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domenica 29 agosto 2010

Minha Linha, de Ricardo Aleixo

Que o dono da fala
nunca
permita que eu saia
da linha
a linha que
quanto mais torta
mais posso dizer
que é a minha

Sempre fui
meu próprio mestre
e é sem tristeza
que conto
que ainda não aprendi
nada
não me considero
pronto


Em matéria
tão complexa
quanto a arte
de entortar
a linha
que nem a morte
há de um dia
endireitar

http://jaguadarte.blogspot.com/

sabato 28 agosto 2010

alforriar ou anestesiar?

passo minhas duas antemãos nas tetas de artemisia em efesos.
longe do mar, em selva batida baldia;
se no meio da floresta de árvores retorcidas que são as populações humanas
eu me perder, me acho nas microdeusas.
elas são generosas, me arrebitam
peitos concêntricos
ela me faz agachar ao lado da entrada do seu templo
e mendigar hormônio
eu fico com o cadastro sujo já que ela me amarrou
lupus preto
obscuro

domenica 22 agosto 2010

Hoje cavei um túnel

Meus genes são otomanos
e são mímica, já que não eram feitos de carne e osso da terra
Vi uma fotografia
e outra, e outra
depois me contaram histórias
minha família fazendo contas emocionais
e eu me perdi, esqueci meu nome,
meu endereço, meu telefone,
meu herói nacional
e meu vilão.
Olhei meu rosto no espelho e saí correndo.
Esqueci meu código genético.

domenica 15 agosto 2010

Adia tudo - primeiras páginas?

o barulho das portas rangendo

Saio de casa esbarrando em portas trancadas e ruas escuras;
nunca votei nisto.
Meninos pardos querem me engraxar, eu tenho os sapatos e o troco;
nunca votei nisto
Passo por uma esplanada feita de pompa, sem árvores, com autoridades em linha reta;
nunca votei nisto
Cruzo edifícios de gabinetes militares, bem nutridos e pensando pólvora,
deslizando por entre as escolhas de cativeiro.

Em toda parte, carros, blocos e carros invadem minhas retinas.
Uma solidão maior que o sistema solar órbita meus olhos.
Minha pátria, minha pátria!
e não tenho pátria e para mim
o barulho das portas rangendo, é estrangeiro;
a necessidade de suplicar para não morrer de fome, é invasão;
os sapatos que pisam pés e não chão, são alienígenas;
as armas cheias de certezas, são forasteiras.
Solidão. Solidão.

Estas ditaduras diárias são impostas com um tremor de ombros.
Quero reinventar minha personalidade a cada manhã
dentro da minha única cúpula, a cúpula do céu.
Com meus horizontes, do mesmo tamanho
que os horizontes de todo mundo.
Sem estas ruas, estas ruas – ásperas.


De súbito, um auto-retrato em mim mesmo


meu corpo vai se tornando
cada vez mais minha alma.
minha coluna virando minha nostalgia,
minha boca virando minha coragem,
minha bexiga guardando e despejando meus remorsos
minha pele seca de não era isto que eu queria.
minha cartilagem minha imagem.
minha língua, minha calma.
Já posso ver os olhos dos meus pensamentos no espelho,
cada poro
cada poro de pele parece comigo,
todo o meu corpo está a cara da minha alma.

meus fios de cabelo balançam com o vento das minhas descrenças
meus cheiros tem a forma da minha inquietação
minhas unhas crescem o conteúdo da minha angústia
meus cílios a cor da expectativa,
meus germes são agentes infiltrados de quem eu amo.
me machuco––me adoeço de receios.
meu corpo ficou transparente
e deixa a minha alma nua
––mesmo quando o escondo debaixo dos panos.

cada idéia, fica pelos lábios, pelos pelos, pelos dentes
passam os dias e meus ímpetos se tornam visíveis
em cada gota de saliva aparece gota de apreensão,
meus gestos todos involuntários, todos símbolos decifrados
minha cabeça se abriu, se partiu em artérias, tremores e dentes rangendo
haverá um dia em que todo meu sangue será terra colonizada.
Já não posso com meu corpo que antevê antes que eu desconfie,
cada poro,
livre de mal-entendidos, avesso a disfarces
não permite meus sentimentos escondidos uns dos outros.
minha alma agora é mão, é ombro, é o alcance dos meus dedos
e eu––anseios ambíguos, esperanças encabuladas––visível a olho nu.

Poema-Que-Explica-Suas-Asas-Com-Versos

Eu escrevo para poder tocar sua mão sem tocar sua mão
Eu escrevo para que haja palavras entre nós.
Eu escrevo para expressar, apressar, confessar, arremessar.
Eu escrevo porque não sei construir outros túneis entre as nossas retinas.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só gargalhadas.
Eu escrevo para segurar as horas, segurar os dias, segurar as pontas, segurar meu próprio braço.
Eu escrevo para que o que eu sinto não vire só lágrimas.
Eu escrevo porque uma palavra pode salvar o mundo (por um segundo).
Eu escrevo para denunciar as rimas e as métricas que vejo por toda parte.
Eu escrevo porque prefiro viver em um lugar incompreensível com poemas do que em um lugar incompreensível sem poemas.
Eu escrevo para tentar passar a mão no seu coração, mesmo sabendo que pode ser que encontre só pedras.
Eu escrevo para soprar um ar nos seus pensamentos, mesmo sem dizer nada.
Eu escrevo para ficar sem dizer nada sem ficar sem fazer nada.
Eu escrevo para que o que você possa ser muitos vocês, eu possa ser outros eus e nós possamos nos perder nesta multidão.
Eu escrevo para me ver livre, pronto, falei, agora vou escrever um verso para me ver livre deste alívio.
Eu escrevo para correr riscos em uma linha reta.
Eu escrevo para desperdiçar tinta, papel, seu tempo, ao invés de desperdiçar oxigênio.
Eu escrevo porque este verso pode valer mais do que todos os poemas.
Eu escrevo para você encontrar uma desculpa para escrever.
Eu escrevo para não fazer diferença. Faz diferença fazer diferença?
Eu escrevo porque minhas pupilas esbarraram nas Possibilidades da Wislawa Szymborska e no Umbigo do Nicolas Behr.
Eu escrevo para girar na órbita do umbigo das possibilidades.
Eu escrevo porque as palavras germinam quase sem adubo.
Eu escrevo para fazer você mostrar os dentes.
Eu escrevo porque é de tinta, se fosse de pistache eu comeria.
Eu escrevo porque assim me sinto pronto para te dar explicações se você pedir.
Eu escrevo porque se não escrevesse minhas mãos invejariam meus olhos e meus dedos invejariam meus dentes. Seria a guerra de todos os órgãos contra todos os órgãos.
Eu escrevo para você poder sentir o prazer de não ler.
Eu escrevo para colocar um marcador no meio desta tarde ensolarada.
Eu escrevo para parar de ficar contando quantos minutos se passaram sem escrever nada.
Eu escrevo para encher o mundo (e este papel) de entrelinhas. Se eu pudesse escrever entrelinhas faria só com elas o meu testamento.
Eu escrevo porque o planeta é pequeno demais para não ter versos
Eu escrevo para que você tenha cabimento.
Eu escrevo porque senão teria que viver abraçado a uma árvore, que nunca me olha.
Eu escrevo para que o tempo passe bem.
Eu escrevo para que alguma palavra conquiste a sua confiança e te faça companhia.
Eu escrevo para esculpir expressões felizes no teu rosto.
Eu escrevo para sentir o conforto de estar cercado de versos por todos os lados.
Eu escrevo para que as coisas recebam das palavras pelo menos um leve aperto de mão.
Eu escrevo porque as palavras me escapam por todos os poros.
Eu escrevo para reencontrar as palavras também aqui, mais tarde.
Eu escrevo para que não haja apenas moléculas de oxigênio entre nós.
Eu escrevo para poder conversar os assuntos encerrados.
Eu escrevo para que meus amores não sejam o mesmo pó que o resto de mim.
Eu escrevo para que meus olhos não sejam a única testemunha.
Eu escrevo para conversar com alguém que eu nunca conheci.
Eu escrevo porque gosto das montanhas de livro na falta de montanhas de pedra.
Eu escrevo para que as maçãs passadas não fedam sem conseqüência.
Eu escrevo para dizer que não gosto de quem proíbe palavras.
Eu escrevo para tentar fazer uma cópia infiel da minha alma com algumas palavras.
Eu escrevo porque as palavras me puxam pela mão e eu não resisto à tentação.
Eu escrevo para dizer uma coisa de cada vez e depois amarrar cada coisa de uma vez com um barbante fino de rimas feito de capim––logo o capim arrebenta e larga cada coisa de cada vez.
Eu escrevo para tentar ser um motorista desatento conduzindo meus sonhos.
Eu escrevo para que você me olhe com os olhos de quem tem a chave de qualquer coração.
Eu escrevo para encontrar a felicidade esbaforida que aparece entre duas palavras que brotam de sopetão.
Eu escrevo porque não tenho armário para guardar tanta coisa.

Se mais tarde eu chegar no céu quero um corpo feito de coração, unha e língua.
Se mais tarde eu chegar no céu quero uma casa no espaço entre as estrofes.
Se mais tarde eu chegar no céu quero orgasmos apenas aleatórios.
Se mais tarde eu chegar no céu quero estar lúcido em um corpo ardendo em quarenta graus.
Se mais tarde eu chegar no céu quero parar de desperdiçar desperdícios.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero pés-cara, pernas-boca, seios-costa e ventres-alma.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero ter problemas feitos de nuvens.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero praças sem ruas, ruas sem portas, portas sem donos, donos sem nome, nomes sem praças.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero só desabotoar.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero escrever ao invés de pensar.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero tudo ao mesmo tempo.
Se mais tarde eu chegar ao céu quero passar eternidades entortando ponteiros
Se mais tarde eu chegar ao céu quero não precisar guardar nada.


Afobado
Tenho sonhos de grandeza, mas só com a luz acesa.
Mas não sou só isto.
Quero descobrir a origem da noumenologia fazendo nomadologia.
Mas não sou só isto.
Sou talvez de Oxum, talvez de Ogum, de qualquer um.
Mas não sou só isto.
Ando com muito privilégio e tenho vergonha desde o colégio.
Mas não sou só isto.
Tenho culpas mansinhas e um bem-estar folhas-voando-sozinhas.
Mas não sou só isto.
Tenho diploma de amador, mas não consigo cuidar de muita flor.
Mas não sou só isto.
Meu sol fica na casa nove e, apesar disso, é meu corpo que se move.
Mas não sou só isto.
Me pagam para achar buracos estreitos que moram entre os conceitos.
Mas não sou só isto.
Ando com uma perna torta, prefiro pisar a pedra, não joaninha morta.
Mas não sou só isto.
Gosto de cozinhar sem receita, espero e no tempero tudo se ajeita.
Mas não sou só isto.
Nasci brasileiro, mas discretamente prefiro ser um pouco estrangeiro.
Mas não sou só isto.
Não sei o que dizem minhas identidades, mas elas não falam verdades.
Mas não sou só isto.
Gosto de ficar comendo arroz, e tentar só pensar no porquê depois
Mas não sou só isto.
Penso umas idéias atéias, talvez causem minhas diarréias
Mas não sou só isto.
Quero tudo diferente, não tenho agulhas, nem cadeado, nem pente
Mas não sou só isto
Fujo de todos os perigos, mas corro para os perigos mais antigos.
Mas não sou só isto.
Às vezes me acho sem credenciais, sei que com ou sem elas tanto faz
Mas não sou só isto.
Quero ser o contrário disso; contrário descomprometido e insubmisso.
Mas não sou só isto
Sou até a borboleta azul que viu o rio cair da montanha.

Autoconstituição


Preâmbulo:
nada o nada em tudo
nada o quase nada também
nado uns cinco oceanos

Artigo 1:
sou uma partícula
de excesso solta. logo nem
tenho cabimento

Artigo 2:
eu próprio sou impróprio
sou só rios que me atravessam
e pedras de comer

Artigo 3:
não trato da vida
é ela que me trata – e até bem
mas ela é tratante?

Artigo 4:
amo fevereiros
sombra e luz do ano inteiro
num esplendor no chão

Artigo 5 (ou, minha vida em desessete capítulos):
nasci da W-3
revoguei as indisposições
flori de insensatez

Artigo 6:
gosto de ver rostos
corro para água corrente
pela poça, sou o céu

Artigo 7:
bem que adoro exceções
mal percebo os trens no trilho
só o espaço entre os vagões

Artigo 8:
eu quando transtorno
desenho em mim outra forma
depois a transbordo

Artigo 9:
demoro a descobrir
pra pegar e sair vivendo
que é de pó onde morro

Artigo 10
sonho em ser andróide
maquiar a tireóide ao espelho
pôr Freud do avesso

Artigo 11
na vida é iminente
que uma eminência imanente
me manda e me mente

Artigo 12
o que é que eu sou mesmo?
uma antena entre torresmos
ou uma lesma a esmo?

Artigo 13
singular, sem lugar
bóio entre casas, casamentos
não moro, esparramo

Artigo 14
prego ambivalência
amo a insolência indolente
mesmo a sonolenta

Artigo 15
sou confusionista
meus prazeres não tem prazos
confusões sem hora

Artigo 16
excreto quase tudo
exceto o excesso e o que falta
quando falta exceção

Artigo 17
se já venho a calhar?
penso sempre um calhamaço e
falo das migalhas

Artigo 18
gosto dos desejos
rimo remela e sapiência
bocejo e inspiração

Artigo 19
crio exageros novos
ordem é cão, caos 171
sou mato na cerca

Artigo 20
falo da palavra
ao vento, ao fogo, ao matagal
e com um ninho dentro

Artigo 21
amo papel em branco
solto na rua, já que há vultos
avulsos em tudo

Artigo 22
ordeno-me: odeie mesmos
até a si mesmo, ate a corda
e solte o braço


Artigo 23
detesto a precisão
de tabus e tabuadas
prefiro infiltração

Artigo 24
só respiro bem mal
sugo um ar todo empestado
saio cheirando torto

Artigo 25
oráculos me mordem
que sou sete contra sete
com lua em camaleão

Artigo 26
por mim ruminam vãos
versinhos de Rumi, clarões
mas só no escurinho

Artigo 27
esperneio comigo
escrevo sobre meu umbigo
imagens ambíguas


há dia pra tudo
No es mejor nunca que tarde? Neruda

há dia sem motivo, há dia subjetivo, há dia adjetivo
há dia objeto, há dia abjeto, há dia indiscreto
há dia de horas tremidas, há dia longo e quieto
há dia velha lição, há dia lacraia, escorpião

adia tudo. adia o substantivo,
o encontro – adia o travessão
adia a precisão, adia a retenção, adia a decisão
adia um outro dia
adia o rancor, adia o torpor, adia a ordem do ditador
adia a tesouraria, a melancolia, a alergia e a bulimia
adia o motivo, adia a espera, adia a espora
adia a chegada, adia a joelhada, adia a onça-pintada
adia o abandono, tira o quimono, adia o dia seguinte
adia a vergonha do pedinte
adia o necessário, adia o judiciário, adia o calendário
adia a picuinha, o frio na espinha, o pescoço da galinha
adia o cuidado, adia a hora marcada,
adia o papel-laminado,
adia o trabalho, ponha bugalho no alho,
adia a documentação, o olho comprido,
o cabeçalho, a hipertensão,
adia o formulário, o glossário, o projeto literário
adia a unha encravada, a gravata
ajunte no adiamento o seu aniversário
e pare os carros na rua já que tem
um louva-deus distraído e pousado
já que a cadeira de rodas do transeunte solitário
está com o pneu furado
na calçada da avenida.