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sabato 29 settembre 2012

El cielo de Argenzola

“Porque ese cielo azul que todos vemos, ni es cielo, ni azul.
¡Lástima grande que no sea verdad tanta belleza!”
Lupercio Leonardo de Argenzola, (1559-1613)

Los hermanos Virgilio y Homero Expósito, comenzaban en 1956 el tango Maquillaje, con este epígrafe. Y continúa el tango de los Expósito:

“No...
ni es cielo ni es azul,
ni es cierto tu candor,
ni al fín tu juventud.
Tú compras el carmín
y el pote de rubor
que tiembla en tus mejillas,
y ojeras con verdín
para llenar de amor
tu máscara de arcilla...”

Y yo tan triste y no se porque me pilla
soudain un squelette qu´un savant
peut-être moi, pourquoi pas?
qui a fait de l´or ne puisse jamais
de mon être extirper l´élement corrompu.
Les bains de sang, les bains de sang!
Mi boca se llena de agua
de donde viene el agua?


venerdì 28 settembre 2012

Give us Gods (D. H. Lawrence)

Give us Gods


Give us gods, Oh give them us!
Give us gods.
We are so tired of men
and motor-power. -

But not gods grey-bearded and dictatorial,
nor yet that pale young man afraid of fatherhood
shelving substance on to the woman, Madonna mia! shabby virgin!
nor gusty Jove, with his eye on immortal tarts,
nor even the musical, suave young fellow
wooing boys and beauty.

Give us gods
give us something else -

Beyond the great bull that bellowed through space, and got his throat cut.
Beyond even that eagle, that phoenix, hanging over the gold egg of all things,
further still, before the curled horns of the ram stepped forth
or the stout swart beetle rolled the globe of dung in which man should hatch,
or even the sly gold serpent fatherly lifted his head off the earth to think -

Give us gods before these -
Thou shalt have other gods before these.

Where the waters end in marshes
swims the wild swan
sweeps the high goose above the mists
honking in the gloom the honk of procreation from such throats.

Mists
where the electron behaves and misbehaves as it will,
where the forces tie themselves up into knots of atoms
and come untied;

Mists
of mistiness complicated into knots and clots that barge about
and bump on one another and explode into more mist, or don't,
mist of energy most scientific -

But give us gods!

Look then
where the father of all things swims in a mist of atoms
electrons and energies, quantums and relativities
mists, wreathing mists,
like a wild swan, or a goose, whose honk goes through my bladder.

And in the dark unscientific I feel the drum-winds of his wings
and the drip of his cold, webbed feet, mud-black
brush over my face as he goes
to seek the women in the dark, our women, our weird women whom he treads
with dreams and thrusts that make them cry in their sleep.

Gods, do you ask for gods?
Where there is woman there is swan.

Do you think, scientific man, you'll be father of your own babies?
Don't imagine it.
There'll be babies born that are cygnets, O my soul!
young wild swans!

And babies of women will come out young wild geese, O my heart!
the geese that saved Rome, and will lose London.

mercoledì 26 settembre 2012

Uma etiologia do delírio pansexual - texto para a performance de amanhã no Ovulário da Valeska

Amanhã no ICC sul, AT 141, às 12:15 performo este texto, vestindo tomates, couves e bananas:

Uma etiologia do delírio pansexual
ou: como desejar objetos sem ser sujeito deles
e nem sujeito a eles

Sexo. Sexo certo. Sexo errado. Sexo errático. Sexo errante. Sexo errorista. Erótico. Uma errância. Todo delírio é sexual, dizem. Toda compulsão é sexual, dizem. Toda convulsão é sexual, dizem. Toda voragem é sexual, dizem. Toda patologia é sexual, dizem. Toda terapia é sexual, dizem. E dizem mais: sexo é o início, o fim e o meio. É o meio, é o meio, é o meio – Audre Lorde, a poeta do erótico desinteressado, repete que na conexão pela conexão é que mora Eros. Mas qual é o fim? Papai? Mamãe? Papai-Mamãe? O destino traçado precisamente pelas linhas, não das mãos – quem legitima a quiromancia? – mas das genitálias – uma genitomancia ou uma pubimancia? O destino traçado pela anatomia? Pelo balanço de hormônios – intocável? Uma combinação de hormônios, gestos, performances, roupas, práticas, sanções e linhas do corpo que tornem o sexo tolerável? O fim, qual é o fim, o sexo dócil, disciplinado, coreografado e de passos marcados? A patologia é sexual, dizem, e o fim da terapia, é sexual. De que sexo a que sexo vamos? O início, o fim e o meio. Qual é o início? A tormenta, a histeria, a neurose, o delírio, a obsessão – ou seja, sexo, sexo, sexo. Olhamos para as atormentadas, para os histéricos, para os neuróticos, para as delirantes, para os obsessivos e vemos sexo. Muito bem, que sexo vemos?

E quanto ao fim? O fim às vezes parece ser um enorme círculo incestuoso em que a espécie usa suas ferramentas eróticas para permanecer, para subsistir, para fechar o cerco contra o alienígena. Uma família humana. Onde está o sexo, perguntamos a família. E ela responde: ali, perto dos gametas, perto dos óvulos, perto da porra. E quando diz que tudo é sexo quer dizer que tudo se inicia na anatomia da genitália – e na correnteza de estrogênio, de testosterona, de progesterona, de feromônios – e termina na comunhão entre os humanos, de preferência para fazê-los crescer e multiplicar. Termina com o destino traçado e que precisa só de uma mãozinha para produzir homens naturais, mulheres naturais. O diagnóstico é sexo: ocorre alguma coisa naquela genitália que erra. Ou erra a cabeça que se acopla à genitália. É nela, e nos pensamentos inconscientes que ela carrega, que se busca o começo da patologia já que ela faz miragem, faz viragem, faz instinto, faz convulsão. Todo o corpo é uma alegoria da genitália: a genitália é o locus hocus-pocus de toda voragem, de toda compulsão. E ela é local sagrado de toda profanidade.

Marx tinha um gosto pelas forças produtivas. Elas são capazes de perturbar as sociedades as mais continentes. Na sua Crítica à Filosofia do Estado de Hegel, ele aponta para o contraste que institui o sexo humano em seu caráter sancionado, normatizado e endossado: o contraste com o sexo não-humano. Não se trata de apontar para o sexo dos porcos e seus longos orgasmos, nem para o sexo do pólen, idílico e produtivo, nem para o sexo dos anjos, eles tão intersexuais quando expõem suas pregas. Libélulas em bambus fazem. Centopéias sem tabus fazem. Os louva-deuses com fé fazem. Dizem que bichos de pé fazem. As taturanas também fazem com um ardor incomum. Grilos, meu bem, fazem. E sem grilo nenhum; Com seus ferrões, os zangões fazem. Pulgas em calcinhas e calções fazem. Tamanduás e tatus fazem. Corajosos cangurus fazem. É certo que cada uma destas bestas, gigantescas ou minúsculas, fazem de um jeito. E, porém, o sexo humano é coisa diferente – animal, bestial, oral, vaginal, anal, mas coisa diferente. Diferente: distinta e separada. O vão entre o sexo humano e o sexo não-humano é o que faz a diferença entre a grande família humana e todo o resto, não todo o resto do mundo, mas todo o resto de nós. Tamanduás, tatus, coelhos, cangurus, pulgas em calcinhas e calções são transformados em alegorias de um sexo centrípeto, concentrador, familiar. Todo delírio será trazido de volta à casa, ao quarto, à vida familiar passada e futura: sexo é o início, o fim, e o meio. Mas o sexo não-humano não é o sexo bestial, mas é antes toda a vida microsexual do inconsciente. Marx, como comenta Lyotard, aponta para a castração devida para entrar na espécie humana como agrupamento com normas sexuais e sanções sociais – com uma matriz de desejo e nojo. Trata-se de uma operação sobre as partículas microsexuais que transitam pelo nosso corpo, pelo nosso inconsciente, pelas nossas pernas, pelos nossos frenesis, pelos pêlos, pelas dobras, pelas pontas dos dedos. O sexo não-humano de Marx é a tectônica subcutânea do sexo humano, seus ingredientes e, também, o que há em seus bastidores.
O que fazer com os teus desejos? Com que pedaços do mundo dá pra fazer alguma coisa com teus desejos? Há uma engenharia das pequenas convulsões para fazê-las marcharem para uma ordem unida – o sexo humano. Marx não diz apenas a ordem hetero ou cis é uma ordem unida. O sexo humano que põe a seu serviço o sexo não humano registra os desejos como produção em prol da comunhão humana. Monique Wittig sobre sexo: a categoria de sexo é totalitária e para se provar tem suas inquisições, seus tribunais, suas leis, suas torturas, suas mutilações, suas execuções, sua polícia. Ela molda a mente como o corpo já que ela controla as produções mentais. Ela captura nossas mentes de uma forma que não conseguimos pensar fora dela. E se as produções mentais não envolvem sexo – aquele sexo sancionado – elas estão errantes: é preciso consertá-las ou, é claro, reinterpretá-las. Colocar os desejos e seus pequenos fluxos em linha, para isso a pornografia, para isso a família e, talvez, para isso a terapia. Vejam Wittig: ela intenta criar uma sujeita lesbiana, alheia ao sexo a que estão sujeitas as mulheres. E prega que paremos de falar de sexo para pararmos de falar de mulheres. E com isso poder deixar soltas as partículas desejantes, as minúsculas voragens, os embriões de compulsões – é que assim essas pulsões nanosexuais podem se acoplar a outras coisas, a outros gestos, a outros acontecimentos. Já Marx, denunciando o silenciamento do sexo não-humano, estaria insinuando uma pregação para que paremos de falar de sexo para que paremos de falar de humanos. É o alistamento do sexo não-humano a serviço do sexo humano que nos coloca a serviço da humanidade e de sua substancialização.
Giorgio Agamben, em seu O Aberto, traçou alguns dispositivos do que chamou de máquinas antropológicas – os mecanismos que procedem à separação do que é humano e do que não é (do que é bestial, animal, sub-humano). A quarta pergunta de Kant – Was ist Mensch? – é a abertura de um jogo de capturas. As diferentes máquinas antropológicas sancionam quem é humano suficiente, quem pertence a grande família, quem pode, enfim, ser tratado como um de nós – a partir do que pode então pertencer a muitos outros nóses, os de classe, nacionalidade, gênero, cor, correligionários e membros de um clube seleto. A primeira triagem é da máquina: gente, gente, não-gente, gente... A máquina antropológica que produz o sexo humano faz a triagem do que é feito com os microeros que circulam nos corpos. Tá genitalizado, familializado, trazido ao escopo sancionado de todo delírio? Ou é delírio desgovernado, substância sexual centrífuga, fissura fugidia? São estas microconvulsões dignas de uma vida casada, quotidiana e tributável? Os mecanismos de sanções desta máquina são muito entrincheirados: uma amante procura um amante, casados ambos e querendo alguma coisa mais do que pagar os mesmos impostos todos os anos. E se encontram: não se casam, mas são casáveis. E aparece também a repressão – não a repressão ao sexo não-humano, mas a repressão ao sexo humano: passar a mão na piroca do bofe, não fica bem, lamber um tomate, isso pode ser, beliscar a bunda da mina, melhor mais tarde, morder a couve – o que pode haver de errado nisso? Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? Você tem sanha de quê? Não é o que você faz com o seu cotovelo, diz o Mestre Repressivo, mas onde você arrasta teu grelho, já que repressão é produção. A história do alistamento das partículas microsexuais tem suas nódoas: há as mulheres postas em nicab – as mulheres são sexo – e os guaranis nus – em nós tudo cara. Um discurso contra a transformação do sexo não-humano em sexo humano é um discurso de emancipação: da emancipação dos corpúsculos eróticos. Deleuze e Guattari, claro, tem um slogan pronto para o projeto de emancipação: à chacun ses sexes. Poderia ser também: retome suas fissuras, solte suas feras, libere suas voragens. Ou ainda: delírios, vocês não tem nada a perder senão seus grilhões. É que a máquina antropológica aqui faz um pacto com o capeta das voragens para que a humanidade possa constituir uma filiação. Sim, os desejos são centrífugos, são dia-bólicos, descentralizadores, mas... a filiação precisa dela. Viveiros de Castro chama isso de aliança demoníaca. É como a piada do meu irmão que pensa que é uma galinha: eu preciso dos ovos.
Pensar nos infinitesimais do desejo é uma estratégia que tem uma longa história. Leibniz falava dos pequenos deslocamentos que se produziam antes de qualquer acontecimento. Uma tectônica. Estas micropopulações abrem virtualidades – plêiades de possibilidades para alguma outra coisa acontecer. Teu pequeno desejo por um tomate, tua pequena ânsia por uma banana, por um mergulho, por uma textura, por um cheiro. De onde vêm? De toda parte. É o vento quente que é amante – dizia Sappho. De que armário você precisa então sair? Bissexual? Trissexual? Transexual? Pansexual? Dendrosexual? Hidrossexual? Pirosexual? Aerosexual? Geosexual? Os desejos – microscópicos e com a duração de um triz – podem ser regulares – ao meio-dia sempre tenho a fissura de lamber folhas amarelas – porém não seguem ordens, nem da natureza. E não têm regras. O nosso reconhecimento dele – quando nós os interpelamos e eles viram a cara – é que satisfaz regras. É que a polícia delega a cada sujeito os porretes, algemas e sirenes para sujeitar seus desejos. Ao invés de sujeito aos desejos os sujeitos ficam sujeitos dos desejos. Mas o desejo escapa. Errância. Como sair do armário e levar consigo as pequenas fissuras enclausuradas para que elas construam alguma outra macrossexualidade? Para sair do armário, é preciso encontrar a etiologia desses delírios longe da família, longe do sexo humano – talvez longe de tudo menos daquilo que eles são: vontades de espalhamento. Voragens são vertigens – vertigens se cura, mas elas merecem um cuidado: não existe desejo seguro, não existe desejo que dispensa cuidado – sine cura. Tudo é curável, mas tudo é contagioso. Ninguém aprende a ser gay – ou hijra, ou goiabinha, ou pansexual – mas ninguém nasce sabendo. Há que se contar com os fluxos que passam por nós, eles são delírios e não batem continência para as legiões enfileiradas, as famílias respeitadas ou para os baluartes da sanidade.
A cada um seus sexos. De que armário você quer então sair? Homossexual? Polisexual? Metrosexual? Cibersexual? Subsexual? Dendrosexual? Hidrossexual? Pirosexual? Aerosexual? Geosexual? Annie Sprinkle and Elizabeth Stephens são ativistas da ecossexualidade. Elas trepam com aquilo que o Greenpeace quer que seja deixado em paz. Elas têm orgasmos com os elementos. Trepam nas árvores para trepar com elas e ensinam a gozar com gravetos, com correntezas do rio, com ventos súbitos, com mudanças de temperatura. Elas estão a serviço dos microtons sexuais. Sim, e a serviço da Pachamama, que elas não querem mãe, elas querem amante. Pega a pachamama, trisca na pele dela, roça a pachamama – a pachamama é feita de chão e feita de lagarto roçando em jaguar roçando em condor roçando em tartaruga. É amante e é deusa, deusa do roça-roça. Annie e Elizabeth são teosexuais. Devotas. Hereges. Elas fazem rituais que são orgias e insinuam que o sexo humano perdeu o contato com os elementos – virou uma clausura, um amontoado incestuoso: uma família. Perdemos o aberto, perdemos o sexo do início – das luzes e das trevas – do meio – do vento batendo no vão entre os dedos do pé e perdemos a pujança de colher os delírios no campo. Exorcizar o sexo não-humano foi também criar o trabalho, aquilo que é coisa tão humana a fazer com a natureza. Marx entendia que ver o sexo não-humano e a produção natural ia nos unir a um corpo inorgânico comum. Ecologia, ecologia queer. Catriona Mortimer-Sandilands escreve em favor de uma retomada das potências dos elementos em erotizar e em politizar a vida sexual das pessoas. O delírio com o não-humano é uma força política, uma força perturbadora da matriz cis-heterossexual já que coloca as partículas microsexuais para se acoplarem com outros corpos, com outras temperaturas, com outras formas. É como se ela apostasse: vá ao mato e teus desejos vão se embaralhar. Mas rale nos galhos tortos, mergulhe pelas cachoeiras sem pensar que as pedras têm as formas das tetas das mulheres, dos dorsos dos homens ou a temperatura da tua família: elas têm texturas de pedras. São outras. Outras.

O dispositivo de instaurar o sexo humano instaura o trabalho. Máquina antropológica. E o trabalho da manutenção dos corpos: comer. Não trepamos mais com as folhas, com a couve, com o tomate, mas digerimos estas carnes para nos manter. Mas a comida é quase uma torneira aberta para os fluxos microssexuais dos bastidores dos desejos sexuais – na comida eles ficam largados ao léu. Mesmo pensando na banana como uma trosoba, na uva como uma xana, há mais ali, há umas texturas indisciplinadas, uns cheiros não-alinhados. E elas atiçam. Elas têm uma sanha. Mesmo devoradas. Um fio solto no tear da máquina antropológica sexual: a comida, que precisa ser comida, conta com uns fragmentos de sexo não-humano. Ela é devoradora. La grande bouffe. Apenas algumas partículas dos elementos soltos, mas elas atordoam.

sabato 22 settembre 2012

à estação que chega

21 de setembro
Quando começava o encontro do curso de Manoel de Barros
e falávamos do guarda-chuva de D. H. Lawrence, de buca l´ombrello e do caos
Choveu.
Li poemas entre pulinhos, querendo pronunciar coisas sem nome.
Que saiba o blog e o mundo que chegou uma estação naquela hora.

Que ela me ajude a construir uma casa azul para cada entrelinha
e uma sarjeta pra acalentar as rimas ricas.

* Em Brasília a primeira chuva da primavera é um Rosh Hashanah, uma viragem, uma mudança de era.

Siga as ordens (Antler)

Esta tradução que fiz de Follow Orders de Antler, que eu pretendia usar na sessão de
hoje do curso sobre Manuel de Barros mas esqueci em um flash miniatura, foi usada na abertura de Desmonte a Carroceria e Fabrique a Primavera há algumas primaveras. Hoje a primavera chegou em grande estilo em Brasília (veja próxima postagem).

Arraste o arco-íris para o interrogatório.
Use chave de fendas nas núvens, se for necessário.
Prenda o vento por não ter destino certo.
Leve um lago para o quartel-general por protelar coisas importantes.
Condene a 30 anos de trabalhos forçados.
as flores que têm pétalas que tremem.
Transforme florestas tropicais em desertos.
Ponha desertos atrás das grades porque os poetas podem ver o mundo em um grão de areia.
Acuse as dunas de areia de se espalharem por toda parte.
Acuse os montes de neve de derreterem por toda parte.
Ordene que os pássaros se calem e ouçam a sua canção.
Investigue os flocos de neve até que eles se desfaçam em lágrimas.
Acuse uma banana de ser um banana.
Acuse um abacaxi de ser um abacaxi.
Acuse um pepino de ser pepino.
Reviste as mangas rosas por parecerem suspeitas.
Amordace os gafanhotos.
Arranque fora todo milímetro de solo.
que se recuse a ser coberto de asfalto.
Faça o rio São Francisco testemunhar contra o rio Amazonas.
Processe os processos naturais por serem indisciplinados.
Multe os raios e trovões por se estabelecerem sem licensa.
Multe a vista do alto dos arranha-céus por fazer as pessoas parecerem formigas.
Adverta os flamboiants que parem de chamar atenção.
Acuse as florestas cheias de folhas de esconderem drogas.
Amordace os elefantes porque eles bolinam seus narizes.
Faça um urso jurar sobre a Bíblia para far testemunho.
Bana a banana porque ela te lembra alguma coisa...
Substitua todas os reflexos da lua por lâmpadas de 100 watts
Abata o abacate, culpe o cupuaçu,
azucrine a azeitona, inquira o quiabo.
Ordene que o espaço entre as estrelas e o espaço entre as moléculas troquem de lugar.
Obrigue tartarugas a andar com placas rodoviárias.
Force os girassóis a pagarem sua conta de luz.
ou o sol será desconectado.
Obrigue os cavalos a fazerem cavalos-de-pau.
Mande que artifício e orifício sejam invertidos.
Ordene que os poemas fechem as portas e mudem para o nordeste
onde as palavras trabalham pela metade do que elas são pagas aqui.
Mostre o dedo para o vento porque ele é fresco.
Gesticule pelas florestas como você fez muito mais dinheiro do que todas as árvores.
Exiba para as montanhas que você ganhou mais que todas na bolsa de valores.
Diga à morte que você vai prender a sua respiração até que seu desejo seja atendido.
Sentencie as sombras das árvores a pena de morte por terem seduzido milhões de jovens.
Torture o oceano até que ele fale.
Faça miniatura das grandes árvores, domestique flores selvagens,
cubra-as todas de plástico, ponha os botões sobre fios de cobre.
Compre a água, compre a terra, compre o céu.
Venda a água, venda a terra, venda o céu.
Bata na noite porque ela é negra.
Cuspa no sol porque ele é amarelo.
Massacre o alvorecer porque ele é vermelho.
Faça gráficos sobre quantas formigas você consegue matar.
Faça emboscadas para as cachoeiras e mutile elas até que ninguém as reconheça.
Assassine o último beija-flor no seu tempo livre.
Contrate jagunços para aniquilar golfinhos e leões marinhos
enquanto você limpa as suas unhas.
Entre na sua limosine de muitos metros
jogue mil dólares
e grite ao motorista:
"Próximo universo, por favor."

venerdì 21 settembre 2012

Naturezinha tal como vai pra Darcynha

Bastaria à natureza um javali devorado por um leão?

Sim:

A natureza é grandona, balocha, pesada
Na verdade é uma massaroca melada
Cheia de lama, barro, areia e carrapixo
Não sabe o que fazer com o que a gente joga no lixo
Boba, gorda, chata – deixa tudo encharcado
Só tem lago, grama, nunca faz desenho animado


A natureza faz a gente passar calor
Morde, pica, arranha e faz murchar a pobre flor
Deixa que eu sue, que o sol me queime
Produz cigarra, grilo, mas nem um videogame
De repente bate um vento e me deixa com ranho
E todo dia me suja e eu tenho que tomar banho


Não:

A natureza é mansinha e é toda colorida
Faz meu gato ronronar, o cachorro dar lambida
Faz pitanga, manga, uva e banana
E quando está quente faz um vento que me abana
Faz ondinhas no mar e florzinhas no campo
E enche as noites de vagalume e pirilampo

A natureza faz praia e cachoeira
Parece que nunca perde tempo com besteira
Inventa sempre um bichinho bem divertido
E quando tá tudo em silêncio manda um zumbido
Faz grama, lama e galho pra brincar de pique
Moita pra se esconder, sombra pra piquenique

Esta versão infantil do "Bastaria à naturez um Javali devorado na África" sai na revista Darcy para crianças.

Caos em Poema (tradução tonta de Chaos in Poetry de D.H. Lawrence)

Perdi as contas de se isso já saiu no Buca. Deu origem ao blog:

O poema, eles dizem, é uma questão de palavras. E isto é verdade tal como a pintura é questão de tintas e o afresco questão de cores. Isto fica tão longe de toda a verdade que, dito assim por dizer, no início, no meio e no fim de uma prosa, que pode até soar ingênuo.
O poema é uma questão de palavras. Poema, um encadeamento de palavras em um gargalo, por um atalho, até um ato falho. Poema, uma inter-animação de imagens. Poema, uma sugestão arregalada de alguma idéia. O poema é todas estas coisas e ainda é mais. Dados todos estes ingredientes, você terá algo muito parecido com um poema, alguma coisa para a qual podemos talvez usar o velho nome de poesia. E a poesia, como um bric-a-brac, estará sempre na moda. Mas poema ainda é alguma outra coisa.
A qualidade essencial do poema é que ele faz um novo esforço de atenção e descobre um novo mundo dentro do mundo conhecido. As gentes, e também os bichos e as tulipas, todas vivem em um estranho e sempre rebelde caos. O caos que nós nos acostumamos a chamar de cosmos. O caos interno meio inefável do qual somos compostas chamamos consciência, e chamamos mente e chamamos civilização. Mas no fundo é caos iluminado por algumas visões, ou não-iluminado por algumas visões. Assim como o arco-íris que pode ou não se iluminar na tempestade. Como os arco-íris, as visões perecem.
Mas as gentes não podem viver no caos. Os bichos podem. Para o bicho, tudo é caos, há apenas um elemento aqui e ali que recorre. E assim fica o bicho contente – gente não. Gentes parecem precisar de se embrulhar em visões das coisas e construir para si uma casa cheia de formas aparentes e estabilidade. Neste terror do caos, as pessoas começam colocando um guarda-chuva entre elas e aquilo que elas vêem fosforescer e desaparecer por toda parte. Então elas pintam a parte debaixo do guarda-chuva com um firmamento. Então elas podem marchar, viver e morrer sob o guarda-chuva. Legado aos descendentes, o guarda-chuva se torna uma cúpula e alguns notam as vezes que alguma coisa saiu errada.
Debaixo do guarda-chuva que é guarda-caos, as pessoas gradualmente murcham. Aparece então a poeta, inimiga da convenção, e faz um furo no guarda-chuva; e uau, a súbita imagem do caos torna-se uma visão, uma janela para o sol. Mas depois de algum tempo, acostumadas a visão e não gostando tanto do genuíno pedaço de caos, as gentes de lugar comum arquitetam um simulacro da janela que abre para o caos e pintam o guarda-chuva com a imagem do guarda-chuva. Isto é, tornam-se acostumados a visão, passa a ser parte da decoração de casa. Então o guarda-chuva parece um firmamento brilhante com muitos aspectos. Mas, ah, é tudo simulacro, em inumeráveis matizes. Homero e Keats, anotados e com um glossário.
Esta é a história da nossa era. Alguém vê os titãs pelos selvagens ares de caos e o titã se torna para as gerações seguintes uma parede entre elas e o caos que elas deveriam ter herdado. As escolas, como as antologias, são máquinas de transformar pedaços de mundo e papel de parede. O céu selvagem saiu correndo e assobiando. Até isto já se tornou um grande guarda-chuva entre a humanidade e o céu de ar fresco; então se tornou um afresco pintado sob o qual as pessoas desbotam e ficam insatisfeitas. Até que uma outra poeta faça um furo até o caos aberto e cheio de vento.
Pelo menos nosso teto não nos engana mais – todo o talento de todas as eras humanas não nos fará atravessa-lo. Dante ou Leonardo, Beethoven ou Whitman: tudo pintado no teto. É como o são Francisco pregando para os pássaros em Assisi. Maravilhoso como ar e os pássaros e o caos das muitas coisas – até porque o afresco está desbotando... mas ainda assim, ficamos felizes de sair daquela igreja e entrar no caos natural.
Este é um momento para a humanidade: espiar o caos, voltar a ele. Enquanto servir o guarda-chuva, e os poetas fizerem furos nele, e a massa das pessoas possam ser gradualmente educadas para ter a visão daqueles furos; o que significa copiá-los bem para que pareça que o que foi visto está sendo visto e fazer a humanidade continuar se arremessando entre as paredes de sua parede pintada, estaremos completando a nossa consciência.
Wordsworth, por exemplo, em alegria fez um furo e viu a flor amarela. Até então as pessoas tinham visto apenas a flor desbotada sob a sombra do guarda-chuva. Com Wordsworth tiveram um impacto de caos. Desde então os jardins de primavera tem flores amarelas – pintamos sobre os furos.
E Shakespeare, uma maior alegria, fez o furo e viu as emoções e as turbulências das pessoas em caos por trás da idéia convencional e do guarda-chuva pintado das imagens morais. Mas agora a nossa cúpula está pintada densamente com Hamlets e Macbeths, as paredes laterais também, e a ordem fica fixa e completa. As pessoas não podem ser diferentes desta imagem. O caos ficou preso do lado de fora.
O guarda-chuva ficou tão grande, os remendos pintados tão firmes que os furos ficaram difíceis de serem feitos. Eles ficam parecendo ultrajes e não mais visões do ar fresco – devem ser assimilados ao resto de um só golpe.
Então o guarda-chuva fica absoluto. E então a ânsia por caos se torna nostalgia. E assim vai até que algum vento muito forte retalhe o guarda-chuva e deixe o que restar da humanidade no meio do caos – o caos fica aonde está não importa quantos guarda-chuvas acumulemos.
E as poetas, nesta encruzilhada? Elas revelam o desejo interior da humanidade – o desejo de caos, o medo do caos. O desejo de caos é o que faz os poemas respirarem – o medo do caos é a marcha das formas e das técnicas. O poema é feito de palavras, eles dizem. Eles sopram bolhas de som e imagem que logo explodem em anseio de caos. Mas quem está pronto para fazer apenas mostruários de poemas pode confeccionar bolhas brilhantes, sem ar de caos dentro, e que por isto permanecem até que as deixemos cair.


martedì 11 settembre 2012

Maria-Pelego-Preto (Manuel de Barros)

Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, ea abundante de pelos no pente
A gente pagava pra ver o fenômeno.
A moça cobria o rosto com um lençol branco e deixava pra fora só o pelego preto que se espalava até para cima do umbigo.
Era uma romaria chimite!
Na porta o pai entrevado recebendo as entradas...
Um senhor respeitável disse que aquilo era uma indignidade e um desrespeito às instituções da família e da Pátria!
Mas parece que era fome.

lunedì 10 settembre 2012

Instintos são traumas

Todo dia, às 3 da tarde, todos os indivíduos da Espécie
tinham aquela dor de barriga.
A dor fisgava a boca das tripas
e distinguia a Espécie de todas as outras que um espectro fosco
amontoava.
No início havia um monte com tesouras, cabelo e carne
com pontas de tesouras, perucas e lombo,
e, ainda assim,
nada era, nada desera.
Depois inventaram a esfera, a primeira,
e logo a mais distante
e inventaram o aspirador de pó.
Já estava tudo naquele monte, claro,
mas nos tempos imemoriais,
em que nada buscava a catedral,
não havia poeira.



venerdì 7 settembre 2012

Manhã da pátria

ela acordou com uma espingarda na mão
matava o que não fosse estranho
trair, trair, trair
era dia da pátria e josineide queria desertar
a espingarda atirava sem parar
nos vizinhos que iam para a igreja
nos vizinhos que lavavam os carros
no marido que sentava no sofá
póupava o marido que era sonâmbulo pela casa
poupava os vizinhos que olhavam a rua de dentro dos portões
poupava os que encostavam a testa nas paredes e os que se achavam deusas
o bom das deusas, ela pensava, é que elas não tem gênero
nem espécie, nem categoria, nem nome científico em latim
como aquele que deram para sua orquídia

fez um café bem preto, encheu o pão de manteiga
e parou