do que rezam os protocolos para humanos direitos. “Aquele que entre nós era o mais vulnerável...” como consta em um dos textos que primeiro divulgou para a comunidade acadêmica a brutalidade. O mais vulnerável já que não tinha as normas, os nexos, a casa e os protocolos para protegê-lo. O mais vulnerável: aquele que é recalcitrante, e que por isso mesmo reside em uma solidão. Quem atirou a pedra despreza o vulnerável recalcitrante – e prefere eliminar a insolência. Mas o que faz a universidade poder ter alguma criatividade em uma sociedade cansada e obediente é precisamente suas fagulhas de insolência. Quando elas são assassinadas com pedras, não sobra muito mais do que cadáveres de criatividade. A universidade está em luto. E com este gosto amargo de um fracasso profundo, uma falência nas entranhas.

“Pouco discutimos coletiva e internamente sobre violências, sobre as muitas dimensões do sofrimento psíquico, sobre dependência química, sobre racismo, sexismo, classismo e outras componentes violentas de nossa cultura.”, escreveu um filósofo pensando na UnB depois de Jiwago ser suicidado à pedrada. Acho que uma discussão assim envolve ouvir as vozes dos insolentes, dos recalcitrantes, dos dissidentes. A universidade é o espaço para estas vozes, ou não é espaço para voz alguma.

E quanto aos farrapos, mais do que direitos, eles têm uma causa. Eles apontam para a indignidade dos nexos excludentes, da incapacidade de hospitalidade, eles militam contra a sociedade do medo que tem horror ao diferente – e que é também aquela que considera a pobreza o pior dos males. A causa dos farrapos, dos esquisitos, dos estranhos é causa-irmã da causa dos estrangeiros, dos revoltosos, dos que nasceram com o pé esquerdo. Não é uma causa de massas, é uma causa de vulneráveis. Uma causa daqueles que, talvez contra a civilização dos brancos, talvez contra a espécie e talvez mesmo contra a natureza mesma da existência, sente a atração da recalcitrância e a abraça, a endossa e a acompanha apesar de sua companhia ser perigosa.