Visualizzazioni totali

mercoledì 23 giugno 2010

Manifesto Viado (de Felipe Areda)

manifesto*

andava na rua e ao lado...
o grito que era constante...
do senhor que se julga decente,
honesto, cidadão, bom, importante,
do político sincero e decoroso,
do casto padre recatado,
do justo pastor honrado,
do pai dedicado e amoroso,
e outros que por juízo, julgamento, razão,
política, conceito, poder, absolvição,
perdão, mágoa, medo, indignação,
ódio, revolta, raciocínio, incompreensão
olhavam para mim e viam a cisão
do que diziam ser certo, natural, correto
olhavam pra mim e passavam direto
se arrastavam para a rua do outro lado,
se afastando do que dizem ser errado,
enquanto o lábio trêmulo murmurava,
com uma voz ríspida, rouca e brava,
um xingamento que de longe cortava:
viado!
dizia que eu rompia a lei de deus,
a lei da família e da natureza,
da comunidade, da humanidade, da certeza,
da identidade, da verdade, da clareza,
dos valores compartilhados, seus e meus,
mesmo que nem todas acreditassem nesse deus,
a ele deviam se submeter,
sempre
ser colocadas no lugar, aprender
sempre sempre
as pessoas devem seguir reto e a moral prevalecer
sempre sempre sempre
e eu não posso ser o que sou
foi o que disse o som uníssono que ecoou:
viado!
porque ser isso é ser dejeto,
animal,inumano,abjeto,
indigente, miserável, excreto,
a quem o ódio deve ser o único afeto.
eu não posso ser o que sou.
foi o que disse a professora que brigou
quando percebeu o menino feminino,
pouco masculino, afetado,
que não reagia, que não respondia
com a violência esperada de um macho
– deve ser a falta de referência, acho.
falta um pai, tio presente, um padrasto,
alguém que o leve a um puteiro para deixar de ser casto.
– deve ser influência da TV, acho.
daquele ator afetado, das músicas modernas,
dos cantores, das artistas, das badernas.
– que tal fazermos um despacho?
exorcizá-lo, benzê-lo, rezá-lo,
curá-lo, tratá-lo, interná-lo.
– talvez precise de psicólogo, de aconselhamento.
está só querendo atenção, carinho, acalento.
– precisa de surra, ferro quente,
porrada, tapa pra ser valente.
– precisa ser comido para aprender,
se é isso que gosta, agora vai ter.
– precisa ser apedrejado,
levar tiro, paulada, açoitado,
ser esfaqueado, morto degolado,
ter o corpo queimado, o rosto deformado.
ter o corpo jogado no lixo,
ser tratado que nem bicho,
porque é isso que é...
é bicha!
é viado!
no brasil, pelo que diz a mídia
um dos meus é morto a cada dois dias
deve ser mais,
mas de vida que não importa,
morte não faz notícia nos jornais.
os policiais, ladrões, boyzinhos, pais,
colegas, vizinhos, pessoas normais,
amigos, amantes, pessoas banais,
lembram que a homofobia mata,
que a discriminação maltrata
que preconceito solapa, ata e cala.
lembram que eu devo tomar cuidado,
estar atento com quem ando, converso e falo.
me masculinizar, não dar pinta.
não beijar quem eu amo em público,
não importa quanta vontade sinta.
mas tem hora que esqueço,
sou o que sou e pronto.
mas logo o homem a quem afronto,
me lembra, xinga e diz que mereço.
com a veia do pescoço em palpitação,
desvia os olhos dos filhos de minha direção
e grita alterado e em consternação:
viado!
e como a vida de quem não importa tanto importa,
por não ser direita, por ser torta,
por não ser bem cuidada, várias se dispõem a cuidar.
e as pessoas se reúnem, comentam, fofocam,
vigiam, monitoram, regulam, controlam
– será que ele é?
– se não é ainda vai ser...
vai ser o que não pode ser...
pois é o que nem mesmo é.
viado!
viado!
viado!
ora, não pense que me calo,
que apanho quieto e não falo,
que baixo a cabeça, saio e choro,
que corro, fujo e me apavoro.
não se engane, macho.
ora, não pense que desisto,
que me entrego, não revido,
que converto, me reverto,
que me torno o que você quer eu seja,
para você ter certeza de que não é
viado!
tem medo de que?
de que lhe contamine.
de que lhe perverta, transforme, corrompa.
que o desnaturado lhe desnature.
que os degenerados ameaçem seu gênero,
seu gene, gêneses, geração.
tem medo porque?
porque odeia o diferente
ou porque tem que me odiar para fazer de mim seu diferente?
não posso estar perto,
para que esteja certo,
do que é e não pode ser
viado!
pois então, deixa que eu me aproximo
chego perto, olhos nos seus olhos e digo
não adianta esmurrar, bater, matar,
você não vai conseguir nos calar,
nem a mim, nem a meus irmãos e irmãs,
gays, bichas, travestis, sapatas, lésbicas, transexuais,
proliferação de dissidentes, diversas, anormais.
gente que não é o que você é,
porque não quer ser,
porque não precisa ser,
porque não é e não vai tentar ser.
o que diz ser tormento,
pecado, crime, doença, desvio,
e usa como insulto, afronta, ultraje, ofensa e xingamento,
eu me digo com orgulho e anuncio:
se ser humano é ser isso,
afastar, odiar, temer,
matar, destroçar, corroer,
digo com força, coragem e viço
prefiro não ser
e ser
ser de outro jeito, por outra vida, por outra via...
...do jeito que sou e quero ser
viado!

felipe areda, viado e militante do coletivo de micro-políticas feministas corpus crisis.

*publicado em “O Miraculoso”. Brasília, maio de 2010. 3ª Ediçã

horror ao horizonte

Sonhei com um poema que dizia de novo em folha
que pedra não era de.pedra.dade...
dizia assim, com pontos entre as palavras,
e soltava uma fumaça que protestava
contra os atributos das coisas, contra as coisas.
Acordei com a fumaça.

Quando sonho com coisas em geral, vejo pedras.
Não vejo besouros, dobras ou gotas de esperma.
E a pedra é grande, ela abriga a realidade toda, é coisa.

Acordei como uma escrava fugida capturada.
Açoitada, mas excitada com a fuga.
Túgido.
Há outras paragens
onde parar.
Sobrou o horizonte dos versos, longos, repletos
do poema da pedra.
Que coisa.

sabato 12 giugno 2010

Blake's Proverbs of Hell

No dia dos namorados, um trecho de casamento, do Marriage of Heaven and Hell de William Blake, Proverbs from Hell.

In seed time learn, in harvest teach, in winter enjoy.
Drive your cart and your plow over the bones of the dead.
The road of excess leads to the palace of wisdom.
Prudence is a rich ugly old maid courted by Incapacity.
He who desires but acts not, breeds pestilence.
The cut worm forgives the plow.
Dip him in the river who loves water.
A fool sees not the same tree that a wise man sees.
He whose face gives no light, shall never become a star.
Eternity is in love with the productions of time.
The busy bee has no time for sorrow.
The hours of folly are measur'd by the clock, but of wisdom: no clock can measure.
All wholsom food is caught without a net or a trap.
Bring out number weight & measure in a year of dearth.
No bird soars too high, if he soars with his own wings.
A dead body revenges not injuries.
The most sublime act is to set another before you.
If the fool would persist in his folly he would become wise.
Folly is the cloke of knavery.
Shame is Prides cloke.

Prisons are built with stones of Law, Brothels with bricks of Religion.
The pride of the peacock is the glory of God.
The lust of the goat is the bounty of God.
The wrath of the lion is the wisdom of God.
The nakedness of woman is the work of God.
Excess of sorrow laughs. Excess of joy weeps.
The roaring of lions, the howling of wolves, the raging of the stormy sea, and the destructive sword, are portions of eternity too great for the eye of man.
The fox condemns the trap, not himself.
Joys impregnate. Sorrows bring forth.
Let man wear the fell of the lion. woman the fleece of the sheep.
The bird a nest, the spider a web, man friendship.
The selfish smiling fool, & the sullen frowning fool shall be both thought wise, that they may be a rod.
What is now proved was once only imagin'd.
The rat, the mouse, the fox, the rabbet; watch the roots; the lion, the tyger, the horse, the elephant, watch the fruits.
The cistern contains: the fountain overflows.
One thought fills immensity.
Always be ready to speak your mind, and a base man will avoid you.
Every thing possible to be believ'd is an image of truth.
The eagle never lost so much time, as when he submitted to learn of the crow.


The fox provides for himself. but God provides for the lion.
Think in the morning. Act in the noon. Eat in the evening. Sleep in the night.
He who has suffer'd you to impose on him knows you.
As the plow follows words, so God rewards prayers.
The tygers of wrath are wiser than the horses of instruction.
Expect poison from the standing water.
You never know what is enough unless you know what is more than enough.
Listen to the fools reproach! it is a kingly title!
The eyes of fire, the nostrils of air, the mouth of water, the beard of earth.
The weak in courage is strong in cunning.
The apple tree never asks the beech how he shall grow; nor the lion, the horse, how he shall take his prey.
The thankful reciever bears a plentiful harvest.
If others bad not been foolish, we should be so.
The soul of sweet delight can never be defil'd.
When thou seest an Eagle, thou seest a portion of Genius. lift up thy head!
As the catterpiller chooses the fairest leaves to lay her eggs, so the priest lays his curse on the fairest joys.
To create a little flower is the labour of ages.
Damn braces: Bless relaxes.
The best wine is the oldest, the best water the newest.
Prayers plow not! Praises reap not!
Joys laugh not! Sorrows weep not!


The head Sublime, the heart Pathos, the genitals Beauty, the hands & feet Proportion.
As the air to a bird or the sea to a fish, so is contempt to the contemptible.
The crow wish'd every thing was black, the owl, that every thing was white.
Exuberance is Beauty.
If the lion was advised by the fox. he would be cunning.
Improvement makes strait roads, but the crooked roads without Improvement, are roads of Genius.
Sooner murder an infant in its cradle than nurse unacted desires.
Where man is not, nature is barren.
Truth can never be told so as to be understood, and not be believ'd.
Enough! or Too much.

The ancient Poets animated all sensible objects with Gods or Geniuses, calling them by the names and adorning them with the properties of woods, rivers, mountains, lakes, cities, nations, and whatever their enlarged & numerous senses could percieve.
And particularly they studied the genius of each city & country, placing it under its mental deity;
Till a system was formed, which some took advantage of & enslav'd the vulgar by attempting to realize or abstract the mental deities from their objects: thus began Priesthood;
Choosing forms of worship from poetic tales.
And at length they pronounc'd that the Gods had order'd such things.
Thus men forgot that All deities reside in the human breast.

giovedì 3 giugno 2010

Mar Branco

Mergulhado na piscina na beira do mato
penso que uma lata de lixo não é nada
é um corpo sem órgãos, mas eu não sei disso
espero duas urgências chegarem
a curva das tuas nádegas de égua impaciente
céu sem núvens
o plano das duas porções de água gelada
chão sem nódoas
- sento embaixo de um toldo com um livro antigo do chinua achebe
termino de ler em um sopetão
embarco para um mar branco
onde o tempo perdeu o rumo
como semente
corro para a casa onde eu te como
cago no mato
naquele dia devia estar pairando sobre mim uma noção apofântica de natureza
minhas pernas acocoravam cheias de adrenalina
querendo fazer uma oração
ao céu e a terra que estavam encharcados de ferormônio.

Agora que cheguei no mar branco
minhas válvulas de escape se movem a todo vapor
dou a descarga
vejo pequenas tirinhas azuis que não parecem relógios
deve ser o passado condensado
minha capacidade de imaginar corpo em minhas mãos
nas minhas mãos como um apêndice da linha da vida
espero, espero
olho para o irrecusável com olhos vadios
e ele parece uma manivela ajustada
dou corda
da mentira escapam verdades, só dela escapa o que se vê do alto da montanha
o jornalista comprou a montanha
eu não quero investir em imóveis na flórida
quero atravessar, sem ser fotografado, a ponte branca.