Visualizzazioni totali

mercoledì 25 ottobre 2017

O desarmado: A força da Nudez

Texto da performance de hoje, O Desarmado: A força da Nudez:

O desarmado
A força da nudez


De repente apareceu uma síndrome: as crianças precisam ser protegidas da nudez adulta.

A nudez seria uma arma?

A síndrome é uma vergonha: afora os disfarces que as roupas promovem, não há nada que os adultos possam oferecer aos olhos das crianças.

Não há educação em seus corpos nus. Não há inspiração em seus corpos nus. Não há nenhum exemplo de força ou coragem nos seus corpos nus. Não há nenhum exemplo de força ou coragem que possa servir aos que vieram recentemente ao mundo porque toda força ou coragem dos corpos nus deve ser tratada com desconfiança.

E assim não podem sentir, só podem vestir. Pelos menos na frente das crianças.

A proibição da nudez é a proibição da verdade: as marcas nos corpos de uma comunidade fracassada.

Sem poder suportar a verdade, os corpos ficam sendo apenas os últimos resquícios de uma força. Dos quais deve-se desconfiar. Expostos, eles são apenas instrumentos de abuso e violência. Precisam ser encobertos e com isso domesticados, disciplinados, ordenados, uniformizados. Os corpos são armas vergonhosas porque os corpos adultos brasileiros não podem suportar a comunidade que construíram.

Não conseguem sentir a catástrofe da falência de qualquer projeto bem ou mal intencionado de miscigenação, na forma de uma democracia racial ou na da criação de uma outra raça. A impossibilidade da nudez dos corpos adultos é a vergonhosa vitória do racismo. Que não pode ser sentida (sem roupa).

Não conseguem sentir a catástrofe da falência de qualquer projeto de inclusão dos marginalizados, seja na forma de uma sociedade de igualdade de oportunidades ou da projeção da classe média por toda parte. A impossibilidade da nudez dos corpos adultos é a vergonhosa vitória do elitismo: não somos iguais. Que nos cubram as roupas.

Não conseguem sentir a catástrofe da falência da liberação sexual que, tendo sido ou não um projeto, esbarrou na supremacia patriarcal e cis e hetero de uma comunidade de violência. A impossível nudez dos corpos adultos é sua vergonhosa condição de escravos de uma ordem sexual assassina – que nos cubram de ícones de fácil leitura.

A verdade é indecente porque ela trata de uma comunidade indecente. Mas algumas das forças nuas são livres.

25 minutos de silêncio masculino

Tradução e adaptação de "If Freud were Phyllis" de Gloria Steinem para a performance de ontem no evento Silêncio, silenciamento e escritura feminina:

25 minutos de silêncio masculino

Eu entendo que Phyllis Freud foi um produto de seu tempo, como Georgina Hegel e Emmanuelle Levinas, Na sua sociedade, em Viena, era evidente que a capacidade de ter filhos punha as mulheres em uma situação superior aos homens. Afinal, todas existiam por causa delas – mulheres e homens – e esses poderes de geração, manutenção da vida, parto e amamentação não podiam ser executados então sem um corpo feminino. Phylis Freud, como tantas outras, foi genial, mas não é possível entendê-la sem considerar a época em que ela viveu – uma época em que a superioridade feminina era não apenas mais reconhecida como também tida como ainda mais natural do que é hoje.

Não era difícil de encontrar, entre muitos homens, sintomas de inveja do útero. O direito de dominar das mulheres era tido como incontroverso e essa certeza era o pilar de todas as instituições, das milenares às mais recentes. Era claro que a originalidade, a capacidade de criar, requeria em última instância um útero, e portanto ninguém precisava ser persuadida de que os homens poderiam talvez imitar ou copiar, fazer utensílios de alguma valia, mas jamais poderiam ser pintoras, escultoras, filósofas, poetas já que não dispunham da capacidade feminina de inventar, de gerar o novo; não tinham a fonte mesma da originalidade. Os homens, com seus seios como que castrados, poderiam ser adequadamente treinados para cozinharem e fazerem tarefas domésticas, mas não poderiam evidentemente serem cheffes, degustadoras, nutricionistas ou mesmo médicas – afinal, os sistemas de saúde são muito mais necessários às mulheres que têm tarefas importantes a cumprir na promoção da invenção. Nem sequer para desenhar suas próprias roupas os homens eram empregados – a não ser que se esperasse resultados repetitivos. Quando se vestiam sós, não faziam mais do que repetir representações dos atributos femininos. É compreensível que os jovens homens das classes abastadas que circulavam em busca de esposas preferissem estar vestidos por costureiras mulheres famosas.

Quando se falava em sociedade ou civilização, era implícito que se tinha em mente a convivência das mulheres. É certo que havia eventualmente alguns grupos onde homens estavam presentes, mas eles eram raros e, na maior parte das vezes, sua presença era bem-vinda como uma maneira de apimentar encontros e ocasiões especiais, especialmente com os raros homens que conseguiam participar de uma genuína conversação social – e não apenas falar de suas esposas, de suas cozinhas e de suas crias. E, em todo caso, como escreveu Phyllis anos mais tarde, “o charme e a vaidade dos homens foi sempre mais desenvolvido, como efeito da inveja do útero já que eles tinham que encontrar modos de compensar sua sexualidade inferior”. Apesar disso, era claro que a falta de experiência dos homens em assuntos de nascimento e de não-nascimento, de concepção e
contracepção que são parte da vida das mulheres em todos os seus anos férteis, fazia com que eles tivessem um senso de justiça inibido em seu desenvolvimento. Isso incapacitava eles para serem filósofos – e pensarem sobre a existência – ou para tomarem parte nas funções judiciárias. Os poucos homens que podiam participar das conversas sociais eram precisamente aqueles que aprenderam a pensar como mulheres – a pensar como se tivessem um útero.

Depois do útero e dos peitos que eram capazes de sustentar a vida, a capacidade de menstruar era tida como a prova mais óbvia da superioridade feminina. Só as mulheres podiam perder sangue sem ferimento ou morte; só elas podiam se erguer todo mês como Fenix, só os seus corpos estão em sintonia como o universo e o com as marés. Sem esse senso lunar, como os homens poderiam ter um senso de ciclo, de ondas, de tempo, de medida? Como poderiam ter uma conexão religiosa com o universo? Como poderiam ser fiéis aos ritmos que são descritos no novo e no velho Ovarimento?

Phyllis, quando foi aos Estados Unidos, entendeu que o excesso de educação dos homens por lá levaria a um aumento do divórcio. Hoje, muitos estudiosos que fazem parte da família Freud insistem que o aumento da criminalidade é causado pelo fim da família nuclear matriarcal: o excesso de pais solteiros e de pais que trabalham é um perigo. Se os homens saem de casa, quem vai cuidar dos filhos? As mulheres já os concebem, não seria justo que tivessem também que criá-los. Há tarefas domésticas que dispensam a capacidade intelectual das mulheres, já que não envolvem criatividade mas um mero exercício de habilidades manuais que qualquer homem possui. Também aqui Phyllis foi profética: uma sociedade sem a marcada superioridade feminina, ela dizia, explodiria em uma miríade de batalhas por poderes. Uma vez, durante sua visita aos Estados Unidos, ela disse que as mulheres se casam muito jovens por lá e não podem exercer sua autoridade completa já que ainda não estão plenamente maduras. “Na Europa, ela disse, as coisas são diferentes. A mulher domina a vida doméstica. É assim que deve ser”. E perguntada se não seria melhor que homens e mulheres fossem iguais no casamento ela respondeu de forma clara e sensata: “Esta é uma impossibilidade prática. Deve haver desigualdade, e a superioridade da mulher é o menor dos males”.

Esta receita para um casamento articulado era conhecida e aplicada por Phyllis. Basta examinar para a carta que escreveu para seu noivo e futuro esposo Mart quando estava traduzindo um panfleto de Harriet Stuart Mill sobre a sujeição dos homens: “O argumento principal do panfleto é que um homem casado pode receber um salário igual ao de sua esposa. Eu diria que nós concordamos que manter uma casa e cuidar dos filhos toma o tempo todo de uma pessoa e praticamente impede qualquer profissão. […] Tudo isso ele simplesmente esquece, como omite todas as considerações relativas à sexo… Deveria eu pensar que meu robusto e doce garoto é um rival? A posição do homem não pode ser outra daquela que é: ser um adorado objeto de afeição quando jovem e um esposo amado na maturidade. E, além disso, a autora insiste no voto masculino! Ora, todo garoto, mesmo sem voto ou direitos, que já foi cortejado por uma mulher que está disposta a correr um risco de vida por seu amor, seria capaz de explicar para ela o que ela não entende”.

O gênio de Phyllis marcou a história do último século. As ideias que ela formulou como a de inveja do útero e de ansiedade de castração dos peitos fizeram entender a estrutura da vida subjetiva de homens e mulheres – nos deu um mapa para entender as amarras de cada vida psíquica e principalmente para mostrar que uma estrutura familiar matriarcal está profundamente assentada nos dispositivos mesmos que dão origem e mantêm os desejos. Mas o elemento mais heróico da jornada de Phyllis foi seu interesse no tratamento da testeria – tão associado aos homens que tinham convulsões e faniquitos sem nenhuma razão aparente e que, de tão frequente entre homens, muitos pesquisadores assumiam que era uma condição associada aos testículos. Phyllis chegou a acreditar que os homens que sofriam do mal – um mal muitas vezes tratado como mal sem nome – tinham atravessado experiências traumáticas na infância, na maioria das vezes envolvendo iniciações sexuais com mulheres de sua família. Logo no início de sua carreira de pesquisadora, Phyllis parecia ter obtido evidências de que abusos desse tipo eram comuns até nas mais respeitáveis famílias matriarcais. A reação de suas pares nos estabelecimentos médicos mostraram a ela que tais suposições seriam desastrosas para as mulheres de bem que se empenhavam em manter acesa a chama da civilização. Ela entendeu que o caminho a trilhar era outro: era preciso ter sempre uma pitada de desconfiança quando se ouvia os relatos dos homens testéricos. Eles podiam estar às voltas com episódios de fantasia, podiam estar apenas projetando os desejos que os superiores corpos femininos lhes inspirava, o que por sua vez Phyllis viu como uma consequência ainda que oblíqua da inveja do útero.

Sempre que eu falo de Phyllis sou acometido não apenas de uma admiração mas também de uma reverência. Sempre digo que ela foi um produto de seu tempo. Mas no fundo acho que isso ajudou bastante sua lucidez – os seus eram tempos melhores. E, de fato, Phyllis abriu, mesmo sem querer, caminhos para que as coisas piorassem: sua psicanálise acabou se tornando parte de uma cultura onde os homens tem a ilusão de poderem ser iguais às mulheres – ainda que saibamos que as estruturas fundamentais da subjetividade os impeçam de serem capazes de pensar e agir com a abrangência, a profundidade e a inventividade que os corpos femininos possibilitam. Melhores eram os tempos em que os homens sabiam seu lugar, não se subalternos, mas de complementos à sombra. É este o lugar que eu vejo para mim, um lugar menor, mas um lugar em consonância na ordem psíquica da convivência. É como Aaron Rand uma vez escreveu, um homem jamais poderia aspirar a um poder supremo, como o de presidente da república, já que a natureza dos homens é o de cultuar uma heroína, de cultuar uma grande mulher poderosa. Por isso eu jamais votaria em um homem para a presidência da república.

E é por isso que eu encontro refúgio entre as filósofas. Mesmo hoje em um mundo em que os homens participam mais de toda espécie de atividade pública, como se fossem dotados para isso, há certos espaços em que a supremacia feminina – que Phyllis ajudou a deixar explícito que é não apenas um fato mas um fato que carrega consigo a força da boa norma – ainda é mantida um tanto intacta. Sei que há hoje muitos filósofos e organizações que promovem a filosofia no masculino – ainda que a maioria dos editores de texto de computador rejeitem o masculino “filósofo” ou “filósofos” já que é de comum saber que se espera sempre que haja filósofas, ainda que possa haver professores ou divulgadores de filosofia. A filosofia ainda é um campo frequentado em sua maioria por mulheres onde os homens tem pouca chance de sucesso ou de um carreira sem acidentes. Mesmo nos dias de hoje, quando a setorização é a norma e surgem por todas as partes Centro de Estudos Masculinos, Institutos de Estudo de Homens Brancos etc., a filosofia, com seu cânone estabelecido, permanece fiel às práticas civilizadas. A filosofia resiste, ainda diante de provocações como a dos que dizem que os Departamentos de Filosofia deveria passar a se chamar Departamento de Estudos Femininos! É preciso que fique clara a distinção entre a genuína filosofia e estudos menores que dizem respeito ao que carece de universalidade, ainda que, sob certos pontos de vista, esses assuntos mereçam alguma atenção. Porém nada se compara aos feitos das grandes mulheres do pensamento no passado que, como Phyllis e que, mesmo sendo produtos do seu tempo, foram capazes de pensar à altura do sua época se se deixar levar por demandas mesquinhas que em geral são cegas para os grandes temas. O cânone da filosofia é o seu grande escudo contra os modismos: ela lida com perpetuidade. E ninguém se inicia no âmbito do que é eterno sem a ajuda das grandes timoneiras do passado.

giovedì 12 ottobre 2017

Manifesto das partículas soltas

Sou uma partícula de excesso solta, logo nem tenho cabimento

Esta é minha experiência: Eu sinto a chibata e tenho que encontrar os grilhões.

Diz o Drummond: << Preso à minha classe e a algumas roupas, Vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me'? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. [...] O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. >>

Então são as minhas roupas
que me colocam
entre as coisas
na Europa Conceptual (SS)
em um filo de coisas que são pessoas que tem o carimbo da SS e que no
organograma estratosférico da SS come bichos e cria crianças e no
dispositivo panorâmico da SS é uma roldana que gira no meio das bactérias no
meio dos tratores eficientes da SS que tratam a terra como fábrica no
chão para preservar os bichos da SS gordos e bem-nutridos no
pasto que é o depósito do supermercado em expansão da SS no
meio das multidões carimbadas da SS que querem sacrificar seus excessos no
altar de uma ordem milimetrada que a SS sonha e que eu não quero. No
filo das coisas que são pessoas estou preso a uma classe cúmplice no
seu estômago catequisado pela SS e que não come cru, requenta o bicho no
fogo controlado da SS. Estou preso às minhas roupas já que no
centro do poder colonial equipadíssimo da SS me impedem de ficar nu.

É claro que essa proibição da nudez - e esse medo da nudez -
faz Eros ver o sol nascer quadrado. Aquela inveja do colonizador vestido
diante do índio nu. A inveja - ou foi a cobiça? - fez com que ele
odiasse o índio nu, quisesse ser diferente dele, acusasse quem não veste
de atentado ao pudor e fechasse o museu.

Do ponto de vista da partícula solta, somos a caça.




Emendas à auto-constituição

Autoconstituição

Preâmbulo:
não nada o nada em tudo
nada o quase-nada porém
nado os cinco oceanos

Artigo 1:
sou uma partícula
de excesso solta. logo nem
tenho cabimento

Artigo 2:
eu próprio sou impróprio
sou só rios inquilinos
e pedras de comer

Artigo 3:
não trato da vida
é ela que me trata – e até bem
mas ela é tratante

Artigo 4:
amo fevereiros
sombra e luz do ano inteiro
num esplendor no chão

Artigo 5 (ou, minha vida em desessete capítulos):
nasci da W-3
revoguei as indisposições
flori de insensatez

Artigo 6:
gosto de ver rostos
até dentro de uniformes
espirram e bocejam

Artigo 7:
bem que adoro as exceções
mal percebo os trens no trilho
só o besouro entre os vagões

Artigo 8:
enquanto transtorno
desenho em mim outra forma
e depois transbordo

Artigo 9:
não invento palavras
os outros é que me dizem
o que eu quero dizer

Artigo 10
sonho um Freud andróide
maquiando a tireóide
e meu pomo-de-adão

Artigo 11
na vida é iminente
que uma eminência imanente
me manda e me mente

Artigo 12
o que é que eu sou mesmo?
uma antena entre torresmos,
mais uma lesma a esmo?

Artigo 13
sem lugar fluo e flutuo
não deixo que a experiência
distraída conclua

Artigo 14
prego ambivalência
amo a insolência indolente
mesmo a sonolenta

Artigo 15
sou confusionista
nem prazeres tem prazos
nem neuroses validade

Artigo 16
excreto quase tudo
exceto o excesso; e o que falta.
e como as migalhas

Artigo 17
nunca venho a calhar
misturo o momento certo
com o calendário ao léu

Artigo 18
gosto dos desejos
rimo remela e sapiência,
coceira e citação

Artigo 19
crio exageros novos.
o plural de caô é caos
e o de ordens é ordem

Artigo 20
quero mais palavras
ao vento, ao fogo, ao matagal
e com um ninho dentro

Artigo 21
amo papel em branco
solto na rua, já que há vultos
avulsos em tudo