o sol faz companhia aos meus olhos
mas minha boca é solitária
ela não sabe como se abrir
onde está a tal palavra que ela ama agora?
que arde, que queima e que esquenta a língua
tento por o sol todo na boca
quatro horas de sol se pondo - isso serve pra o que está na janela
para as minhas quatro horas, não serve pra nada
minha boca fica entreaberta
encontro um poema na mosca às moscas no facebook da Leticia Sei Eu:
De joelhos não é maneira de ser livre
Levantando um copo vazio, pergunto silenciosamente
Todos meus destinos aceitarão aquele que sou eu
Então eu posso respirar ...
... Círculos que crescem e engolem pessoas completamente
Metade de suas vidas, dizem boa noite para esposas que nunca conhecerão
Uma mente cheia de perguntas, e um professor em minha alma
E por aí vai...
Não se aproxime ou terei que ir
Tal como a gravidade, são esses lugares que me puxam
Se alguma vez houve alguém para me manter em casa
Seria você...
Todos que encontro, em gaiolas que compraram
Eles pensam sobre mim e minha vida errante, mas eu sou o que eles nunca pensaram
Eu tenho a minha indignação, mas sou puro em todos os meus pensamentos.
Eu estou vivo...
Vento em meus cabelos, me sinto parte de todos os lugares
Sob meu ser, está uma estrada que desapareceu
Tarde da noite eu ouço as árvores, elas estão cantando com os mortos
No céu..
..
Deixe comigo que eu encontro um jeito de ser
Considere-me um satélite, sempre orbitando
Eu conhecia todas as regras, mas as regras não me conheciam
Com certeza...
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venerdì 23 dicembre 2011
mercoledì 21 dicembre 2011
Dariush sends a John Donne for the solstice
A Nocturnal upon St. Lucy's Day
By John Donne
'Tis the year's midnight, and it is the day's,
Lucy's, who scarce seven hours herself unmasks;
The sun is spent, and now his flasks
Send forth light squibs, no constant rays;
The world's whole sap is sunk;
The general balm th' hydroptic earth hath drunk,
Whither, as to the bed's feet, life is shrunk,
Dead and interr'd; yet all these seem to laugh,
Compar'd with me, who am their epitaph.
Study me then, you who shall lovers be
At the next world, that is, at the next spring;
For I am every dead thing,
In whom Love wrought new alchemy.
For his art did express
A quintessence even from nothingness,
From dull privations, and lean emptiness;
He ruin'd me, and I am re-begot
Of absence, darkness, death: things which are not.
All others, from all things, draw all that's good,
Life, soul, form, spirit, whence they being have;
I, by Love's limbec, am the grave
Of all that's nothing. Oft a flood
Have we two wept, and so
Drown'd the whole world, us two; oft did we grow
To be two chaoses, when we did show
Care to aught else; and often absences
Withdrew our souls, and made us carcasses.
But I am by her death (which word wrongs her)
Of the first nothing the elixir grown;
Were I a man, that I were one
I needs must know; I should prefer,
If I were any beast,
Some ends, some means; yea plants, yea stones detest,
And love; all, all some properties invest;
If I an ordinary nothing were,
As shadow, a light and body must be here.
But I am none; nor will my sun renew.
You lovers, for whose sake the lesser sun
At this time to the Goat is run
To fetch new lust, and give it you,
Enjoy your summer all;
Since she enjoys her long night's festival,
Let me prepare towards her, and let me call
This hour her vigil, and her eve, since this
Both the year's, and the day's deep midnight is.
pero cualquier noche puede salir el sol ...
http://www.youtube.com/watch?v=GaB8LbXXfFA
http://indymedia.org.uk/en/2011/12/490359.html
By John Donne
'Tis the year's midnight, and it is the day's,
Lucy's, who scarce seven hours herself unmasks;
The sun is spent, and now his flasks
Send forth light squibs, no constant rays;
The world's whole sap is sunk;
The general balm th' hydroptic earth hath drunk,
Whither, as to the bed's feet, life is shrunk,
Dead and interr'd; yet all these seem to laugh,
Compar'd with me, who am their epitaph.
Study me then, you who shall lovers be
At the next world, that is, at the next spring;
For I am every dead thing,
In whom Love wrought new alchemy.
For his art did express
A quintessence even from nothingness,
From dull privations, and lean emptiness;
He ruin'd me, and I am re-begot
Of absence, darkness, death: things which are not.
All others, from all things, draw all that's good,
Life, soul, form, spirit, whence they being have;
I, by Love's limbec, am the grave
Of all that's nothing. Oft a flood
Have we two wept, and so
Drown'd the whole world, us two; oft did we grow
To be two chaoses, when we did show
Care to aught else; and often absences
Withdrew our souls, and made us carcasses.
But I am by her death (which word wrongs her)
Of the first nothing the elixir grown;
Were I a man, that I were one
I needs must know; I should prefer,
If I were any beast,
Some ends, some means; yea plants, yea stones detest,
And love; all, all some properties invest;
If I an ordinary nothing were,
As shadow, a light and body must be here.
But I am none; nor will my sun renew.
You lovers, for whose sake the lesser sun
At this time to the Goat is run
To fetch new lust, and give it you,
Enjoy your summer all;
Since she enjoys her long night's festival,
Let me prepare towards her, and let me call
This hour her vigil, and her eve, since this
Both the year's, and the day's deep midnight is.
pero cualquier noche puede salir el sol ...
http://www.youtube.com/watch?v=GaB8LbXXfFA
http://indymedia.org.uk/en/2011/12/490359.html
martedì 20 dicembre 2011
Contagem
Por que falo tanto dos joelhos?
Ou vejo que eles são espelhos
Ou to esperando conselhos
(e essa coceira não passa...)
Ou vejo que eles são espelhos
Ou to esperando conselhos
(e essa coceira não passa...)
A substância do lado de fora
no meio do caminho tinha uma substância do lado de fora
avulsa
era um caminho entre o reflexo na bananeira na poça d'água atrofiada
e o concreto expandido
sem partes, sem interiores e feita da falta da pedra
daquela substância saiam saias, polens, copos de plástico e a proclastinação
quando eu vi, tomei um choque de dois pinos da tomada
grunhi em público e parece que relampejou
quando cheguei no portão do jardim de Mira Alves
enchi meu corpo de cascas de lichia
uma grande aventura humana me deixou com o joelho coçando
avulsa
era um caminho entre o reflexo na bananeira na poça d'água atrofiada
e o concreto expandido
sem partes, sem interiores e feita da falta da pedra
daquela substância saiam saias, polens, copos de plástico e a proclastinação
quando eu vi, tomei um choque de dois pinos da tomada
grunhi em público e parece que relampejou
quando cheguei no portão do jardim de Mira Alves
enchi meu corpo de cascas de lichia
uma grande aventura humana me deixou com o joelho coçando
mercoledì 14 dicembre 2011
Um Manoel de Barros anunciando meu curso no semestre que vem
No semestre que vem vou ensinar um curso de Idéias Filosóficas em Forma Literária nas sextas de noite em torno da obra de Manuel de Barros. Todo mundo é bem-vinda e para formalizar um convite, um Manuel de Barros:
Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada
do "O Guardador de Águas"
I
Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.
II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.
III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.
Baratas passeiam nas formas de bolo...
A casa tem um dono em letras.
Agora ele está pensando -
no silêncio Iíquido
com que as águas escurecem as pedras...
Um tordo avisou que é março.
IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!
V
Escrever nem uma coisa Nem outra -
A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.
VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.
VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.
IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.
domenica 4 dicembre 2011
Manda matéria
para Carol Barreiro e suadasequelas.blogspot.com
Minhas taras são volúveis,
mais rápidas que o movimento da carne
Minhas armas de guerra
são mais rápidas que o movimento das balas
Quero, quero, quero, já não quero
o exílio taciturno das minhas vontades
na costa de um positron, ou na crina de um quark
me deixaram assim ligeiro e microbiótico
é que quando a guerra é total ela parece paz
quando cada molécula de água borbulha a água fica parada
minha massa crítica epidérmica é um longo rio escorrendo
Para as mulheres, sou vadia
para os homens, sapatão
e a parafina do teu sémem
proclama a extinção de toda eminência
se não for essa matéria anônima
lustrosa e desavisada que te domina
proclamo eu, com meus hormônios saídos da órbita
vai, vai, vai ser inflamada por um conto de fadas
vai levar o corpo seduzido para dentro de uma alcova
secreta e vergonhosa a matéria ardendo
nos tomando pela mão,
pelo cu, pelas beiradas
- esconde de todo mundo que tu é carne
e põe tua carne na sapatilha.
Eu sou o instrumento da tua voragem,
eu te seduzo em público, te envergonho,
te ilumino por trás da peneira
gosto da insensata imensidão
tu doa
tu doa de ti o mais embrulhoso
engasgo, arroto, catarro
ato falho podre e preso
entre nossos ossos longos
fora da tua alçada
Anda pelo pavimento, menino
anda, encolhe, escolhe a via pública
com menos buraco - tua tarefa é desritmada
é de sonâmbulo, é de matança e é de amanhecer
eu sou a lenta acrobata de todos os poros
que já quebrou os próprios joelhos.
Minhas taras são volúveis,
mais rápidas que o movimento da carne
Minhas armas de guerra
são mais rápidas que o movimento das balas
Quero, quero, quero, já não quero
o exílio taciturno das minhas vontades
na costa de um positron, ou na crina de um quark
me deixaram assim ligeiro e microbiótico
é que quando a guerra é total ela parece paz
quando cada molécula de água borbulha a água fica parada
minha massa crítica epidérmica é um longo rio escorrendo
Para as mulheres, sou vadia
para os homens, sapatão
e a parafina do teu sémem
proclama a extinção de toda eminência
se não for essa matéria anônima
lustrosa e desavisada que te domina
proclamo eu, com meus hormônios saídos da órbita
vai, vai, vai ser inflamada por um conto de fadas
vai levar o corpo seduzido para dentro de uma alcova
secreta e vergonhosa a matéria ardendo
nos tomando pela mão,
pelo cu, pelas beiradas
- esconde de todo mundo que tu é carne
e põe tua carne na sapatilha.
Eu sou o instrumento da tua voragem,
eu te seduzo em público, te envergonho,
te ilumino por trás da peneira
gosto da insensata imensidão
tu doa
tu doa de ti o mais embrulhoso
engasgo, arroto, catarro
ato falho podre e preso
entre nossos ossos longos
fora da tua alçada
Anda pelo pavimento, menino
anda, encolhe, escolhe a via pública
com menos buraco - tua tarefa é desritmada
é de sonâmbulo, é de matança e é de amanhecer
eu sou a lenta acrobata de todos os poros
que já quebrou os próprios joelhos.
lunedì 28 novembre 2011
Voragem por viragem
Buca L'umbrello em tempos de prosa publica minha fala com ovos e Solange Tô Aberta no Transarte na sexta passada. Video em breve.
Voragem por viragem
Transarte, a nostalgia do desejo pelas águas turbulentas
Desejo é compulsão. Arte é convulsão. Se inspira, é conspiração. Pelo menos um bocadinho, um bocadinho de compulsão, de convulsão, de conspiração. Uma semente atirada ao vento – é como atirar ovos. Gosto de atirar ovos. Cada ovo é um ovo. Mesmo não sendo mais do que um ovo. Pequeno, descabido e todo fechado nele mesmo. Gosto de atiçar ovos. Gosto de ficar atiçando os ovos. Fazendo cócegas no futuro. O desejo é quando o futuro me faz cócegas. Me faz rachar as paredes de algum ovo. Creck por creck, triz por triz, eclosão. Eclodem pintos, flamingos, pelicanos, avestruzes, pássaros dodôs e combates, arruaças. É da natureza do que acontece eclodir alguma hora. Fica por um triz, fica por meio triz e aí, eclodem. Gosto de falar de uma tectônica subcutânea dos acontecimentos. Toda a geologia que, com suas camadas e camadas de articulações, registram a história das eclosões. É no meio desses vulcões que se produzem lavas. Lavas, como as dos ovos. É das lavas que saem as coisas, das dobras, das fricções. Os desejos vêm desta roça: uma camada que roça na outra, roça, roça, como uma Pachamama do roçado, como quem faz cócegas no ovo, como quem faz cócegas no futuro, montado pelas camadas de lava seca que formam a Terra. Uma Pachamama em que o calango roça o jabuti que roça onça que roça o sapo. E então salta alguma coisa. Uma tectônica subcutânea dos acontecimentos. É uma questão de sanhas. A sanha que convulsiona, que torna as coisas urgentes. A sanha não pode esperar, eclode urgências. Há gritos – e sussurros, urros, berros, vulcões, maremotos, fodas, convulsões – que não podem esperar. As sanhas tomam conta. Uma vez atribuí as sanhas ao poder de Shakti, a deusa das potências, das borbulhas e do germinal. Hoje prefiro ser mais politeu. Não cheiro Shakti nos ovos. Cheiro sanha. E mais sanha. E mais sanha. Os ovos – uma forma quase geométrica – e todos assanhados.
São as convulsões. As vezes pequenas, como um cisco infenso a fulgurâncias. Miudinho. Gosto das miudezas. Das pequenas exceções. Falam dos deuses grandes, tonitruantes, macrobióticos e seus infinitos poderes. Eu prefiro os hipermortais, os ínfimos que são infinitesimais e que são habitados por mortais ainda mais poderosos. Porque do pequeno sempre há o menor. Não são os imortais, mas os mais que mortais, os que estão sempre por morrer. Aqueles da vida curta, curtíssima – aqueles que tem tempo apenas para o ínfimo. São batalhões deles que fazem o exército dos desviados. Os que por serem hipermortais também são nano-heróis. Dizem que os filósofos nascem, pensam e morrem. Pois as sanhas elas nascem, eclodem e morrem. Cheias de outras sanhas. As miudezas não tem o poder dos grandes imortais, mas tem o poder dos infinitesimais. Epicuro falava das clinamens. As clinamens, as pequenas exceções. Uma clinamen é quando um grave sai da sua órbita, uma miudeza que faz eclodir. Um desvio. É o rabo da curva normal. Que venha uma clinamen. São os desvios que redirecionam as órbitas. Elas constroem o que há, e constroem também nadeiras. Porque as órbitas são arranjos, são feitas da mistura das forças – e dos desvios. Clinamen. Como um clitoris que desvia a cis-hetero-órbita do sexo que é jogo de armar. Meu clitoris, marca da minha autoginefilia compulsiva. Miudeza que eclode. No meio do caminho de Maria, a Virgem, havia um clitoris. No meio da órbita das famílias que fazem mais famílias e mais famílias – o sistema solar do Édipo caudilho – há uma clinamen, um desvio, um desejo recalcitrante. Aticem ele, assanhem ele. No meio da pedra tinha um caminho. O desejo recalcitrante. As sanhas são miúdas e hipermortais como as fúrias. Elas se medem com trizes, e por um triz eclodem.
Como os ovos. Com suas voragens: matança e amanhecer. Novo espatifado, ovo chocado. São muitos ovos. Eu adoro chacoalhar os ovos, chocar todos eles. Ovos. Novos. Minhas pequenas exceções. Minhas lavas. Meus futuros fazendo cosquinha. Meus pequenos deuses cheio de deusas, cheios de blasfêmias – gosto dos microdeuses, mortalíssimos, e gosto dos que nem criam, os deuses estéreis – aqueles que ficam por trás da casca do ovo tramando, confabulando, armando, se assanhando e que preferem não. Só atiçam. Porque te amo não nascerás. Os deuses abstêmios, e os que nem abreviam nada. São rascunhos. Não gosta de um rascunho? Daqueles que ficam pra sempre largados na gaveta. Aquilo que poderia ter sido e não foi. A coleção de Fedoras, planejadas, arquitetadas e que não foram. Fedoras de grama, de linfa, de cuspe, e que não foram. Fedoras invisíveis: fedoras de vidro. Imagine as genitálias de vidro. Uma pica de vidro. Pronta pra ser quebrada, em caquinhos. E, ainda assim, berrando: pinto, falo, danço! A pica de vidro berra. Eu sussurro: é que porque há sanhas dentro das sanhas e as deusas estão cheia de deuses, que tudo tem ovo. Cada transartimanha, cada vontade de sair do armário, cada borbulha, cada convulsão, cada vontade de não ter cabimento na casca montada para os desejos arruaceiros, é ovo. Eclode, eclode, eu sussurro.
Torço pelo ovo, pelo que há no ovo, ele não está previsto – tem uma casca na frente. Ele não abrevia nada. Heráclito, aquele obscuro filósofo que se perdeu incognito por milênios e milênios e se encontra desaparecido desde o bombardeio de Gaza de 2009, insistia nisso. Ou terá sido alguma das Heráclitas, já que ele teria sido transgênero e transnúmero... Seu fragmento 269a diz:
269a. Há quem possa ver o mundo em todos os grãos de areia – e gotas de água, e lufadas de ar, e chamas de fogo. Há um rascunho do mundo em cada gomo de tangerina. Mas o mundo não pode ser abreviado em parte alguma, nem numa coreografia de devires, nem numa estratégia de combate, nem numa coleção de ordenamentos e menos ainda em um princípio universal de todas as coisas. O mundo é inabreviável porque se soltarmos uma abreviatura no mato, ela roça mandioca, roça milho, roça vendavais. O açucar abrevia a água doce? Nunca a mesma água dissolve o açucar duas vezes...
Façam ovos, não façam abreviaturas. Façam rascunhos. Nem fiquem chocando os ovos, larguem eles pela selvageria dos dias. Vamos encher o planeta de ovos, ado-o-o-o-o-o-oro. No meio do caminho tinha... um ovo. E no meio da pedra tinha... um ovo. E eles vão germinar, eclodir, erodir a disposição concêntrica dos desejos. Não a terra dos nossos avós, a terra dos nossos netos que não nascerão... Não o desejo de levar tudo de volta para o seio da família, mas o desejo de dissolver. O ovo não acumula, ele eclode, larga a casca, se despreende. O ovo é a centrífuga dos futuros – da casca tudo o que sai se solta. No ovo não há o que traz de volta pro seio da família o desejo, o ensejo, a renda, a prenda, a merenda. Do ovo só se vai pra fora, não tem caminho de volta, não há deuses centrípetos, nada se acumula, tudo se despreende, se gasta, se esbanja na eclosão. É por isso que um ovo parece as vezes sem pé nem cabeça. Quando um flamingo sai da casca do ovo, não volta mais.
No ovo, no ovo cabe tudo, mas cabe tudo demais. Cabe o que não vai ter cabimento em outro lugar algum. O ovo é confabulação. Todo poder ao ovo. O ovo é trama. Um pedaço de futuro cercado de presente por todos os lados. Se bem que ovo também é passado remoto, retrofuturista. Tem gente que coloca um ovo antes de Colombo: Giuseppe Campuzano relata fielmente o travestismo do Perú antes dos espanhóis – a genitalia recreava e transitavam as pessoas por entre as bordas de gênero. Mudavam de cinta, mudavam de penugem, mudavam de pluma, entre gêneros. Nem macha, nem fêmeos. E os espanhóis chegaram com suas galinhas antes dos ovos: que ciscaram pelos Andes afora, cis, cis, cis, hetero, hetero, hetero, cis, cis, cis. Ah, que vontade de viragem, voragem. O desejo tem a nostalgia das águas turbulentas. Tem uma turba dentro dos ovos. E mesmo nas galinhas crescidas há ovos – peles impostas sobre pele, ursos costurados sobre braços, cobras sobre pernas, lagartos sobre falos. Uma pachamama: o mais profundo é a casca do ovo. Quem vê coração não vê cara, quem vê calcinha não vê genital. Porque ninguém pode medir a inflamabilidade dos corpos. Um corpo que arde. O ovo que choca. L'avenir est dans les oeufs. Clarice Lispector dedicou ao ovo a nação chinesa: O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Quando eu era antiga fui depositária do ovo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo. E ela diz: a galinha é o disfarce do ovo. É por isso que a galinha é assanhada. Eu largo o osso, mas não largo o ovo. Prefiro pisar em ovos.
Ovos. Contrabandeiem os ovos, deixem eles pelas estradas – os pequenos, os de codorna que deslizam como bolas de gude. Coloquem um ovo de codorna no ninho dos avestruzes, um ninho de cisne preto no ninho dos pelicanos. Insira um ovinho, um desejinho, um desvio, uma mutação. Um ovo do esquisito, choquem os ovos. À esquerda, mas esquisita: à esquizerda. Não é uma nova espécie, é a espécie que ainda pode vir, a gestação, a especiação, a trama assanhada dentro da bola branca. Meu ovo, plácido e explosivo. Bom de cheirar, bom de bolinar, com o cheiro do que ainda não há. Feito de prestes. E bom de tacar. Tacar ovos, tocar o terror. Há um terrorismo no novo. Uma profanação. Uma quebra de protocolo. Uma aliança com o erro: um errorismo. Pornoterrorismo. Pornoerrorismo. Uma pequena convulsão no meio da coreografia. Vira, vira, uma voragem, um ovo no sapato. O ovo, limpido, profano, com gosto de multidão. Quem disse que o ovo é um?
Voragem por viragem
Transarte, a nostalgia do desejo pelas águas turbulentas
Desejo é compulsão. Arte é convulsão. Se inspira, é conspiração. Pelo menos um bocadinho, um bocadinho de compulsão, de convulsão, de conspiração. Uma semente atirada ao vento – é como atirar ovos. Gosto de atirar ovos. Cada ovo é um ovo. Mesmo não sendo mais do que um ovo. Pequeno, descabido e todo fechado nele mesmo. Gosto de atiçar ovos. Gosto de ficar atiçando os ovos. Fazendo cócegas no futuro. O desejo é quando o futuro me faz cócegas. Me faz rachar as paredes de algum ovo. Creck por creck, triz por triz, eclosão. Eclodem pintos, flamingos, pelicanos, avestruzes, pássaros dodôs e combates, arruaças. É da natureza do que acontece eclodir alguma hora. Fica por um triz, fica por meio triz e aí, eclodem. Gosto de falar de uma tectônica subcutânea dos acontecimentos. Toda a geologia que, com suas camadas e camadas de articulações, registram a história das eclosões. É no meio desses vulcões que se produzem lavas. Lavas, como as dos ovos. É das lavas que saem as coisas, das dobras, das fricções. Os desejos vêm desta roça: uma camada que roça na outra, roça, roça, como uma Pachamama do roçado, como quem faz cócegas no ovo, como quem faz cócegas no futuro, montado pelas camadas de lava seca que formam a Terra. Uma Pachamama em que o calango roça o jabuti que roça onça que roça o sapo. E então salta alguma coisa. Uma tectônica subcutânea dos acontecimentos. É uma questão de sanhas. A sanha que convulsiona, que torna as coisas urgentes. A sanha não pode esperar, eclode urgências. Há gritos – e sussurros, urros, berros, vulcões, maremotos, fodas, convulsões – que não podem esperar. As sanhas tomam conta. Uma vez atribuí as sanhas ao poder de Shakti, a deusa das potências, das borbulhas e do germinal. Hoje prefiro ser mais politeu. Não cheiro Shakti nos ovos. Cheiro sanha. E mais sanha. E mais sanha. Os ovos – uma forma quase geométrica – e todos assanhados.
São as convulsões. As vezes pequenas, como um cisco infenso a fulgurâncias. Miudinho. Gosto das miudezas. Das pequenas exceções. Falam dos deuses grandes, tonitruantes, macrobióticos e seus infinitos poderes. Eu prefiro os hipermortais, os ínfimos que são infinitesimais e que são habitados por mortais ainda mais poderosos. Porque do pequeno sempre há o menor. Não são os imortais, mas os mais que mortais, os que estão sempre por morrer. Aqueles da vida curta, curtíssima – aqueles que tem tempo apenas para o ínfimo. São batalhões deles que fazem o exército dos desviados. Os que por serem hipermortais também são nano-heróis. Dizem que os filósofos nascem, pensam e morrem. Pois as sanhas elas nascem, eclodem e morrem. Cheias de outras sanhas. As miudezas não tem o poder dos grandes imortais, mas tem o poder dos infinitesimais. Epicuro falava das clinamens. As clinamens, as pequenas exceções. Uma clinamen é quando um grave sai da sua órbita, uma miudeza que faz eclodir. Um desvio. É o rabo da curva normal. Que venha uma clinamen. São os desvios que redirecionam as órbitas. Elas constroem o que há, e constroem também nadeiras. Porque as órbitas são arranjos, são feitas da mistura das forças – e dos desvios. Clinamen. Como um clitoris que desvia a cis-hetero-órbita do sexo que é jogo de armar. Meu clitoris, marca da minha autoginefilia compulsiva. Miudeza que eclode. No meio do caminho de Maria, a Virgem, havia um clitoris. No meio da órbita das famílias que fazem mais famílias e mais famílias – o sistema solar do Édipo caudilho – há uma clinamen, um desvio, um desejo recalcitrante. Aticem ele, assanhem ele. No meio da pedra tinha um caminho. O desejo recalcitrante. As sanhas são miúdas e hipermortais como as fúrias. Elas se medem com trizes, e por um triz eclodem.
Como os ovos. Com suas voragens: matança e amanhecer. Novo espatifado, ovo chocado. São muitos ovos. Eu adoro chacoalhar os ovos, chocar todos eles. Ovos. Novos. Minhas pequenas exceções. Minhas lavas. Meus futuros fazendo cosquinha. Meus pequenos deuses cheio de deusas, cheios de blasfêmias – gosto dos microdeuses, mortalíssimos, e gosto dos que nem criam, os deuses estéreis – aqueles que ficam por trás da casca do ovo tramando, confabulando, armando, se assanhando e que preferem não. Só atiçam. Porque te amo não nascerás. Os deuses abstêmios, e os que nem abreviam nada. São rascunhos. Não gosta de um rascunho? Daqueles que ficam pra sempre largados na gaveta. Aquilo que poderia ter sido e não foi. A coleção de Fedoras, planejadas, arquitetadas e que não foram. Fedoras de grama, de linfa, de cuspe, e que não foram. Fedoras invisíveis: fedoras de vidro. Imagine as genitálias de vidro. Uma pica de vidro. Pronta pra ser quebrada, em caquinhos. E, ainda assim, berrando: pinto, falo, danço! A pica de vidro berra. Eu sussurro: é que porque há sanhas dentro das sanhas e as deusas estão cheia de deuses, que tudo tem ovo. Cada transartimanha, cada vontade de sair do armário, cada borbulha, cada convulsão, cada vontade de não ter cabimento na casca montada para os desejos arruaceiros, é ovo. Eclode, eclode, eu sussurro.
Torço pelo ovo, pelo que há no ovo, ele não está previsto – tem uma casca na frente. Ele não abrevia nada. Heráclito, aquele obscuro filósofo que se perdeu incognito por milênios e milênios e se encontra desaparecido desde o bombardeio de Gaza de 2009, insistia nisso. Ou terá sido alguma das Heráclitas, já que ele teria sido transgênero e transnúmero... Seu fragmento 269a diz:
269a. Há quem possa ver o mundo em todos os grãos de areia – e gotas de água, e lufadas de ar, e chamas de fogo. Há um rascunho do mundo em cada gomo de tangerina. Mas o mundo não pode ser abreviado em parte alguma, nem numa coreografia de devires, nem numa estratégia de combate, nem numa coleção de ordenamentos e menos ainda em um princípio universal de todas as coisas. O mundo é inabreviável porque se soltarmos uma abreviatura no mato, ela roça mandioca, roça milho, roça vendavais. O açucar abrevia a água doce? Nunca a mesma água dissolve o açucar duas vezes...
Façam ovos, não façam abreviaturas. Façam rascunhos. Nem fiquem chocando os ovos, larguem eles pela selvageria dos dias. Vamos encher o planeta de ovos, ado-o-o-o-o-o-oro. No meio do caminho tinha... um ovo. E no meio da pedra tinha... um ovo. E eles vão germinar, eclodir, erodir a disposição concêntrica dos desejos. Não a terra dos nossos avós, a terra dos nossos netos que não nascerão... Não o desejo de levar tudo de volta para o seio da família, mas o desejo de dissolver. O ovo não acumula, ele eclode, larga a casca, se despreende. O ovo é a centrífuga dos futuros – da casca tudo o que sai se solta. No ovo não há o que traz de volta pro seio da família o desejo, o ensejo, a renda, a prenda, a merenda. Do ovo só se vai pra fora, não tem caminho de volta, não há deuses centrípetos, nada se acumula, tudo se despreende, se gasta, se esbanja na eclosão. É por isso que um ovo parece as vezes sem pé nem cabeça. Quando um flamingo sai da casca do ovo, não volta mais.
No ovo, no ovo cabe tudo, mas cabe tudo demais. Cabe o que não vai ter cabimento em outro lugar algum. O ovo é confabulação. Todo poder ao ovo. O ovo é trama. Um pedaço de futuro cercado de presente por todos os lados. Se bem que ovo também é passado remoto, retrofuturista. Tem gente que coloca um ovo antes de Colombo: Giuseppe Campuzano relata fielmente o travestismo do Perú antes dos espanhóis – a genitalia recreava e transitavam as pessoas por entre as bordas de gênero. Mudavam de cinta, mudavam de penugem, mudavam de pluma, entre gêneros. Nem macha, nem fêmeos. E os espanhóis chegaram com suas galinhas antes dos ovos: que ciscaram pelos Andes afora, cis, cis, cis, hetero, hetero, hetero, cis, cis, cis. Ah, que vontade de viragem, voragem. O desejo tem a nostalgia das águas turbulentas. Tem uma turba dentro dos ovos. E mesmo nas galinhas crescidas há ovos – peles impostas sobre pele, ursos costurados sobre braços, cobras sobre pernas, lagartos sobre falos. Uma pachamama: o mais profundo é a casca do ovo. Quem vê coração não vê cara, quem vê calcinha não vê genital. Porque ninguém pode medir a inflamabilidade dos corpos. Um corpo que arde. O ovo que choca. L'avenir est dans les oeufs. Clarice Lispector dedicou ao ovo a nação chinesa: O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Quando eu era antiga fui depositária do ovo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo. E ela diz: a galinha é o disfarce do ovo. É por isso que a galinha é assanhada. Eu largo o osso, mas não largo o ovo. Prefiro pisar em ovos.
Ovos. Contrabandeiem os ovos, deixem eles pelas estradas – os pequenos, os de codorna que deslizam como bolas de gude. Coloquem um ovo de codorna no ninho dos avestruzes, um ninho de cisne preto no ninho dos pelicanos. Insira um ovinho, um desejinho, um desvio, uma mutação. Um ovo do esquisito, choquem os ovos. À esquerda, mas esquisita: à esquizerda. Não é uma nova espécie, é a espécie que ainda pode vir, a gestação, a especiação, a trama assanhada dentro da bola branca. Meu ovo, plácido e explosivo. Bom de cheirar, bom de bolinar, com o cheiro do que ainda não há. Feito de prestes. E bom de tacar. Tacar ovos, tocar o terror. Há um terrorismo no novo. Uma profanação. Uma quebra de protocolo. Uma aliança com o erro: um errorismo. Pornoterrorismo. Pornoerrorismo. Uma pequena convulsão no meio da coreografia. Vira, vira, uma voragem, um ovo no sapato. O ovo, limpido, profano, com gosto de multidão. Quem disse que o ovo é um?
A coreografia dos bailarinos desengonçados
Buca L'Umbrello em tempos de prosa publica o texto que Carol Barreiro e eu falamos e dançamos no evento de videodança e filosofia no dia 24 de novembro.
Carol:
Ter uma obsessão filosófica definida e , dentro disto, mastigar e observaras condições favoráveis do nobre intuito conceitual planejado logicamente entre os universais definíveis.Ufa!!!!!! assim quase não há nervo que aguente, mais ar , mas há.
Eles são solitários enfermos de seus próprios abismos, recriando mundos solicitando tão pouco, somente o verbo, o verso estende demais a demasia neural, mas é verbo ruminado em diversas línguas através do nome conceito. Sobrevivendo em climas amenos, enxotando a família, o amor e até mesmo a luz solar, estes vampiros celibatários ardem eufóricos em cada descoberta minuciosa de seus programas enigmáticos, de seus arredores teóricos constituídos depois de tantas entradas, saídas, passadas.O olho experimenta a dosagem necessária de saber o mundo, através de tantos espasmos averiguáveis de sabores infrutíferos, a realidade não incita mais, mas o real daquele quarto pode abrir inferno posto ao nada, posto ao debater-se no si para si convocando universais.
Podemos dizer: trata-se de um nerd melancólico que escuta heavy metal.E é. E esse nerd melancólico ouvindo heavy metal, com vergonha de si e do mundo, atravancando sua coluna de tédio, imbecilidade e punhetas mal feitas chama-se Filosofia. Ok filosofia, você venceu. Nada de Safo, nada de safado na Filosofia, um saco cheio de sacos. Um saco, esse ar gelatinoso de tantos excrementos de tubos viscosos, sentido entrando e saindo, enroscando-se numa malemolência que supõe a velocidade, mas não há, há trocas de lugares de ovos mesmos favorecidos, e quando o rio acende o frio das verdades impostas pela situação, parecem voltarem-se para dentro de si, com a séria altivez rugosa de suas dobras de tantas experiências acumuladas. Para logo depois cederam longos ao menor conforto adequado e “quentinho” de suas meias inglesas engomadas cheirando à calêndula.
É tão óbvio inventar Deuses que não sabem dançar.
E destruir vasos inquebráveis alteram signos propostos, obviamente, mas o conteúdo explicitado no que não se vê perdura magnetico entre nós e todos. Abundância das conspirologias, desconfiados de todos o engasgo, menos neuróticos que os amigos anti-terrorismo pró amanciamento das trocas possíveis, onde um turbante vira alarme de perigo. Mas desconfiadas, adas de afiadas, de toda a falácia sóbria que vem sempre vindo. Pois, no maior dos perigos, caímos em brasa explêndida do incontido, enquanto o técnico que ter a técnica para ser um bom técnicodentro da técnica. É a necessidade de dizer o que? O que cansa e repete não é propriedade nossa. Óbvio que não é propriedade nossa , mesmo porque não queremos nem tratar o nerd melancôlico como propriedade e sim como nome próprio podendo ser contornado por antecendentes pré-nominais e sobrenomes de variações atípicas. Maas tudo bem, enquanto os técnicos querem propiedade, sentem-se na obrigação de extraditar termos, e vulgarizar o “ que é nosso” e o que se assemelha. Confluências de um pensar estético com o que há de alto valor no critério dos conceituáveis. Vem trazer a meleca imposta, enquanto Clarice Lispector vaga imprevista entre os cerebelos de delírio e desajuste, a eficácia culturalista a termifica como alienada, os salvacionistas-nacionalistas cultuados tratam de endireitá-la num ordem, numa lógica, numa linha existencialista de algum nazizta de plantão. De que adianta?? Diante do que faremos os impróprios serem eles não necessariamente Próprios, mas necessários e bem vindos, sem a caduquice de uma particularidade provida ela mesmo de uma justificativa, exigida e exigente essa norma de pensar.
A bope conceital te espanca quando o menos a sério te leva a pensar.
“Eros faz nosso pensamento revirar-se leve”
Safo
Quando vi os neurônios já se enroscavam nos dentritos e sinapses relampejaram-se em curto-circuito. É disso feito um pensamento? Não querida, averigue que todas as cláusulas previstas na imprevisibilidade do ser existente enquanto dado trata de fazer ontologia e não apenas mais um fantasminha ôntico recriado nesse teu bordado incoerente de situações. Ok, tentarei ser eu mesma a expeculação indigesta de atributos incomuns e comentarei com cara de rugas a cada esclarecimento propício a ordens fundamentais desse estado encaminhado a partir de agora, parido. Meta- entre-a -physis. Que longa a linguagem que sempre tenta dizer o inaudito, o que, bom , sabem os velhos de bigode fino a exalar seus perigos, “ o que não pode ser dito”. E legitimada a frase, legitimei-a, legitimaram por mim, posso, devo, conivente aos fatos acrobáticos desses impulsos desastrosos, pensar. Obrigado por mais uma derrota, me sinto vulgarmente estuprada por vossa excelência conceitual. Olhe para o lado e averigue: fracasso.
Nada, eu direi, o jogo ao nada. Permita-me a menor velociade compatível, onde andem ontem, gaguejando-se , falhei ei es mei , ex de extenso jorro, compartilhe a derrota de todos, onde esmirilhar-se estoando indivísiveis em trovoadas fontes. Ser de nada, ser de graça. Ser
A filosofia já usou decotes e deboches. Havia, pode ter certeza que havia, mas não importa a história mal contada, a inveja ancestral nem sabe do que inveja, a história sabe o que fazer esperar, a história não contorna o que hoje despedaçado não conflui. Antes lutas e demônios, alquimias e ritos, balbucios, ventres, carnificina, catástrofe, não, nos restaram conceitos, e uma hipótese que nem plausível é para os filósofos del falo, Diotima de Mantineia adverte Platão em uma frase, a filosofia do amor. . . . Saconde-se histéricos na cadeira os doutores que não pretendem dar a uma mulher a origem do pensamento Socrático, veja bem, não platônico, enquanto a nossa dionisíaca erosofia berra e grita nos seus um metro e meio de pura exaltação performativa e longa, louca, linda, berra entre as rugas tenebrosas que se fazem a cada vez que o falo é devastado de bruxaria, sim, devemos ouvir outras histórias, devíamos ver a filosofia de decote. E o nerd não conseguiu bater a punheta nesse dia. Não. O terror foi maior que o tesão.
“ Aquiles do devir-mulher e Pentesiléia do devir-cadela"
vol.4
ele pediu membros e deram escápulas, crápulas. Não digo aqueles vertiginosos ataques em que dobradiças podem fortemente se ramificar em músculos, mas a carne necessita de bons etômagos. Pensar é digerir as piores carcaças. Digerir osso, roer não ataca o ventre. Engolir a necessidade que chega, e sempre chega tudo se a disposição não teme, a etiqueta não vai bem com o desgosto pensar. Em que órbita ficamos prenhes ao ponto do vômito? A grandeza da ignorãncia eleva o conhecer ruminado antes do ato posto, a sobremesa deve ser esperada em períodos milenares de tanto osso. Ok, vcs venceram. Nada é tão importante como desvirginar a pouca glória ainda nem conhecida dos próprios medos, e te ataca o peito quando ousas elaborar alguma frase cientificamente não aceita. Não jogar o jogo revela preguiça, falta de vontade, embaraço, arrogância, marginalia empoçada de distância e desapego. Mas assim que tu aceita, dizendo mesmo assim ainda estar certo e senhor dos próprios predicados comestíveis na próxima citação bem feita, procurada minimamente entre os tantos livros que tu já comeu, releu, insistiu e viu que há suficiência lógica na tua loucura que vem não sei de onde, mas que chega, que consome, que pede carne, sangue e uma coração de sobremesa, o que foi dito já é dito e ouvido na mesmice exigente de tanta pasmaceira e gente de cara frouxa flácida e carrancuda que te olha e diz: mais um pouco de bizarras noções febris da realidade travestidas de moda do momento, produzir inconsciente não é fazer conceito. Então volte aos gregos. E voltemos às gregas, e de repente Castañeda surge como um cachorro e Lao-Tze treme embrionario sem querer dizer, uma carta de tarot de el decameron sugere “reconocer los derechos del compañero al orgasmo” , encontro com o palhaço suicída, outro dia foi o eclipse visto com cabeça na pedra, e tem gente por aí a morrer afogado, e como os lugares não mentem frente a revolução de praça ocupada, é forte o desespero e mais firme quando pode atuar de cara na gente, as mulheres se dizem vadias, os vagabundos inocentes, as crianças continuam a babar no travesseiro, o mundo caga pra dentro, casa em sargitário é nariz entupido na certa, as bruxas não mentem, quase mata uma capivara e na freada brusca a suruba por pouco não vira bolo de carne esturricada, e ainda volta no outro dia com Augusto dos Anjos a dizer : Eu, ele diz, outros poemas, e vocês ainda tem a indecência homérica de alguma lógica para preservar o teor virgem de um estilo de pensamento? Copular com o mundo senhores, é que não permite tal exagero. Antes arte do que filosofia, isso nóis já sabia desde cedo.
“Eros, de novo, que os membros deslassa, perturba-me:
doce e amargo, invencível monstro”
a valsa fálica da bailarina - solange
Hilan
Dizem que dançar é atiçar as dobras. É provocar as rachaduras. Balançar as articulações. É que por toda parte existem tectônicas. Vulcões. Terremotos prestes a eclodir. Todo corpo tem uma pele. E pele dobra, estica, dilata, arde, dissolve, distrai, lembra, contorna. Dançar é tentar inventar outras dobras. Dançar deve ser produzir um corpo desabotoado. Pensei assim, dançar: provocar desengonçamento. A elegância de um novo vulcanismo, não do vulcão disciplinado de todos os dias – o que abre a carteira, sacode os ombros, caminha sem cair, deita sem pular, trepa sem soluçar – o vulcão que já virou chão, mas o vulcão que perdeu o fio de meada entre a lei da natureza e a superfície da terra. É que a terra é que deve dançar. Acelera seu coração, abre fendas em larga extensão buscando alguma compensação e vive de flexível segurança, a terra se equilibra fazendo frases de dança. E todos os planetas que a rondam, eles rodam, rodam, rodam mas que fazem pequenos clinamens. Os pequenos desvios. Os epicuristas, estes contempladores dos deuses desengonçados, gostavam de olhar para quando as órbitas dão uma errada, quando os planetas ficam errantes, errôneos, erroristas. São microdanças, mas são para elas que há órbitas, sistemas solares, galáxias: para que em algum momento cada coisa saia do espaço que lhe cabe.
Uma vez escutei o Jerôme Bell falando: por que as pessoas vão ver tantas vezes o Lago dos Cisnes? Ele dizia, é porque os bailarinos tem uma maneira própria de errar. O momento do desengonçamento. O momento do desengonçamento é o momento da graça. Porque se não houver o momento da graça – que intervenham os deuses que criam outros precipícios – é melhor ficar contemplando os relógios de parede, ponteiros que balançam por anos no mesmo ritmo. Ou ouvir metrônomos. Os epicuristas não achavam que haviam relojoeiros perfeitos. A terra desengonça. É por isso que estamos sempre olhando as estrelas. No meio dos gestos ratos apinhados de ninharias há uma graça. Os bailarinos não são funcionários, mas os funcionários são bailarinos. É que quem dança, eu entendi, tem corpo – os corpos tem bordas e carregam clinamens. Mas os bailarinos não tem um corpo de bailarino – como os funcionários tem corpos de funcionários, as lavradoras tem corpo de lavradoras, os alcólatras tem corpos de alcólatras, os masoquistas tem corpos da masoquistas, as catadoras de coco tem corpo de catadoras de corpo, as putas tem corpo de putas, os ministros tem corpo de ministros, os pedintes tem corpo de pedintes e os empregados de telecentros tem corpos de empregados de telecentros. Os bailarinos estão em função das dobras invisíveis, não podem se dar ao luxo de ter um corpo... de bailarinos. Flexível segurança. Qualquer pedaço de corpo treinado vai fazer o pedaço parar de dançar. Cada pedaço de corpo desengonça e vira bailarino. O cotuvelo, o tornozelo, a clavícula, o rego, o grelho, a pica. [FILME] Os pedaços de corpos bailam mas de tanto bailar a mesma bailagem, podem parar de bailar: os desvios nas rotas, se forem repetidos, podem virar uma outra rota – é das clinamens que saem as novas órbitas. O desengonçamento – isso é, a graça – não tem órbita. Está fora da coreografia. [RELATO] Só um deus sem corpo poderia ser capaz de não dançar. Um deus perfeito é aquele que não desngonça. Que não carrega seu quinhão de matéria pra desafinar, pra desatinar, pra desarrumar. Os deuses invisíveis são as vezes bailarinos porque desengonçam na matéria etérea, na matéria sutil, na matéria de se desdobra sem ser vista. Mas desdobra, se arranha, coça, tem convulsões, é bolinada, eclode, porque toda matéria tem pele.
E se tem pele tem flor da pele. E desengonça. E se tem pele também, este texto dança. Também ele se contorce, se atrapalha, se avacalha, se atormenta. Perde a órbita. Tudo perde a órbita porque tudo perde a hora, perde o bonde, perde o rebolado. O pensamento que perdeu o rebolado tem graça, fica tentando se apoiar em sua flexível segurança fazendo frases de dança – ou então se torna um funcionário com corpo de funcionário, um filósofo com corpo de filósofo, um deus com corpo de deus sem corpo. Não acreditem em nas deusas sem corpo, mas sem corpo, que articulações poderiam ter movido toda esta parafernália – com que braços essa mônada esquisita coordenaria e animaria tudo isso? Deus tem graça porque perde o rebolado. Tem flores na pele. Pétalas na pele. Como Nataraja, pernas que se dobram, vírgulas pra todo lado, que se estica, se encolhe e anima seus arredores bolinando. Alinhado mas não simétrico, machucado mas em movimento. Ou como a Pachamama, dorso de sapo, ventre de onça, rabo de cobra, crina de condor. E seduz, seduz, seduz e conduz. Só quem tem o rebolado pode perdê-lo, como os anjos que vivem no sol, como os santos que vivem no céu, como os demônios que vivem no fogo. Deus é uma lagosta. Patas espraiadas, asas espraiadas, cordas espraiadas espalhadas para além do que deixamos de ver. E a falta de deus é uma viscosidade – aquela ausência que faz companhia na pele por todos os dias do ano. As deusas cadáveres, que fazem ganir. Ganir. Ganir. Ganir. Ganir. A voz desarrumada de uma garganta desengonçando. Porque há abismos na matéria.
Vou começar de um começo. Do primeiro passo de Balleckett. Pliê. Camier. Mercier. Ballet é o corpo, e o que é a alma? Beckett é a alma – ela também inacabada. Balleckett é o gesto desacabado, descomposto, desordenado, despedaçado, despreparado, desmiolado, desintegrado, dissimulado, desconectado e, de preferência, desabitado. É o gesto rato apinhado de cheiro de alecrim. Desfuncionado. Seu primeiro passo é um suspiro cortado ao meio. Balleckett é a condição humana com os cotovelos e joelhos em movimento. Somos todas inacabadas; somos todas nem começadas – nos tornamos todas beckettescas. Ballet é a alma. Beckett é a virilha. O ponto de partida de muitas felicidades humanas é uma conversa. O ponto de partida da conversa é uma substância beckettesca que existe em cada gengiva, em cada clavícula e em cada calcanhar. Ballet é calcanhar. Beckett fala pelos cotuvelos. Balleckett é a instituição do desengonçamento.
Entre o plágio e a referência existem apenas três pétalas de diferença.Vamos condenar a alguns anos de trabalho forçado estas pétalas que tremem: trabalho forçado pela construção de um mundo que seja 97% feito de água, fogo, terra, ar e aquela coisa macia com a qual se fazem entrelinhas dos textos de Beckett.
Não quero culpar a razão por nada, mas ela vai ter que se comportar por que eu não vou me comportar por ela: danço a suspeita vaga e indolente de que não tem sentido ter sentido. Improviso provisoriamente: não adio para o momento certo – o momento certo é o memento errado. E digo: deixem para as estrelas as luzes apagadas e nas formigas pisem com a ponta dos umbigos. Corpo é alma. Ballett é Beckett. Soltem estes grilhões coreografados. Ninguém nunca fez mais do que bailar becketts disfarçados. Arranquem os disfarces, saiam do chão com um plié, um elevé, um camier, um mercier.
Deixar o corpo sem saber o que bancar.
É que o corpo banca.
O corpo banca. Banca a pessoa, casada, fútil, cotidiana e tributável. O corpo banca nossas futilidades, nossos casamentos, nossas cotidianidades, nossos impostos. Banca o trabalho. E banca o trabalhador. Banca nossas órbitas fixas. E banca caixão.
Carol
A filososofia prenhe.
Quando a filosofia engravida de gravidade
entoando o grave de si mesma
grava seu gesto no mundo.
E um gesto para a filosofia que fala
fala , fala
fala, fala, fala
fala
é
o
silêncio
necessário
para que a dança aconteça.
Erosofia é a palavra muda, podendo ser música em desmesurado frênesi.
palavra
é
rabodelagartixa.
a gente consegue pensar sem.
Toda dança é erótica. Toda a dança avessa-se, posto que o orgão tende a ir para fora
o movimento de vômito
o movimento em coito
o movimento do olho
o movimento do cu
desacelera, surpreende
em corpo.
Battaile: el erotismo es uns desequilibrio proprio del ser que se questiona a si mesmo, conscientemente.
Um filósofo quando dança desengonça-se, pois que o costume dos dias o faz sentar-se na corcunda dos pensadores de plantão, ou de Platão. a postura do pensador de Rodin já previa a ergonomia das telas dos laptops, prótese necessária parece, hoje em dia, do pensar. Uma dança sem técnica é como uma filosofia sem conceito arrebenta os contornos da condição, buscando o impossível.. Por isso que o filósofo ama desengonçar-se na sua dança esquizofrênica, assim como o bailarino ama jogar com os conceitos na malemolência de sua inocência. O bailarino é o filósofo que pensa com as mãos, com os pés, com o ventre, com os ossos. O bailarino é o pensamento de Eros, porque ele não quer apenas conhecer a sabedoria, ele quer copular com ela, até sua morte .........se possível for. Eros, filha do Kaos, enigmática dança do mundo, baila entre as inconstâncias, encontra-se no desencontro de uma ordem imanente em acontecimento. Na sua ontologia só há o que faz em eterno vir a ser, sendo o que é. Exposto, o corpo decompõe-se, a imagem de sua própria dissolução é o resto que permeia o ato. O resto da fragilidade violenta do movimento, o resto de si se abre ao todo. Desperdício, desmesura, a natureza opera segundo as lei de uma produção por excesso, exercício de excessos, é a crueldade do suposto fim, crueldade do desejo, crueldade em abandonar-se e dizer sim a uma promessa de vida que é o erotismo.
Se há desejo, há dança.
Um corpo pornográfico, exaurido, exaltado, obsceno. Te disseram eufórica, histérica, puta, te calaram em nomes, te amordaçaram em idéias, te esvaziaram o sentido para haver somente consentimento. O ridículo disso tudo, nós sabemos, não cabe, pois no exato momento em que o corpo sacode-se, o impregnado do tudo que foi já não é, a dança é o baile do esquecimento. A memória dos teus músculos, endurecidos, atenuados, forçam o espaço ao desengonçamento. O pensamento é a força do agora, o pensamento flexível é o tendão da abertura, a fenda por onde escorre o líquido do teu prenhe auto-engendramento. Criar a si mesmo, não no ensimesmado ser em que há na lógica do teu fantasiado eu que finge estabelecer-se organizável, pressuposto, tu que sabe ser corpo. na pele que toca o teu avesso a dobra de um orgão involuntariamente se contrae, o pulso ritmado entra, o sangue corre em fluxo desesperado, debatendo-se nas paredes viscosas da veia, a pupila dilatada, excita-se em fundos, balbuciante em palato a língua gesticula a palavra que não existe, e o calor molha, estranho contexto, o calor procura exalar o SI, encharcando o póro em mútua penetração transbordada, derreter-se no espaço, em espaço ser.
La verguenza
A vergonha de si, sistema complexo do animal acuado, esconde-se do movimento.
E barrando-se no limite do possível ridículo, acaba parado inoperante, tendo o umbigo da humanidade contra si.
Porque A dança cai exatamente nessa acometido do ridículo
há um leve sorriso de quem não se leva a sério
podendo escapar.
; Discretos chocam nos cantos ;
mas que possa também no ridículo,
a queda do impressionável
ser impessoada.
E nesse instante impessualista, tens o ridículo no alcance do tato
no instante exato
no que ri de si,
dançando a vergonha
tudo pode ser considerado pelo avesso . Pina baush
Há um longo trajeto fisiológico entre as vértebras de um pensamento: a vergonha,prótese subjetiva, implante sanguinário. Onde havia desejo e apenas desejo, postulada foi a lei, onde havia desejo e apenas desejo, objetificado foi o encontro. E do falar que se fala faz, falando foi, feito o efeito de uma força de vergonha. Perceba: perante alguém indiciado por ser, estar ridículo, a vergonha é sempre dos outros, e não de quem se faz no momento do cometido. O bailarino é essa força despovoadora da ridicularidade alheia, o desequilíbrio que opera entre os termos é do âmbito do indizível, alfinetando as formas reconhecidas no aberto, onde vai a pisar em calçadas indiscerníveis, quem capta o ridículo como potencia e não como vergonha, jogando com o status quo....da paródia do gesto, ao infinito que lubrificado entra.
“ não sou um filósofo,mas talvez um santo, talvez um louco, mas que pensa da mesma maneira como uma menina tira a roupa. Na extremidade de seu movimento o pensamento é o impudor, a própria obscenidade.” bataille
Hilan
E o começo de que eu quero falar é o nascimento da erosofia. A erosofia nasceu de um bacanal em que a filosofia se transviou. Estava lá a literatura, estavam lá uns filmes, umas músicas e muitas musas. Ela é transnúmero, ela é como um átomo de multiplicidade, como o pequeno de Anaxágoras: sempre há um menor e um menor do menor habitando nela. Ela é transgênero, e é transnúmero. A erosofia teria nascido de um parto de Clara Acker. E foi erótica a parteira já que como diz Audre Lorde, o erótico é a parteira dos conhecimentos mais íntimos. É Eros que faz surgir, já que ele é brotoejo do que brota. Mas conta Monica Udler, uma Hesíoda anancestral, que a erosofia é filha da mãe literatura germinada pelo pai filosofia. Herdou uns tiques do pai, a mania de pensar, e umas manias da mãe pela insinuação, pelos umbrais, pela meia-luz. Monica não conta do bacanal. Não conta que dançavam entre a filosofia e a literatura milhares de musas. Podemos imaginar a filosofia naquele bacanal. Cheia dos gêneros, cheia das genitálias, cheia de amigos.. Ela já com suas sobrinhas, netas, bisnetas, garbosas e todas desviadas dos seus caminhos. Estava lá a pornosofia que passou a vida contemplando as formas da sabedoria com uma tara sem controle, estava a agapesofia que passava as tardes servindo chá e dando banhos na sabedoria e estava lá também a matriarca, altiva e sempre distante, a Sofia, a sabedoria.
Segue o texto da Monica Udler, etc
O Nascimento da Erosofia: bem, são muitos os nascimentos, ela está sempre nascendo e se preparando para o nascimento, como a filosofia está sempre morrendo e se preparando para a morte.
Pesquisadores convergem para uma data: 24 de novembro de 2011.
Carol:
Ter uma obsessão filosófica definida e , dentro disto, mastigar e observaras condições favoráveis do nobre intuito conceitual planejado logicamente entre os universais definíveis.Ufa!!!!!! assim quase não há nervo que aguente, mais ar , mas há.
Eles são solitários enfermos de seus próprios abismos, recriando mundos solicitando tão pouco, somente o verbo, o verso estende demais a demasia neural, mas é verbo ruminado em diversas línguas através do nome conceito. Sobrevivendo em climas amenos, enxotando a família, o amor e até mesmo a luz solar, estes vampiros celibatários ardem eufóricos em cada descoberta minuciosa de seus programas enigmáticos, de seus arredores teóricos constituídos depois de tantas entradas, saídas, passadas.O olho experimenta a dosagem necessária de saber o mundo, através de tantos espasmos averiguáveis de sabores infrutíferos, a realidade não incita mais, mas o real daquele quarto pode abrir inferno posto ao nada, posto ao debater-se no si para si convocando universais.
Podemos dizer: trata-se de um nerd melancólico que escuta heavy metal.E é. E esse nerd melancólico ouvindo heavy metal, com vergonha de si e do mundo, atravancando sua coluna de tédio, imbecilidade e punhetas mal feitas chama-se Filosofia. Ok filosofia, você venceu. Nada de Safo, nada de safado na Filosofia, um saco cheio de sacos. Um saco, esse ar gelatinoso de tantos excrementos de tubos viscosos, sentido entrando e saindo, enroscando-se numa malemolência que supõe a velocidade, mas não há, há trocas de lugares de ovos mesmos favorecidos, e quando o rio acende o frio das verdades impostas pela situação, parecem voltarem-se para dentro de si, com a séria altivez rugosa de suas dobras de tantas experiências acumuladas. Para logo depois cederam longos ao menor conforto adequado e “quentinho” de suas meias inglesas engomadas cheirando à calêndula.
É tão óbvio inventar Deuses que não sabem dançar.
E destruir vasos inquebráveis alteram signos propostos, obviamente, mas o conteúdo explicitado no que não se vê perdura magnetico entre nós e todos. Abundância das conspirologias, desconfiados de todos o engasgo, menos neuróticos que os amigos anti-terrorismo pró amanciamento das trocas possíveis, onde um turbante vira alarme de perigo. Mas desconfiadas, adas de afiadas, de toda a falácia sóbria que vem sempre vindo. Pois, no maior dos perigos, caímos em brasa explêndida do incontido, enquanto o técnico que ter a técnica para ser um bom técnicodentro da técnica. É a necessidade de dizer o que? O que cansa e repete não é propriedade nossa. Óbvio que não é propriedade nossa , mesmo porque não queremos nem tratar o nerd melancôlico como propriedade e sim como nome próprio podendo ser contornado por antecendentes pré-nominais e sobrenomes de variações atípicas. Maas tudo bem, enquanto os técnicos querem propiedade, sentem-se na obrigação de extraditar termos, e vulgarizar o “ que é nosso” e o que se assemelha. Confluências de um pensar estético com o que há de alto valor no critério dos conceituáveis. Vem trazer a meleca imposta, enquanto Clarice Lispector vaga imprevista entre os cerebelos de delírio e desajuste, a eficácia culturalista a termifica como alienada, os salvacionistas-nacionalistas cultuados tratam de endireitá-la num ordem, numa lógica, numa linha existencialista de algum nazizta de plantão. De que adianta?? Diante do que faremos os impróprios serem eles não necessariamente Próprios, mas necessários e bem vindos, sem a caduquice de uma particularidade provida ela mesmo de uma justificativa, exigida e exigente essa norma de pensar.
A bope conceital te espanca quando o menos a sério te leva a pensar.
“Eros faz nosso pensamento revirar-se leve”
Safo
Quando vi os neurônios já se enroscavam nos dentritos e sinapses relampejaram-se em curto-circuito. É disso feito um pensamento? Não querida, averigue que todas as cláusulas previstas na imprevisibilidade do ser existente enquanto dado trata de fazer ontologia e não apenas mais um fantasminha ôntico recriado nesse teu bordado incoerente de situações. Ok, tentarei ser eu mesma a expeculação indigesta de atributos incomuns e comentarei com cara de rugas a cada esclarecimento propício a ordens fundamentais desse estado encaminhado a partir de agora, parido. Meta- entre-a -physis. Que longa a linguagem que sempre tenta dizer o inaudito, o que, bom , sabem os velhos de bigode fino a exalar seus perigos, “ o que não pode ser dito”. E legitimada a frase, legitimei-a, legitimaram por mim, posso, devo, conivente aos fatos acrobáticos desses impulsos desastrosos, pensar. Obrigado por mais uma derrota, me sinto vulgarmente estuprada por vossa excelência conceitual. Olhe para o lado e averigue: fracasso.
Nada, eu direi, o jogo ao nada. Permita-me a menor velociade compatível, onde andem ontem, gaguejando-se , falhei ei es mei , ex de extenso jorro, compartilhe a derrota de todos, onde esmirilhar-se estoando indivísiveis em trovoadas fontes. Ser de nada, ser de graça. Ser
A filosofia já usou decotes e deboches. Havia, pode ter certeza que havia, mas não importa a história mal contada, a inveja ancestral nem sabe do que inveja, a história sabe o que fazer esperar, a história não contorna o que hoje despedaçado não conflui. Antes lutas e demônios, alquimias e ritos, balbucios, ventres, carnificina, catástrofe, não, nos restaram conceitos, e uma hipótese que nem plausível é para os filósofos del falo, Diotima de Mantineia adverte Platão em uma frase, a filosofia do amor. . . . Saconde-se histéricos na cadeira os doutores que não pretendem dar a uma mulher a origem do pensamento Socrático, veja bem, não platônico, enquanto a nossa dionisíaca erosofia berra e grita nos seus um metro e meio de pura exaltação performativa e longa, louca, linda, berra entre as rugas tenebrosas que se fazem a cada vez que o falo é devastado de bruxaria, sim, devemos ouvir outras histórias, devíamos ver a filosofia de decote. E o nerd não conseguiu bater a punheta nesse dia. Não. O terror foi maior que o tesão.
“ Aquiles do devir-mulher e Pentesiléia do devir-cadela"
vol.4
ele pediu membros e deram escápulas, crápulas. Não digo aqueles vertiginosos ataques em que dobradiças podem fortemente se ramificar em músculos, mas a carne necessita de bons etômagos. Pensar é digerir as piores carcaças. Digerir osso, roer não ataca o ventre. Engolir a necessidade que chega, e sempre chega tudo se a disposição não teme, a etiqueta não vai bem com o desgosto pensar. Em que órbita ficamos prenhes ao ponto do vômito? A grandeza da ignorãncia eleva o conhecer ruminado antes do ato posto, a sobremesa deve ser esperada em períodos milenares de tanto osso. Ok, vcs venceram. Nada é tão importante como desvirginar a pouca glória ainda nem conhecida dos próprios medos, e te ataca o peito quando ousas elaborar alguma frase cientificamente não aceita. Não jogar o jogo revela preguiça, falta de vontade, embaraço, arrogância, marginalia empoçada de distância e desapego. Mas assim que tu aceita, dizendo mesmo assim ainda estar certo e senhor dos próprios predicados comestíveis na próxima citação bem feita, procurada minimamente entre os tantos livros que tu já comeu, releu, insistiu e viu que há suficiência lógica na tua loucura que vem não sei de onde, mas que chega, que consome, que pede carne, sangue e uma coração de sobremesa, o que foi dito já é dito e ouvido na mesmice exigente de tanta pasmaceira e gente de cara frouxa flácida e carrancuda que te olha e diz: mais um pouco de bizarras noções febris da realidade travestidas de moda do momento, produzir inconsciente não é fazer conceito. Então volte aos gregos. E voltemos às gregas, e de repente Castañeda surge como um cachorro e Lao-Tze treme embrionario sem querer dizer, uma carta de tarot de el decameron sugere “reconocer los derechos del compañero al orgasmo” , encontro com o palhaço suicída, outro dia foi o eclipse visto com cabeça na pedra, e tem gente por aí a morrer afogado, e como os lugares não mentem frente a revolução de praça ocupada, é forte o desespero e mais firme quando pode atuar de cara na gente, as mulheres se dizem vadias, os vagabundos inocentes, as crianças continuam a babar no travesseiro, o mundo caga pra dentro, casa em sargitário é nariz entupido na certa, as bruxas não mentem, quase mata uma capivara e na freada brusca a suruba por pouco não vira bolo de carne esturricada, e ainda volta no outro dia com Augusto dos Anjos a dizer : Eu, ele diz, outros poemas, e vocês ainda tem a indecência homérica de alguma lógica para preservar o teor virgem de um estilo de pensamento? Copular com o mundo senhores, é que não permite tal exagero. Antes arte do que filosofia, isso nóis já sabia desde cedo.
“Eros, de novo, que os membros deslassa, perturba-me:
doce e amargo, invencível monstro”
a valsa fálica da bailarina - solange
Hilan
Dizem que dançar é atiçar as dobras. É provocar as rachaduras. Balançar as articulações. É que por toda parte existem tectônicas. Vulcões. Terremotos prestes a eclodir. Todo corpo tem uma pele. E pele dobra, estica, dilata, arde, dissolve, distrai, lembra, contorna. Dançar é tentar inventar outras dobras. Dançar deve ser produzir um corpo desabotoado. Pensei assim, dançar: provocar desengonçamento. A elegância de um novo vulcanismo, não do vulcão disciplinado de todos os dias – o que abre a carteira, sacode os ombros, caminha sem cair, deita sem pular, trepa sem soluçar – o vulcão que já virou chão, mas o vulcão que perdeu o fio de meada entre a lei da natureza e a superfície da terra. É que a terra é que deve dançar. Acelera seu coração, abre fendas em larga extensão buscando alguma compensação e vive de flexível segurança, a terra se equilibra fazendo frases de dança. E todos os planetas que a rondam, eles rodam, rodam, rodam mas que fazem pequenos clinamens. Os pequenos desvios. Os epicuristas, estes contempladores dos deuses desengonçados, gostavam de olhar para quando as órbitas dão uma errada, quando os planetas ficam errantes, errôneos, erroristas. São microdanças, mas são para elas que há órbitas, sistemas solares, galáxias: para que em algum momento cada coisa saia do espaço que lhe cabe.
Uma vez escutei o Jerôme Bell falando: por que as pessoas vão ver tantas vezes o Lago dos Cisnes? Ele dizia, é porque os bailarinos tem uma maneira própria de errar. O momento do desengonçamento. O momento do desengonçamento é o momento da graça. Porque se não houver o momento da graça – que intervenham os deuses que criam outros precipícios – é melhor ficar contemplando os relógios de parede, ponteiros que balançam por anos no mesmo ritmo. Ou ouvir metrônomos. Os epicuristas não achavam que haviam relojoeiros perfeitos. A terra desengonça. É por isso que estamos sempre olhando as estrelas. No meio dos gestos ratos apinhados de ninharias há uma graça. Os bailarinos não são funcionários, mas os funcionários são bailarinos. É que quem dança, eu entendi, tem corpo – os corpos tem bordas e carregam clinamens. Mas os bailarinos não tem um corpo de bailarino – como os funcionários tem corpos de funcionários, as lavradoras tem corpo de lavradoras, os alcólatras tem corpos de alcólatras, os masoquistas tem corpos da masoquistas, as catadoras de coco tem corpo de catadoras de corpo, as putas tem corpo de putas, os ministros tem corpo de ministros, os pedintes tem corpo de pedintes e os empregados de telecentros tem corpos de empregados de telecentros. Os bailarinos estão em função das dobras invisíveis, não podem se dar ao luxo de ter um corpo... de bailarinos. Flexível segurança. Qualquer pedaço de corpo treinado vai fazer o pedaço parar de dançar. Cada pedaço de corpo desengonça e vira bailarino. O cotuvelo, o tornozelo, a clavícula, o rego, o grelho, a pica. [FILME] Os pedaços de corpos bailam mas de tanto bailar a mesma bailagem, podem parar de bailar: os desvios nas rotas, se forem repetidos, podem virar uma outra rota – é das clinamens que saem as novas órbitas. O desengonçamento – isso é, a graça – não tem órbita. Está fora da coreografia. [RELATO] Só um deus sem corpo poderia ser capaz de não dançar. Um deus perfeito é aquele que não desngonça. Que não carrega seu quinhão de matéria pra desafinar, pra desatinar, pra desarrumar. Os deuses invisíveis são as vezes bailarinos porque desengonçam na matéria etérea, na matéria sutil, na matéria de se desdobra sem ser vista. Mas desdobra, se arranha, coça, tem convulsões, é bolinada, eclode, porque toda matéria tem pele.
E se tem pele tem flor da pele. E desengonça. E se tem pele também, este texto dança. Também ele se contorce, se atrapalha, se avacalha, se atormenta. Perde a órbita. Tudo perde a órbita porque tudo perde a hora, perde o bonde, perde o rebolado. O pensamento que perdeu o rebolado tem graça, fica tentando se apoiar em sua flexível segurança fazendo frases de dança – ou então se torna um funcionário com corpo de funcionário, um filósofo com corpo de filósofo, um deus com corpo de deus sem corpo. Não acreditem em nas deusas sem corpo, mas sem corpo, que articulações poderiam ter movido toda esta parafernália – com que braços essa mônada esquisita coordenaria e animaria tudo isso? Deus tem graça porque perde o rebolado. Tem flores na pele. Pétalas na pele. Como Nataraja, pernas que se dobram, vírgulas pra todo lado, que se estica, se encolhe e anima seus arredores bolinando. Alinhado mas não simétrico, machucado mas em movimento. Ou como a Pachamama, dorso de sapo, ventre de onça, rabo de cobra, crina de condor. E seduz, seduz, seduz e conduz. Só quem tem o rebolado pode perdê-lo, como os anjos que vivem no sol, como os santos que vivem no céu, como os demônios que vivem no fogo. Deus é uma lagosta. Patas espraiadas, asas espraiadas, cordas espraiadas espalhadas para além do que deixamos de ver. E a falta de deus é uma viscosidade – aquela ausência que faz companhia na pele por todos os dias do ano. As deusas cadáveres, que fazem ganir. Ganir. Ganir. Ganir. Ganir. A voz desarrumada de uma garganta desengonçando. Porque há abismos na matéria.
Vou começar de um começo. Do primeiro passo de Balleckett. Pliê. Camier. Mercier. Ballet é o corpo, e o que é a alma? Beckett é a alma – ela também inacabada. Balleckett é o gesto desacabado, descomposto, desordenado, despedaçado, despreparado, desmiolado, desintegrado, dissimulado, desconectado e, de preferência, desabitado. É o gesto rato apinhado de cheiro de alecrim. Desfuncionado. Seu primeiro passo é um suspiro cortado ao meio. Balleckett é a condição humana com os cotovelos e joelhos em movimento. Somos todas inacabadas; somos todas nem começadas – nos tornamos todas beckettescas. Ballet é a alma. Beckett é a virilha. O ponto de partida de muitas felicidades humanas é uma conversa. O ponto de partida da conversa é uma substância beckettesca que existe em cada gengiva, em cada clavícula e em cada calcanhar. Ballet é calcanhar. Beckett fala pelos cotuvelos. Balleckett é a instituição do desengonçamento.
Entre o plágio e a referência existem apenas três pétalas de diferença.Vamos condenar a alguns anos de trabalho forçado estas pétalas que tremem: trabalho forçado pela construção de um mundo que seja 97% feito de água, fogo, terra, ar e aquela coisa macia com a qual se fazem entrelinhas dos textos de Beckett.
Não quero culpar a razão por nada, mas ela vai ter que se comportar por que eu não vou me comportar por ela: danço a suspeita vaga e indolente de que não tem sentido ter sentido. Improviso provisoriamente: não adio para o momento certo – o momento certo é o memento errado. E digo: deixem para as estrelas as luzes apagadas e nas formigas pisem com a ponta dos umbigos. Corpo é alma. Ballett é Beckett. Soltem estes grilhões coreografados. Ninguém nunca fez mais do que bailar becketts disfarçados. Arranquem os disfarces, saiam do chão com um plié, um elevé, um camier, um mercier.
Deixar o corpo sem saber o que bancar.
É que o corpo banca.
O corpo banca. Banca a pessoa, casada, fútil, cotidiana e tributável. O corpo banca nossas futilidades, nossos casamentos, nossas cotidianidades, nossos impostos. Banca o trabalho. E banca o trabalhador. Banca nossas órbitas fixas. E banca caixão.
Carol
A filososofia prenhe.
Quando a filosofia engravida de gravidade
entoando o grave de si mesma
grava seu gesto no mundo.
E um gesto para a filosofia que fala
fala , fala
fala, fala, fala
fala
é
o
silêncio
necessário
para que a dança aconteça.
Erosofia é a palavra muda, podendo ser música em desmesurado frênesi.
palavra
é
rabodelagartixa.
a gente consegue pensar sem.
Toda dança é erótica. Toda a dança avessa-se, posto que o orgão tende a ir para fora
o movimento de vômito
o movimento em coito
o movimento do olho
o movimento do cu
desacelera, surpreende
em corpo.
Battaile: el erotismo es uns desequilibrio proprio del ser que se questiona a si mesmo, conscientemente.
Um filósofo quando dança desengonça-se, pois que o costume dos dias o faz sentar-se na corcunda dos pensadores de plantão, ou de Platão. a postura do pensador de Rodin já previa a ergonomia das telas dos laptops, prótese necessária parece, hoje em dia, do pensar. Uma dança sem técnica é como uma filosofia sem conceito arrebenta os contornos da condição, buscando o impossível.. Por isso que o filósofo ama desengonçar-se na sua dança esquizofrênica, assim como o bailarino ama jogar com os conceitos na malemolência de sua inocência. O bailarino é o filósofo que pensa com as mãos, com os pés, com o ventre, com os ossos. O bailarino é o pensamento de Eros, porque ele não quer apenas conhecer a sabedoria, ele quer copular com ela, até sua morte .........se possível for. Eros, filha do Kaos, enigmática dança do mundo, baila entre as inconstâncias, encontra-se no desencontro de uma ordem imanente em acontecimento. Na sua ontologia só há o que faz em eterno vir a ser, sendo o que é. Exposto, o corpo decompõe-se, a imagem de sua própria dissolução é o resto que permeia o ato. O resto da fragilidade violenta do movimento, o resto de si se abre ao todo. Desperdício, desmesura, a natureza opera segundo as lei de uma produção por excesso, exercício de excessos, é a crueldade do suposto fim, crueldade do desejo, crueldade em abandonar-se e dizer sim a uma promessa de vida que é o erotismo.
Se há desejo, há dança.
Um corpo pornográfico, exaurido, exaltado, obsceno. Te disseram eufórica, histérica, puta, te calaram em nomes, te amordaçaram em idéias, te esvaziaram o sentido para haver somente consentimento. O ridículo disso tudo, nós sabemos, não cabe, pois no exato momento em que o corpo sacode-se, o impregnado do tudo que foi já não é, a dança é o baile do esquecimento. A memória dos teus músculos, endurecidos, atenuados, forçam o espaço ao desengonçamento. O pensamento é a força do agora, o pensamento flexível é o tendão da abertura, a fenda por onde escorre o líquido do teu prenhe auto-engendramento. Criar a si mesmo, não no ensimesmado ser em que há na lógica do teu fantasiado eu que finge estabelecer-se organizável, pressuposto, tu que sabe ser corpo. na pele que toca o teu avesso a dobra de um orgão involuntariamente se contrae, o pulso ritmado entra, o sangue corre em fluxo desesperado, debatendo-se nas paredes viscosas da veia, a pupila dilatada, excita-se em fundos, balbuciante em palato a língua gesticula a palavra que não existe, e o calor molha, estranho contexto, o calor procura exalar o SI, encharcando o póro em mútua penetração transbordada, derreter-se no espaço, em espaço ser.
La verguenza
A vergonha de si, sistema complexo do animal acuado, esconde-se do movimento.
E barrando-se no limite do possível ridículo, acaba parado inoperante, tendo o umbigo da humanidade contra si.
Porque A dança cai exatamente nessa acometido do ridículo
há um leve sorriso de quem não se leva a sério
podendo escapar.
; Discretos chocam nos cantos ;
mas que possa também no ridículo,
a queda do impressionável
ser impessoada.
E nesse instante impessualista, tens o ridículo no alcance do tato
no instante exato
no que ri de si,
dançando a vergonha
tudo pode ser considerado pelo avesso . Pina baush
Há um longo trajeto fisiológico entre as vértebras de um pensamento: a vergonha,prótese subjetiva, implante sanguinário. Onde havia desejo e apenas desejo, postulada foi a lei, onde havia desejo e apenas desejo, objetificado foi o encontro. E do falar que se fala faz, falando foi, feito o efeito de uma força de vergonha. Perceba: perante alguém indiciado por ser, estar ridículo, a vergonha é sempre dos outros, e não de quem se faz no momento do cometido. O bailarino é essa força despovoadora da ridicularidade alheia, o desequilíbrio que opera entre os termos é do âmbito do indizível, alfinetando as formas reconhecidas no aberto, onde vai a pisar em calçadas indiscerníveis, quem capta o ridículo como potencia e não como vergonha, jogando com o status quo....da paródia do gesto, ao infinito que lubrificado entra.
“ não sou um filósofo,mas talvez um santo, talvez um louco, mas que pensa da mesma maneira como uma menina tira a roupa. Na extremidade de seu movimento o pensamento é o impudor, a própria obscenidade.” bataille
Hilan
E o começo de que eu quero falar é o nascimento da erosofia. A erosofia nasceu de um bacanal em que a filosofia se transviou. Estava lá a literatura, estavam lá uns filmes, umas músicas e muitas musas. Ela é transnúmero, ela é como um átomo de multiplicidade, como o pequeno de Anaxágoras: sempre há um menor e um menor do menor habitando nela. Ela é transgênero, e é transnúmero. A erosofia teria nascido de um parto de Clara Acker. E foi erótica a parteira já que como diz Audre Lorde, o erótico é a parteira dos conhecimentos mais íntimos. É Eros que faz surgir, já que ele é brotoejo do que brota. Mas conta Monica Udler, uma Hesíoda anancestral, que a erosofia é filha da mãe literatura germinada pelo pai filosofia. Herdou uns tiques do pai, a mania de pensar, e umas manias da mãe pela insinuação, pelos umbrais, pela meia-luz. Monica não conta do bacanal. Não conta que dançavam entre a filosofia e a literatura milhares de musas. Podemos imaginar a filosofia naquele bacanal. Cheia dos gêneros, cheia das genitálias, cheia de amigos.. Ela já com suas sobrinhas, netas, bisnetas, garbosas e todas desviadas dos seus caminhos. Estava lá a pornosofia que passou a vida contemplando as formas da sabedoria com uma tara sem controle, estava a agapesofia que passava as tardes servindo chá e dando banhos na sabedoria e estava lá também a matriarca, altiva e sempre distante, a Sofia, a sabedoria.
Segue o texto da Monica Udler, etc
O Nascimento da Erosofia: bem, são muitos os nascimentos, ela está sempre nascendo e se preparando para o nascimento, como a filosofia está sempre morrendo e se preparando para a morte.
Pesquisadores convergem para uma data: 24 de novembro de 2011.
venerdì 11 novembre 2011
O Nascimento do Poema, de Dora Ferreira da Silva
É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.
É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.
E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.
É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.
E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.
domenica 6 novembre 2011
Susana Villalba sobre la Tanabata
LA NOCHE DE TANABATA
Es la noche
de Tanabata
pero yo no sé dónde está
la orilla del río
del cielo.
Ni el cielo
lo dice.
No sé cuál es el puente
que nos une
y nos separa.
Yo no sé qué pasó,
la vida no es un lugar
seguro.
No hay ceremonias,
los amantes unidos
por un hilo de plata.
Sueño con calles
en las que estás caminando
mientras sueño,
al despertar es tarde.
Yo no sé qué hacer,
el amor es animal.
El camino terminaba
en un acantilado.
Iba un loco
en un coche policial,
feliz de andar en auto,
sentí miedo del dolor,
de la química,
de las palabras que se quiebran
de pronto.
Fuera de mí,
fuera de mi casa,
fuera de todo lo que te ofrecí
voy.
Pero vuelvo, no creas
que pedía más
que la intensidad del azul
ante el naranja.
Yo no sé qué pensar,
para qué
si no quiero entender,
si no hay razones
a veces.
No sé si creer otra vez
en signos que no sé leer
en el río del cielo.
No sé si buscar el puente,
quizá nunca lo hubo.
No sé qué decir,
acaso te convoco sin saber
adónde.
No importa,
haré una ceremonia incorrecta
mirando la luna.
Pregunto a tu parte oscura
si es cierto
que desayunamos juntos.
El tiempo pasa,
no hay aniversarios.
La vida gira
bruscamente,
yo no vi la señal.
Ya no sé si es mejor
perder lo que se debe
para encontrar,
antes me dije estas cosas
pero estoy cansada.
¿No hay nada que decir?
No hay nada que hacer
para desanudar las almas que se aferran
a otras almas anudadas
a otras almas.
¿No hay parte en el amor
que guarde algún recuerdo?
de la luz
sobre la contingencia.
Acaso es un torrente
continuo
y precisamente
por eso.
Ya no sé quién sos.
No pudimos despedirnos
de los muertos.
Así sin inhumar
el cuerpo de este amor
enterrará el próximo amor.
Como fui yo el cordero
bajo el mismo puñal
que habías recibido.
Ahora soy quien pregunta
al río:
el amor es un torrente
continuo
pero estamos fijos en el horror
de no permanecer.
Hasta el fuego
necesita adherencia,
sólo la noche existe
aunque nadie la mire.
Acaso el puente para dejar
en claro:
cada uno ocupa un sitio
diferente.
No era necesario,
siempre estamos solos,
siempre está a la vista.
No te pedía el alma
por un pacto,
ya no hay pactos,
“es la estrategia del demonio
hacer creer que ya no existe”.
Ya no sé si creer
en las palabras,
es la noche de Tanabata[1]
y no lo sabés,
no leímos los mismos libros.
No sé el lugar
que no conozco,
no hay corazón tan sabio
ni vocación de tenerlo
ni quien
indique el camino.
No hay caminos,
es el momento para inventar
liturgias,
construir un gesto,
un filme o un río
para los separados eternamente.
Eternamente despidiéndose
de sí mismos.
Reconstruirse en el dolor
es otro dolor:
que lo desee
no hará que exista.
Preparo café,
ya no puedo sentir más frío
por hoy,
por este año.
Todo ha sido
una actuación en el vacío,
algo se quiebra
para instaurar.
En todo viaje, la ausencia
o volver,
se mueve el paisaje.
De todos modos el río
está cegado aquí,
tiene una sola orilla
y cada vez
se es más inteligente.
Quiero decir más triste.
Ahora sé
que está cayendo la noche
de Tanabata
como una noche
más.
Poema de Un poema de Matar a un animal, Curandera, Buenos Aires, 2011.
Susana Villalba
[1] La fiesta celebra el encuentro entre Orihime (Vega) y Hikoboshi (Altair). La Vía láctea, un río hecho de estrellas que cruza el cielo, separa a estos amantes, y sólo se les permite verse una vez al año, el séptimo día del séptimo mes lunar del calendario lunisolar. Ya que las estrellas sólo aparecen de noche, la celebración suele ser nocturna
Es la noche
de Tanabata
pero yo no sé dónde está
la orilla del río
del cielo.
Ni el cielo
lo dice.
No sé cuál es el puente
que nos une
y nos separa.
Yo no sé qué pasó,
la vida no es un lugar
seguro.
No hay ceremonias,
los amantes unidos
por un hilo de plata.
Sueño con calles
en las que estás caminando
mientras sueño,
al despertar es tarde.
Yo no sé qué hacer,
el amor es animal.
El camino terminaba
en un acantilado.
Iba un loco
en un coche policial,
feliz de andar en auto,
sentí miedo del dolor,
de la química,
de las palabras que se quiebran
de pronto.
Fuera de mí,
fuera de mi casa,
fuera de todo lo que te ofrecí
voy.
Pero vuelvo, no creas
que pedía más
que la intensidad del azul
ante el naranja.
Yo no sé qué pensar,
para qué
si no quiero entender,
si no hay razones
a veces.
No sé si creer otra vez
en signos que no sé leer
en el río del cielo.
No sé si buscar el puente,
quizá nunca lo hubo.
No sé qué decir,
acaso te convoco sin saber
adónde.
No importa,
haré una ceremonia incorrecta
mirando la luna.
Pregunto a tu parte oscura
si es cierto
que desayunamos juntos.
El tiempo pasa,
no hay aniversarios.
La vida gira
bruscamente,
yo no vi la señal.
Ya no sé si es mejor
perder lo que se debe
para encontrar,
antes me dije estas cosas
pero estoy cansada.
¿No hay nada que decir?
No hay nada que hacer
para desanudar las almas que se aferran
a otras almas anudadas
a otras almas.
¿No hay parte en el amor
que guarde algún recuerdo?
de la luz
sobre la contingencia.
Acaso es un torrente
continuo
y precisamente
por eso.
Ya no sé quién sos.
No pudimos despedirnos
de los muertos.
Así sin inhumar
el cuerpo de este amor
enterrará el próximo amor.
Como fui yo el cordero
bajo el mismo puñal
que habías recibido.
Ahora soy quien pregunta
al río:
el amor es un torrente
continuo
pero estamos fijos en el horror
de no permanecer.
Hasta el fuego
necesita adherencia,
sólo la noche existe
aunque nadie la mire.
Acaso el puente para dejar
en claro:
cada uno ocupa un sitio
diferente.
No era necesario,
siempre estamos solos,
siempre está a la vista.
No te pedía el alma
por un pacto,
ya no hay pactos,
“es la estrategia del demonio
hacer creer que ya no existe”.
Ya no sé si creer
en las palabras,
es la noche de Tanabata[1]
y no lo sabés,
no leímos los mismos libros.
No sé el lugar
que no conozco,
no hay corazón tan sabio
ni vocación de tenerlo
ni quien
indique el camino.
No hay caminos,
es el momento para inventar
liturgias,
construir un gesto,
un filme o un río
para los separados eternamente.
Eternamente despidiéndose
de sí mismos.
Reconstruirse en el dolor
es otro dolor:
que lo desee
no hará que exista.
Preparo café,
ya no puedo sentir más frío
por hoy,
por este año.
Todo ha sido
una actuación en el vacío,
algo se quiebra
para instaurar.
En todo viaje, la ausencia
o volver,
se mueve el paisaje.
De todos modos el río
está cegado aquí,
tiene una sola orilla
y cada vez
se es más inteligente.
Quiero decir más triste.
Ahora sé
que está cayendo la noche
de Tanabata
como una noche
más.
Poema de Un poema de Matar a un animal, Curandera, Buenos Aires, 2011.
Susana Villalba
[1] La fiesta celebra el encuentro entre Orihime (Vega) y Hikoboshi (Altair). La Vía láctea, un río hecho de estrellas que cruza el cielo, separa a estos amantes, y sólo se les permite verse una vez al año, el séptimo día del séptimo mes lunar del calendario lunisolar. Ya que las estrellas sólo aparecen de noche, la celebración suele ser nocturna
venerdì 28 ottobre 2011
Um Alvaro de Campos sobre o Ultra-Ser
(Um Pessoa em homenagem ao ultra-ser e à futura ontologia universal)
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto construem, desfazem ou se construi ou desfaz através deles.
Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino —
Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino.
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas
De todas as vidas, abstractas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar porque é um tudo,
Porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa!
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim,
Com a substância essencial do meu ser abstracto
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
Cárcere do Ser, não há libertação de ti?
Cárcere de pensar, não há libertação de ti?
Ah, não, nenhuma — nem morte, nem vida, nem Deus!
Nós, irmãos gémeos do Destino em ambos existirmos,
Nós, irmãos gémeos dos Deuses todos, de toda a espécie,
Em sermos o mesmo abismo, em sermos a mesma sombra,
Sombra sejamos, ou sejamos luz, sempre a mesma noite.
Ah, se afronto confiado a vida, a incerteza da sorte,
Sorridente, impensando, a possibilidade quotidiana de todos os males,
Inconsciente o mistério de todas as coisas e de todos os gestos,
Porque não afrontarei sorridente, inconsciente, a Morte?
Ignoro-a? Mas que é que eu não ignoro?
A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo,
São mistérios menores que a Morte? Como se tudo é o mesmo mistério?
E eu escrevo, estou escrevendo, por uma necessidade sem nada.
Ah, afronte eu como um bicho a morte que ele não sabe que existe!
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto construem, desfazem ou se construi ou desfaz através deles.
Se empequena!
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Uma coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino —
Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino.
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas
De todas as vidas, abstractas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar porque é um tudo,
Porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa!
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas ideias que tremo, com a minha consciência de mim,
Com a substância essencial do meu ser abstracto
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
Cárcere do Ser, não há libertação de ti?
Cárcere de pensar, não há libertação de ti?
Ah, não, nenhuma — nem morte, nem vida, nem Deus!
Nós, irmãos gémeos do Destino em ambos existirmos,
Nós, irmãos gémeos dos Deuses todos, de toda a espécie,
Em sermos o mesmo abismo, em sermos a mesma sombra,
Sombra sejamos, ou sejamos luz, sempre a mesma noite.
Ah, se afronto confiado a vida, a incerteza da sorte,
Sorridente, impensando, a possibilidade quotidiana de todos os males,
Inconsciente o mistério de todas as coisas e de todos os gestos,
Porque não afrontarei sorridente, inconsciente, a Morte?
Ignoro-a? Mas que é que eu não ignoro?
A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo,
São mistérios menores que a Morte? Como se tudo é o mesmo mistério?
E eu escrevo, estou escrevendo, por uma necessidade sem nada.
Ah, afronte eu como um bicho a morte que ele não sabe que existe!
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais,
Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência,
Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência,
Porque é preciso existir para se criar tudo,
E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser,
E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses.
sabato 22 ottobre 2011
esboços nas teias de areia, fodam-se todas as estrelas
esboços nas teias de aranha
outro dia no meio dos meus afazeres
no meio dos meus pequenos ímpetos perdidos entre grandes impulsos
perdi toda a minha esperança.
todo o meu ânimo e toda a minha vontade
escorreram por um ralo aberto na cozinha de algum desejo
as coisas de todos os dias ficaram inanimadas
todos os pequenos animais dentro dos meus espíritos
se tornaram pequenos animais empalhados de uma só vez,
fica esta parte de mim que escreve de sobrancelhas levantadas
apenas observando a era glacial que aconteceu entre meus ossos
toda a minha usina de alegrias emparelhadas hibernou
––fiquei meio tom abaixo de qualquer melodia.
deve ser um buraco negro no meu mapa astral;
mas que caiam as estrelas todas em seus buracos negros
deixem minha órbita livre, minhas doze casas desocupadas
armem-se de seus tempos redondos, entrincheirem-se em leis celestiais
eu fico aonde me deixam ficar, nesta terra que vocês só podem reger
de longe sem conhecer a cor do mar quando bate o sol.
fodam-se todas as estrelas
quero meu horóscopo feito de insetos, de vermes, de pulgas
são elas que fazem parte do meu destino aberto
são elas que entendem de futuros em cordas bambas
são elas que podem traçar minhas órbitas, que são tremidas
e garranchadas como as linhas feitas por quem só vai
vocês, estrelas, não estão indo, não chegam, não partem.
quero minhas quadraturas feitas com pingüins que acabaram de nascer,
quero meu ascendente desenhado por galhos de figueiras no outono,
meus trânsitos o trânsito das formigas subindo as crostas das paineiras
minhas conjunturas de piabas soltas entre comida e ilusão
meu destino nas mãos de todas estas portas abertas
que carregam muito mais destino do que conseguem segurar.
já as estrelas, elas não são carrascos, são apenas
escandalosos relógios no céu fazendo
cuckoo.
PS: Meu velho manisfesto contra a astrologia, e ela ainda me aquece.
outro dia no meio dos meus afazeres
no meio dos meus pequenos ímpetos perdidos entre grandes impulsos
perdi toda a minha esperança.
todo o meu ânimo e toda a minha vontade
escorreram por um ralo aberto na cozinha de algum desejo
as coisas de todos os dias ficaram inanimadas
todos os pequenos animais dentro dos meus espíritos
se tornaram pequenos animais empalhados de uma só vez,
fica esta parte de mim que escreve de sobrancelhas levantadas
apenas observando a era glacial que aconteceu entre meus ossos
toda a minha usina de alegrias emparelhadas hibernou
––fiquei meio tom abaixo de qualquer melodia.
deve ser um buraco negro no meu mapa astral;
mas que caiam as estrelas todas em seus buracos negros
deixem minha órbita livre, minhas doze casas desocupadas
armem-se de seus tempos redondos, entrincheirem-se em leis celestiais
eu fico aonde me deixam ficar, nesta terra que vocês só podem reger
de longe sem conhecer a cor do mar quando bate o sol.
fodam-se todas as estrelas
quero meu horóscopo feito de insetos, de vermes, de pulgas
são elas que fazem parte do meu destino aberto
são elas que entendem de futuros em cordas bambas
são elas que podem traçar minhas órbitas, que são tremidas
e garranchadas como as linhas feitas por quem só vai
vocês, estrelas, não estão indo, não chegam, não partem.
quero minhas quadraturas feitas com pingüins que acabaram de nascer,
quero meu ascendente desenhado por galhos de figueiras no outono,
meus trânsitos o trânsito das formigas subindo as crostas das paineiras
minhas conjunturas de piabas soltas entre comida e ilusão
meu destino nas mãos de todas estas portas abertas
que carregam muito mais destino do que conseguem segurar.
já as estrelas, elas não são carrascos, são apenas
escandalosos relógios no céu fazendo
cuckoo.
PS: Meu velho manisfesto contra a astrologia, e ela ainda me aquece.
quem me confessa?
canto o mal, faço ungüento para o bem
canto o desterro
tento chegar em um ré grave coloratura
o barulho das páginas se rasgando
que se calem todos os desaforos
me confessa?
eu vesti minha cinta liga de zebra
subi cinco metros de uma árvore
quase sem raízes
e arranquei um galho enorme, frio e com um escaravelho dourado nele
arranquei o galho e joguei no chão
desabou nos pés de uma dama
de preto e com um lenço encardido na mão
ela limpava o chão e carregava um livro sagrado na outra
me confessa?
soca teus filhos, teus netos, eu grunhia
ela fez sinais da cruz
eu tremi de frio
canto o desterro
tento chegar em um ré grave coloratura
o barulho das páginas se rasgando
que se calem todos os desaforos
me confessa?
eu vesti minha cinta liga de zebra
subi cinco metros de uma árvore
quase sem raízes
e arranquei um galho enorme, frio e com um escaravelho dourado nele
arranquei o galho e joguei no chão
desabou nos pés de uma dama
de preto e com um lenço encardido na mão
ela limpava o chão e carregava um livro sagrado na outra
me confessa?
soca teus filhos, teus netos, eu grunhia
ela fez sinais da cruz
eu tremi de frio
domenica 16 ottobre 2011
a malícia
agora decido mergulhar no mal
um mel para meus órgãos cansados
minha perversidade atrofiada
e meu medo do descalabro
agora quero mergulhar no mal
ser fraco, e torpe e delinquente
não só a indecente que é plataforma
mas o feio que só destempera
e assim para mergulhar no mal
não quero trampolim de muitos metros
nem tenho forças para o hediondo
só insinuar o cruel redondo, a malícia
gosto de mergulhar no mal
que ele me arranca do bolor
já que ele atormenta, agoniza
sua profetisa é a gilete
(e o café com isca)
um mel para meus órgãos cansados
minha perversidade atrofiada
e meu medo do descalabro
agora quero mergulhar no mal
ser fraco, e torpe e delinquente
não só a indecente que é plataforma
mas o feio que só destempera
e assim para mergulhar no mal
não quero trampolim de muitos metros
nem tenho forças para o hediondo
só insinuar o cruel redondo, a malícia
gosto de mergulhar no mal
que ele me arranca do bolor
já que ele atormenta, agoniza
sua profetisa é a gilete
(e o café com isca)
lunedì 10 ottobre 2011
outros mesmos
numa madrugada de delírio frio
sonhei com quantidades, tudo em doses maiores:
o mundo fosse feito de muito mais do mesmo
esguichos em cada dobra da celulose, muitos outros bichos,
a terra - tão sem sutileza - cabendo em duas cascas de nozes
no meio das labaredas, mais cobalto, mais despesa, mais ladeira
mais nitratos, mais coceira, no vendaval com mais velocidade
mais uma das minhas pastas vermelhas, mais recreio, mais orfanatos
era como uma receita errada, pús muito sal e agora ponho mais batata
me encho de idade, já não sei mais a data, se tivessem mais sandinistas
não faltava água
sonhei com quantidades, tudo em doses maiores:
o mundo fosse feito de muito mais do mesmo
esguichos em cada dobra da celulose, muitos outros bichos,
a terra - tão sem sutileza - cabendo em duas cascas de nozes
no meio das labaredas, mais cobalto, mais despesa, mais ladeira
mais nitratos, mais coceira, no vendaval com mais velocidade
mais uma das minhas pastas vermelhas, mais recreio, mais orfanatos
era como uma receita errada, pús muito sal e agora ponho mais batata
me encho de idade, já não sei mais a data, se tivessem mais sandinistas
não faltava água
sabato 8 ottobre 2011
Tulio Raposa já velho
cada nervo do Tulio Raposa morria um dia
a torneira do descanso pingava mais
queria descansar de tudo, das cores, dos monólogos
cada dia cansava de uma palavra
e lhe sumiam as coisas de dentro dele
quantos músculos tinha ainda pra envelhecer?
esgote tudo - ele ouvia de Geórgia, e suspirava
tinha o esgoto
os tornozelos de Geórgia, o pescoço de Milena
tinha o esgoto
seus metros de altura
seus pelos de urso
seus braços
desmilinguiam como um golem lento
foi para uma praia
encontrou uma amiga de infância, casada, cotidiana e enrugada
esquálida:
- Meu filho é aviador, mas eu, ela disse, tenho muita vontade de olhar para baixo.
O contrário de uma epígrafe:
Me confino.
ando querendo sempre voltar para casa
me limito
mesmo em casa quero voltar para casa
me imito
deve ser vontade de caixão
(buca l'ombrello, 28.7.2010)
a torneira do descanso pingava mais
queria descansar de tudo, das cores, dos monólogos
cada dia cansava de uma palavra
e lhe sumiam as coisas de dentro dele
quantos músculos tinha ainda pra envelhecer?
esgote tudo - ele ouvia de Geórgia, e suspirava
tinha o esgoto
os tornozelos de Geórgia, o pescoço de Milena
tinha o esgoto
seus metros de altura
seus pelos de urso
seus braços
desmilinguiam como um golem lento
foi para uma praia
encontrou uma amiga de infância, casada, cotidiana e enrugada
esquálida:
- Meu filho é aviador, mas eu, ela disse, tenho muita vontade de olhar para baixo.
O contrário de uma epígrafe:
Me confino.
ando querendo sempre voltar para casa
me limito
mesmo em casa quero voltar para casa
me imito
deve ser vontade de caixão
(buca l'ombrello, 28.7.2010)
venerdì 7 ottobre 2011
Nobel to a Poet: Tranströmer
Pela primeira desde 1996, quando Szymborska ganhou o prêmio, o Nobel foi pra um poeta: Tomas Tranströmer:
After a Death
by Tomas Tranströmer
translated by Robert Bly
Once there was a shock
that left behind a long, shimmering comet tail.
It keeps us inside. It makes the TV pictures snowy.
It settles in cold drops on the telephone wires.
One can still go slowly on skis in the winter sun
through brush where a few leaves hang on.
They resemble pages torn from old telephone directories.
Names swallowed by the cold.
It is still beautiful to hear the heart beat
but often the shadow seems more real than the body.
The samurai looks insignificant
beside his armor of black dragon scales.
Outskirts
by Tomas Tranströmer
translated by Robert Bly
Men in overalls the same color as earth rise from a ditch.
It's a transitional place, in stalemate, neither country nor city.
Construction cranes on the horizon want to take the big leap,
but the clocks are against it.
Concrete piping scattered around laps at the light with cold tongues.
Auto-body shops occupy old barns.
Stones throw shadows as sharp as objects on the moon surface.
And these sites keep on getting bigger
like the land bought with Judas' silver: "a potter's field for
burying strangers."
After a Death
by Tomas Tranströmer
translated by Robert Bly
Once there was a shock
that left behind a long, shimmering comet tail.
It keeps us inside. It makes the TV pictures snowy.
It settles in cold drops on the telephone wires.
One can still go slowly on skis in the winter sun
through brush where a few leaves hang on.
They resemble pages torn from old telephone directories.
Names swallowed by the cold.
It is still beautiful to hear the heart beat
but often the shadow seems more real than the body.
The samurai looks insignificant
beside his armor of black dragon scales.
Outskirts
by Tomas Tranströmer
translated by Robert Bly
Men in overalls the same color as earth rise from a ditch.
It's a transitional place, in stalemate, neither country nor city.
Construction cranes on the horizon want to take the big leap,
but the clocks are against it.
Concrete piping scattered around laps at the light with cold tongues.
Auto-body shops occupy old barns.
Stones throw shadows as sharp as objects on the moon surface.
And these sites keep on getting bigger
like the land bought with Judas' silver: "a potter's field for
burying strangers."
lunedì 3 ottobre 2011
Un Rito Ramon Arroche (o dos)
Unquento... o la marca es de azufre
en el allero - dijo - puede ser muy sencillo
y luego dijo: que rodaras unos metros
Y otro, el classico:
Es lo que puede ocurrir - dijo. No lo de menos.
En unos ruedos, la escritura es de agua.
en el allero - dijo - puede ser muy sencillo
y luego dijo: que rodaras unos metros
Y otro, el classico:
Es lo que puede ocurrir - dijo. No lo de menos.
En unos ruedos, la escritura es de agua.
martedì 20 settembre 2011
Desdeuses
para M. M. (A. ou P)T, deusponível
rezo pra desdeus
o vento vazio está cheio dEle
seus fios soltos me acompanham todos os dias
em cada coisa eu o adivinho,
no que deságua, desata, desterra e desafoga
Ele descria
e eu, indevoto, clamo a Ele: sou Teu, aTeu.
mas são muitos os desdeuses
já que cada pedaço se soltou de um dEles
e desdenha de seu desdeus
eu rogo aos muitos: me larguem poliaTeu
muitos vós, supremas larguras
que largam larvas, largam lavas, alagam lágrimas, lavram
o céu aberto,
rezo pra desdeus
o vento vazio está cheio dEle
seus fios soltos me acompanham todos os dias
em cada coisa eu o adivinho,
no que deságua, desata, desterra e desafoga
Ele descria
e eu, indevoto, clamo a Ele: sou Teu, aTeu.
mas são muitos os desdeuses
já que cada pedaço se soltou de um dEles
e desdenha de seu desdeus
eu rogo aos muitos: me larguem poliaTeu
muitos vós, supremas larguras
que largam larvas, largam lavas, alagam lágrimas, lavram
o céu aberto,
lunedì 19 settembre 2011
Persona
para S. M., com coincidências
com oito dias
a circunscisâo
com oito anos
a circunscrição
os olhos de Trilenna
os mangues são feitos
todos os dias são feitos
de água
bem pequena,
viu Trilenna:
uma atitude
posta no meio
ávida
queria aquela altitude
serena e impositiva
sem os urros
sem as lanças
longe do demônio
verde
queria Trilenna
seus olhos estancaram
naquelas mulheres
seus dentes róem
as pupilas fixas
uma quarentena
- não foi feita
para ti
ser, diz a mãe,
põe teus olhos
de ponta a cabeça
respira
não basta
ver Trilenna
de fora
as arenas, as tulipas, os gansos ao redor dos cisnes, as beiras
dos lagos
para ver
de perto
ser
uma areia
daquela pedra
Trilenna
tinha que ver
dali - Trilenna
um ponto de vista
a vista começa
com as mãos
ela acena
transita
zarpa com as mãos
as suas, morenas,
seus dedos
abstratos
ela empena
e se retorce
os olhos mudam de lugar
olha a estrada
de perto
Não, Norma,
viro Trilenna
sabato 17 settembre 2011
Caq lança Poesia? e outras perguntas na quarta feira 21
17.09.1971
chutam o
corpo morto
do desgraçado
enfim dócil
inerme
bem se sabe
que morto
(e só assim)
o comuna
é bom
chutam o
bom do
comuna
morto
enfim
tornado
(não há
muito)
menino bom
até parece
que o propalado
homem novo
esquálido
e já morto
se ri entre
esgares
de fato
não um só
mas dois
o capitão
vil traidor
e seu soldado
que seguem
na sina (não
na patente)
comum de
poeira
sangue
xingamentos
chutes
não reclamam
no entanto
nem despistam
pois mortos
os bons
comunas
nada falam
caq
chutam o
corpo morto
do desgraçado
enfim dócil
inerme
bem se sabe
que morto
(e só assim)
o comuna
é bom
chutam o
bom do
comuna
morto
enfim
tornado
(não há
muito)
menino bom
até parece
que o propalado
homem novo
esquálido
e já morto
se ri entre
esgares
de fato
não um só
mas dois
o capitão
vil traidor
e seu soldado
que seguem
na sina (não
na patente)
comum de
poeira
sangue
xingamentos
chutes
não reclamam
no entanto
nem despistam
pois mortos
os bons
comunas
nada falam
caq
venerdì 16 settembre 2011
A summerhouse explusou o macaco
O macaco não acertava a senha das bananas
o google ralhou
este brog ficou mais de um mês hibernando
vinte dias atorrentado em Hackney
vinte dias estorricado na Northern Wing
mandou chamar a tecnomédium:
- diga summerhouse
- summerhouse, summerhouse, summerhouse
- mude a senha
e, ai pois, a Laura Vigínia salvou tudo
e estamos no ar, brog meu brodi,
na água e na terra seca.
Seguidores gentis, mes frères, mes semblables,
desculpem o aperreio.
o google ralhou
este brog ficou mais de um mês hibernando
vinte dias atorrentado em Hackney
vinte dias estorricado na Northern Wing
mandou chamar a tecnomédium:
- diga summerhouse
- summerhouse, summerhouse, summerhouse
- mude a senha
e, ai pois, a Laura Vigínia salvou tudo
e estamos no ar, brog meu brodi,
na água e na terra seca.
Seguidores gentis, mes frères, mes semblables,
desculpem o aperreio.
sabato 6 agosto 2011
heard something?
i'm a modulator with no pocket calculator
my knobs are in the hands of the mobs
my cogs tuned to my cobs, to all frogs, to the jobs
my bolts are loose, my screws are those of a goose
under the influence
yet no pocket calculator
i carry dirty seeds
my knobs are in the hands of the mobs
my cogs tuned to my cobs, to all frogs, to the jobs
my bolts are loose, my screws are those of a goose
under the influence
yet no pocket calculator
i carry dirty seeds
giovedì 4 agosto 2011
Celia Evangelista manda receita para estado de árvore, de Barros
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
...Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.
Adoecer de nós a Natureza:
- botar a aflição nas pedras.
(MANOEL DE BARROS)
E eu adiciono, já que passei o dia virando lagarto atrás das araras:
Por forma que a nossa tarefa principal
era a de aumentar
o que não acontecia.
(Nós era um rebanho de guris.)
A gente era bem-dotado para aquele serviço
de aumentar o que não acontecia.
A gente operava a domicílio e pra fora.
E aquele colega que tinha ganho um olhar
de pássaro
Era o campeão de aumentar os desacontecimentos.
Uma tarde ele falou pra nós que enxergara um
lagarto espichado na areia
a beber um copo de sol.
Apareceu um homem que era adepto da razão
e disse:
Lagarto não bebe sol no copo!
Isso é uma estultícia.
Ele falou de sério.
Ficamos instruídos.
mercoledì 3 agosto 2011
There are days of raw life
Bites. Wait. Aches. Empty streets. Purposeless cars
I dream with my train. Beauty in bottles.
I'm tired.
My roles, so worn out, so spent, they sat on the streets at midday
and lost the plot.
Yet I can't just make them go.
I run to cuddle some words, a dragking, an indignation, a baked crumble
But when they ask me where my tears are coming from, I munch grilled peppers
I feel speechless
The words that keep company are rare
- the phrases that have put me to rest have turned fragile.
I count the letters.
I dream with my train. Beauty in bottles.
I'm tired.
My roles, so worn out, so spent, they sat on the streets at midday
and lost the plot.
Yet I can't just make them go.
I run to cuddle some words, a dragking, an indignation, a baked crumble
But when they ask me where my tears are coming from, I munch grilled peppers
I feel speechless
The words that keep company are rare
- the phrases that have put me to rest have turned fragile.
I count the letters.
venerdì 29 luglio 2011
ESPANTABANKEROS
Tarde da noite em Sol, escaldado e cheia de faíscas
Um horror à família e à propriedade no meu suor
Quem eu poderia encontrar? O espantabankeros.
Indignam eles também. Mas o moço do Senegal bate no moço da Romênia
Na esquina, as senegalesas e as romenas passam a noite na pista
Eu querendo a espécie no liquidificador
Quem eu poderia encontrar? O espantabankeros.
Y al primer soneto de las plazas indignadas.
Es que queria que mi corazón parasse en aquella puerta
Visto lo visto, ni todo esta previsto.
mercoledì 13 luglio 2011
A Qabbani feast
Been reading a bit of Darwich speaking on Qabbany, such an impressive voice.
Jerusalem
I wept until my tears were dry
I prayed until the candles flickered
I knelt until the floor creaked
I asked about Mohammed and Christ
Oh Jerusalem, the fragrance of prophets
The shortest path between earth and sky
Oh Jerusalem, the citadel of laws
A beautiful child with fingers charred
and downcast eyes
You are the shady oasis passed by the Prophet
Your streets are melancholy
Your minarets are mourning
You, the young maiden dressed in black
Who rings the bells in the Nativity
On Saturday morning?
Who brings toys for the children
On Christmas eve?
Oh Jerusalem, the city of sorrow
A big tear wandering in the eye
Who will halt the aggression
On you, the pearl of religions?
Who will wash your bloody walls?
Who will safeguard the Bible?
Who will rescue the Quran?
Who will save Christ?
Who will save man?
Oh Jerusalem my town
Oh Jerusalem my love
Tomorrow the lemon trees will blossom
And the olive trees will rejoice
Your eyes will dance
The migrant pigeons will return
To your sacred roofs
And your children will play again
And fathers and sons will meet
On your rosy hills
My town
The town of peace and olives.
Nizar Qabbani
Damascus, What Are You Doing to Me?
1
My voice rings out, this time, from Damascus
It rings out from the house of my mother and father
In Sham. The geography of my body changes.
The cells of my blood become green.
My alphabet is green.
In Sham. A new mouth emerges for my mouth
A new voice emerges for my voice
And my fingers
Become a tribe
2
I return to Damascus
Riding on the backs of clouds
Riding the two most beautiful horses in the world
The horse of passion.
The horse of poetry.
I return after sixty years
To search for my umbilical cord,
For the Damascene barber who circumcised me,
For the midwife who tossed me in the basin under the bed
And received a gold lira from my father,
She left our house
On that day in March of 1923
Her hands stained with the blood of the poem…
3
I return to the womb in which I was formed . . .
To the first book I read in it . . .
To the first woman who taught me
The geography of love . . .
And the geography of women . . .
4
I return
After my limbs have been strewn across all the continents
And my cough has been scattered in all the hotels
After my mother’s sheets scented with laurel soap
I have found no other bed to sleep on . . .
And after the “bride” of oil and thyme
That she would roll up for me
No longer does any other 'bride' in the world please me
And after the quince jam she would make with her own hands
I am no longer enthusiastic about breakfast in the morning
And after the blackberry drink that she would make
No other wine intoxicates me . . .
5
I enter the courtyard of the Umayyad Mosque
And greet everyone in it
Corner to . . . corner
Tile to . . . tile
Dove to . . . dove
I wander in the gardens of Kufi script
And pluck beautiful flowers of God’s words
And hear with my eye the voice of the mosaics
And the music of agate prayer beads
A state of revelation and rapture overtakes me,
So I climb the steps of the first minaret that encounters me
Calling:
“Come to the jasmine”
“Come to the jasmine”
6
Returning to you
Stained by the rains of my longing
Returning to fill my pockets
With nuts, green plums, and green almonds
Returning to my oyster shell
Returning to my birth bed
For the fountains of Versailles
Are no compensation for the Fountain Café
And Les Halles in Paris
Is no compensation for the Friday market
And Buckingham Palace in London
Is no compensation for Azem Palace
And the pigeons of San Marco in Venice
Are no more blessed than the doves in the Umayyad Mosque
And Napoleon’s tomb in Les Invalides
Is no more glorious than the tomb of Salah al-Din Al-Ayyubi…
7
I wander in the narrow alleys of Damascus.
Behind the windows, honeyed eyes awake
And greet me . . .
The stars wear their gold bracelets
And greet me
And the pigeons alight from their towers
And greet me
And the clean Shami cats come out
Who were born with us . . .
Grew up with us . . .
And married with us . . .
To greet me . . .
8
I immerse myself in the Buzurriya Souq
Set a sail in a cloud of spices
Clouds of cloves
And cinnamon . . .
And camomile . . .
I perform ablutions in rose water once.
And in the water of passion many times . . .
And I forget—while in the Souq al-‘Attarine—
All the concoctions of Nina Ricci . . .
And Coco Chanel . . .
What are you doing to me Damascus?
How have you changed my culture? My aesthetic taste?
For I have been made to forget the ringing of cups of licorice
The piano concerto of Rachmaninoff . . .
How do the gardens of Sham transform me?
For I have become the first conductor in the world
That leads an orchestra from a willow tree!!
9
I have come to you . . .
From the history of the Damascene rose
That condenses the history of perfume . . .
From the memory of al-Mutanabbi
That condenses the history of poetry . . .
I have come to you . . .
From the blossoms of bitter orange . . .
And the dahlia . . .
And the narcissus . . .
And the 'nice boy' . . .
That first taught me drawing . . .
I have come to you . . .
From the laughter of Shami women
That first taught me music . . .
And the beginning of adolesence
From the spouts of our alley
That first taught me crying
And from my mother’s prayer rug
That first taught me
The path to God . . .
10
I open the drawers of memory
One . . . then another
I remember my father . . .
Coming out of his workshop on Mu’awiya Alley
I remember the horse-drawn carts . . .
And the sellers of prickly pears . . .
And the cafés of al-Rubwa
That nearly—after five flasks of ‘araq—
Fall into the river
I remember the colored towels
As they dance on the door of Hammam al-Khayyatin
As if they were celebrating their national holiday.
I remember the Damascene houses
With their copper doorknobs
And their ceilings decorated with glazed tiles
And their interior courtyards
That remind you of descriptions of heaven . . .
11
The Damascene House
Is beyond the architectural text
The design of our homes . . .
Is based on an emotional foundation
For every house leans . . . on the hip of another
And every balcony . . .
Extends its hand to another facing it
Damascene houses are loving houses . . .
They greet one another in the morning . . .
And exchange visits . . .
Secretly—at night . . .
12
When I was a diplomat in Britain
Thirty years ago
My mother would send letters at the beginning of Spring
Inside each letter . . .
A bundle of tarragon . . .
And when the English suspected my letters
They took them to the laboratory
And turned them over to Scotland Yard
And explosives experts.
And when they grew weary of me . . . and my tarragon
They would ask: Tell us, by god . . .
What is the name of this magical herb that has made us dizzy?
Is it a talisman?
Medicine?
A secret code?
What is it called in English?
I said to them: It’s difficult for me to explain…
For tarragon is a language that only the gardens of Sham speak
It is our sacred herb . . .
Our perfumed eloquence
And if your great poet Shakespeare had known of tarragon
His plays would have been better . . .
In brief . . .
My mother is a wonderful woman . . . she loves me greatly . . .
And whenever she missed me
She would send me a bunch of tarragon . . .
Because for her, tarragon is the emotional equivalent
To the words: my darling . . .
And when the English didn’t understand one word of my poetic argument . . .
They gave me back my tarragon and closed the investigation . . .
13
From Khan Asad Basha
Abu Khalil al-Qabbani emerges . . .
In his damask robe . . .
And his brocaded turban . . .
And his eyes haunted with questions . . .
Like Hamlet’s
He attempts to present an avant-garde play
But they demand Karagoz’s tent . . .
He tries to present a text from Shakespeare
They ask him about the news of al-Zir . . .
He tries to find a single female voice
To sing with him . . .
“Oh That of Sham”
They load up their Ottoman rifles,
And fire into every rose tree
That sings professionally . . .
He tries to find a single woman
To repeat after him:
“Oh bird of birds, oh dove”
They unsheathe their knives
And slaughter all the descendents of doves . . .
And all the descendents of women . . .
After a hundred years . . .
Damascus apologized to Abu Khalil al-Qabbani
And they erected a magnificent theater in his name.
14
I put on the jubbah of Muhyi al-Din Ibn al-Arabi
I descend from the peak of Mt. Qassiun
Carrying for the children of the city . . .
Peaches
Pomegranates
And sesame halawa . . .
And for its women . . .
Necklaces of turquoise . . .
And poems of love . . .
I enter . . .
A long tunnel of sparrows
Gillyflowers . . .
Hibiscus . . .
Clustered jasmine . . .
And I enter the questions of perfume . . .
And my schoolbag is lost from me
And the copper lunch case . . .
In which I used to carry my food . . .
And the blue beads
That my mother used to hang on my chest
So People of Sham
He among you who finds me . . .
let him return me to Umm Mu’ataz
And God’s reward will be his
I am your green sparrow . . . People of Sham
So he among you who finds me . . .
let him feed me a grain of wheat . . .
I am your Damascene rose . . . People of Sham
So he among you who finds me . . .
let him place me in the first vase . . .
I am your mad poet . . . People of Sham
So he among you who sees me . . .
let him take a souvenir photograph of me
Before I recover from my enchanting insanity . . .
I am your fugitive moon . . . People of Sham
So he among you who sees me . . .
Let him donate to me a bed . . . and a wool blanket . . .
Because I haven’t slept for centuries
Nizar Qabbani
Language
When a man is in love
how can he use old words?
Should a woman
desiring her lover
lie down with
grammarians and linguists?
I said nothing
to the woman I loved
but gathered
love's adjectives into a suitcase
and fled from all languages.
Nizar Qabbani
Jerusalem
I wept until my tears were dry
I prayed until the candles flickered
I knelt until the floor creaked
I asked about Mohammed and Christ
Oh Jerusalem, the fragrance of prophets
The shortest path between earth and sky
Oh Jerusalem, the citadel of laws
A beautiful child with fingers charred
and downcast eyes
You are the shady oasis passed by the Prophet
Your streets are melancholy
Your minarets are mourning
You, the young maiden dressed in black
Who rings the bells in the Nativity
On Saturday morning?
Who brings toys for the children
On Christmas eve?
Oh Jerusalem, the city of sorrow
A big tear wandering in the eye
Who will halt the aggression
On you, the pearl of religions?
Who will wash your bloody walls?
Who will safeguard the Bible?
Who will rescue the Quran?
Who will save Christ?
Who will save man?
Oh Jerusalem my town
Oh Jerusalem my love
Tomorrow the lemon trees will blossom
And the olive trees will rejoice
Your eyes will dance
The migrant pigeons will return
To your sacred roofs
And your children will play again
And fathers and sons will meet
On your rosy hills
My town
The town of peace and olives.
Nizar Qabbani
Damascus, What Are You Doing to Me?
1
My voice rings out, this time, from Damascus
It rings out from the house of my mother and father
In Sham. The geography of my body changes.
The cells of my blood become green.
My alphabet is green.
In Sham. A new mouth emerges for my mouth
A new voice emerges for my voice
And my fingers
Become a tribe
2
I return to Damascus
Riding on the backs of clouds
Riding the two most beautiful horses in the world
The horse of passion.
The horse of poetry.
I return after sixty years
To search for my umbilical cord,
For the Damascene barber who circumcised me,
For the midwife who tossed me in the basin under the bed
And received a gold lira from my father,
She left our house
On that day in March of 1923
Her hands stained with the blood of the poem…
3
I return to the womb in which I was formed . . .
To the first book I read in it . . .
To the first woman who taught me
The geography of love . . .
And the geography of women . . .
4
I return
After my limbs have been strewn across all the continents
And my cough has been scattered in all the hotels
After my mother’s sheets scented with laurel soap
I have found no other bed to sleep on . . .
And after the “bride” of oil and thyme
That she would roll up for me
No longer does any other 'bride' in the world please me
And after the quince jam she would make with her own hands
I am no longer enthusiastic about breakfast in the morning
And after the blackberry drink that she would make
No other wine intoxicates me . . .
5
I enter the courtyard of the Umayyad Mosque
And greet everyone in it
Corner to . . . corner
Tile to . . . tile
Dove to . . . dove
I wander in the gardens of Kufi script
And pluck beautiful flowers of God’s words
And hear with my eye the voice of the mosaics
And the music of agate prayer beads
A state of revelation and rapture overtakes me,
So I climb the steps of the first minaret that encounters me
Calling:
“Come to the jasmine”
“Come to the jasmine”
6
Returning to you
Stained by the rains of my longing
Returning to fill my pockets
With nuts, green plums, and green almonds
Returning to my oyster shell
Returning to my birth bed
For the fountains of Versailles
Are no compensation for the Fountain Café
And Les Halles in Paris
Is no compensation for the Friday market
And Buckingham Palace in London
Is no compensation for Azem Palace
And the pigeons of San Marco in Venice
Are no more blessed than the doves in the Umayyad Mosque
And Napoleon’s tomb in Les Invalides
Is no more glorious than the tomb of Salah al-Din Al-Ayyubi…
7
I wander in the narrow alleys of Damascus.
Behind the windows, honeyed eyes awake
And greet me . . .
The stars wear their gold bracelets
And greet me
And the pigeons alight from their towers
And greet me
And the clean Shami cats come out
Who were born with us . . .
Grew up with us . . .
And married with us . . .
To greet me . . .
8
I immerse myself in the Buzurriya Souq
Set a sail in a cloud of spices
Clouds of cloves
And cinnamon . . .
And camomile . . .
I perform ablutions in rose water once.
And in the water of passion many times . . .
And I forget—while in the Souq al-‘Attarine—
All the concoctions of Nina Ricci . . .
And Coco Chanel . . .
What are you doing to me Damascus?
How have you changed my culture? My aesthetic taste?
For I have been made to forget the ringing of cups of licorice
The piano concerto of Rachmaninoff . . .
How do the gardens of Sham transform me?
For I have become the first conductor in the world
That leads an orchestra from a willow tree!!
9
I have come to you . . .
From the history of the Damascene rose
That condenses the history of perfume . . .
From the memory of al-Mutanabbi
That condenses the history of poetry . . .
I have come to you . . .
From the blossoms of bitter orange . . .
And the dahlia . . .
And the narcissus . . .
And the 'nice boy' . . .
That first taught me drawing . . .
I have come to you . . .
From the laughter of Shami women
That first taught me music . . .
And the beginning of adolesence
From the spouts of our alley
That first taught me crying
And from my mother’s prayer rug
That first taught me
The path to God . . .
10
I open the drawers of memory
One . . . then another
I remember my father . . .
Coming out of his workshop on Mu’awiya Alley
I remember the horse-drawn carts . . .
And the sellers of prickly pears . . .
And the cafés of al-Rubwa
That nearly—after five flasks of ‘araq—
Fall into the river
I remember the colored towels
As they dance on the door of Hammam al-Khayyatin
As if they were celebrating their national holiday.
I remember the Damascene houses
With their copper doorknobs
And their ceilings decorated with glazed tiles
And their interior courtyards
That remind you of descriptions of heaven . . .
11
The Damascene House
Is beyond the architectural text
The design of our homes . . .
Is based on an emotional foundation
For every house leans . . . on the hip of another
And every balcony . . .
Extends its hand to another facing it
Damascene houses are loving houses . . .
They greet one another in the morning . . .
And exchange visits . . .
Secretly—at night . . .
12
When I was a diplomat in Britain
Thirty years ago
My mother would send letters at the beginning of Spring
Inside each letter . . .
A bundle of tarragon . . .
And when the English suspected my letters
They took them to the laboratory
And turned them over to Scotland Yard
And explosives experts.
And when they grew weary of me . . . and my tarragon
They would ask: Tell us, by god . . .
What is the name of this magical herb that has made us dizzy?
Is it a talisman?
Medicine?
A secret code?
What is it called in English?
I said to them: It’s difficult for me to explain…
For tarragon is a language that only the gardens of Sham speak
It is our sacred herb . . .
Our perfumed eloquence
And if your great poet Shakespeare had known of tarragon
His plays would have been better . . .
In brief . . .
My mother is a wonderful woman . . . she loves me greatly . . .
And whenever she missed me
She would send me a bunch of tarragon . . .
Because for her, tarragon is the emotional equivalent
To the words: my darling . . .
And when the English didn’t understand one word of my poetic argument . . .
They gave me back my tarragon and closed the investigation . . .
13
From Khan Asad Basha
Abu Khalil al-Qabbani emerges . . .
In his damask robe . . .
And his brocaded turban . . .
And his eyes haunted with questions . . .
Like Hamlet’s
He attempts to present an avant-garde play
But they demand Karagoz’s tent . . .
He tries to present a text from Shakespeare
They ask him about the news of al-Zir . . .
He tries to find a single female voice
To sing with him . . .
“Oh That of Sham”
They load up their Ottoman rifles,
And fire into every rose tree
That sings professionally . . .
He tries to find a single woman
To repeat after him:
“Oh bird of birds, oh dove”
They unsheathe their knives
And slaughter all the descendents of doves . . .
And all the descendents of women . . .
After a hundred years . . .
Damascus apologized to Abu Khalil al-Qabbani
And they erected a magnificent theater in his name.
14
I put on the jubbah of Muhyi al-Din Ibn al-Arabi
I descend from the peak of Mt. Qassiun
Carrying for the children of the city . . .
Peaches
Pomegranates
And sesame halawa . . .
And for its women . . .
Necklaces of turquoise . . .
And poems of love . . .
I enter . . .
A long tunnel of sparrows
Gillyflowers . . .
Hibiscus . . .
Clustered jasmine . . .
And I enter the questions of perfume . . .
And my schoolbag is lost from me
And the copper lunch case . . .
In which I used to carry my food . . .
And the blue beads
That my mother used to hang on my chest
So People of Sham
He among you who finds me . . .
let him return me to Umm Mu’ataz
And God’s reward will be his
I am your green sparrow . . . People of Sham
So he among you who finds me . . .
let him feed me a grain of wheat . . .
I am your Damascene rose . . . People of Sham
So he among you who finds me . . .
let him place me in the first vase . . .
I am your mad poet . . . People of Sham
So he among you who sees me . . .
let him take a souvenir photograph of me
Before I recover from my enchanting insanity . . .
I am your fugitive moon . . . People of Sham
So he among you who sees me . . .
Let him donate to me a bed . . . and a wool blanket . . .
Because I haven’t slept for centuries
Nizar Qabbani
Language
When a man is in love
how can he use old words?
Should a woman
desiring her lover
lie down with
grammarians and linguists?
I said nothing
to the woman I loved
but gathered
love's adjectives into a suitcase
and fled from all languages.
Nizar Qabbani
lunedì 4 luglio 2011
Inarqueologias
http://www.youtube.com/watch?v=1BDBcKW72Oc
In- arqueologia de uns Heráclito apenas anarqueologizados no castelo de Sappho, Scala Eressou.
A pedra, diz o Sufiati, se safou.
In- arqueologia de uns Heráclito apenas anarqueologizados no castelo de Sappho, Scala Eressou.
A pedra, diz o Sufiati, se safou.
A spot in Lesbos
I remembered you told me
on the beautiful, magnificent landscapes
i shiver
i shrink
i collapse
beauty makes me uncapable
i feel like a spot in the white dress
who was talking about objects?
on the beautiful, magnificent landscapes
i shiver
i shrink
i collapse
beauty makes me uncapable
i feel like a spot in the white dress
who was talking about objects?
lunedì 20 giugno 2011
In the company of anonymous materials
in an unknown street of Selçuc
on a timid Wednesday afternoon
a cash machine recognised me
brought my money all the way from the overseas bank
and wrote me a note
must have been the copper inside the small and rich device
that copper maybe empathised with my odd early years
its atoms were also once an unfit infant
that grew up to be a node, hardened and speedy,
and now turn their particles in cumplicity
had to run to catch the boat for Mytilini
under the metal ceiling, i lie down and watch the waves
projected from the windows on the white metal paint on top of me
the paint is not there to broadcast waters
its matter, though, soaks the seaways
must have been the pigment inside the spotless surface
its runaway fragments, longing to run amok,
craving to grasp the foam garments of the salted water
spreading the movement with envy and precision
and flagging that it also would rather be less tamed
on a timid Wednesday afternoon
a cash machine recognised me
brought my money all the way from the overseas bank
and wrote me a note
must have been the copper inside the small and rich device
that copper maybe empathised with my odd early years
its atoms were also once an unfit infant
that grew up to be a node, hardened and speedy,
and now turn their particles in cumplicity
had to run to catch the boat for Mytilini
under the metal ceiling, i lie down and watch the waves
projected from the windows on the white metal paint on top of me
the paint is not there to broadcast waters
its matter, though, soaks the seaways
must have been the pigment inside the spotless surface
its runaway fragments, longing to run amok,
craving to grasp the foam garments of the salted water
spreading the movement with envy and precision
and flagging that it also would rather be less tamed
sabato 18 giugno 2011
a Cavafy well from Greece
Very Seldom
An old man -- used up, bent,
crippled by time and indulgence--
slowly walks along the narrow street.
But when he goes inside his house to hide
the shambles of his old age, his mind turns
to the share in youth that still belongs to him.
His verse is now quoted by young men.
His visions come before their lively eyes.
Their healthy sensual minds,
their shapely taut bodies,
stir to his perception of the beautiful.
Constantine P. Cavafy
An old man -- used up, bent,
crippled by time and indulgence--
slowly walks along the narrow street.
But when he goes inside his house to hide
the shambles of his old age, his mind turns
to the share in youth that still belongs to him.
His verse is now quoted by young men.
His visions come before their lively eyes.
Their healthy sensual minds,
their shapely taut bodies,
stir to his perception of the beautiful.
Constantine P. Cavafy
giovedì 9 giugno 2011
Fantástica Ito
Esse artigo de Keitaro Morita sobre Ito apareceu na última REF, tradução de Alice Gabriel (com a boa mão de Sandra Micheli)
Ecopoeta queer? Uma análise de "Chitô [Tito]", da poeta japonesa Hiromi Ito1
Keitaro Morita
Rikkyo University, Japan
Introdução
O conceito de natureza tem sido caracterizado poruma série de dicotomias diferentes, dentre as quais sãoexemplos paradigmáticos as dicotomias natureza externa/natureza interna e ambiente natural/corpo,2 como argumentaram, nomeadamente, o filósofo Michael LaBossiere,3o escritor naturalista Kazue Morisaki,4 a ecofeminista Natsuko Hagiwara,5 e o presente autor.6 A crítica ambiental tem feito análises unilaterais ignorando amplamente o lado direito de tais dualismos – natureza interna e corpo – sob a influência mais ou menos consciente de tabus socioculturais e acadêmicos, desencorajando pessoas japonesas de falarem pública e explicitamente sobre o assunto, com a exceção de algumas formas de crítica ecofeminista,7 cuja 'disciplina' não tem grande influência no Japão.
Meu trabalho enfoca essas dimensões suprimidas através de um exame do poema "Chitô [Tito]", retirado do livro Noro to Saniwa8 [Noro e Saniwa].9 Particular destaque será dado à sexualidade, principalmente à queeridade, na natureza interna e no corpo, seguindo Michel Foucault que, em História da sexualidade,10 argumenta que, na sociedade moderna, o corpo ou natureza interna é construído como sexuado ou sexualizado, e Seiichi Tanuma,11 que afirma que todas as coisas vivas consistem em sexualidade e morte.
Queeridade será a palavra-chave para a concepção analítica do presente trabalho. De acordo com o estudioso de teoria queer Kazuya Kawaguchi,12 o termo "queer" deveria ser autorrotulado e não imposto por outras pessoas; verdade, como demonstrarei mais a frente, a representação sexual de Ito no poema não é a partida tributária das representações habitualmente chamadas de queer; no entanto, para propósitos analíticos, tomarei a liberdade de 'impor' ao poema de Ito o termo ou 'rótulo' de queer.
Subsidiando minha leitura estão as perspectivas de várias teóricas ecofeministas e queer. Desde a segunda metade da década de 1990, elas têm integrado uma perspectiva queer às teorias ecofeministas e chamado a atenção para a relação entre o ambiente natural e a sexualidade/ gênero. Um dos primeiros trabalhos representativos a este respeito inclui o artigo "Toward a Queer Ecofeminism",13 de Greta Gaard, que argumenta que ao ecofeminismo convencional falta a variável de sexualidade, o que torna a homofobia e a erotofobia problemáticas na cultura ocidental; e considera que a emancipação das mulheres/gênero requer a emancipação da natureza e queers. Apesar de a perspectiva de gênero ser uma variável conectada com a sexualidade, ela não estará incorporada explicitamente neste trabalho, principalmente por limitações de espaço.14
Quem é Hiromi Ito?
Antes de discutir o poema de Ito, importa prestar alguma atenção a sua biografia. Hiromi Ito, uma das poetas contemporâneas do Japão mais amplamente reconhecidas, nasceu em 1955. Ela publicou seu primeiro livro de poesia, Kusaki no Uta [Canções das plantas e do céu] em 1978, seguido por um grande número de livros de poesia, novelas, ensaios etc. Depois de divorciar-se de seu marido japonês, Ito mudou-se, em 1997, para a Califórnia, onde vive desde então com seu marido inglês e suas três filhas (suas duas primeiras filhas de seu primeiro casamento e a terceira de seu marido atual). Ela viaja constantemente entre Kumamoto, no Japão, e Califórnia, EUA, para cuidar de seus pais idosos.
Ito admitiu ter sofrido de anorexia, durante sua puberdade, e desejado tornar-se andrógina, de gênero neutro, e/ou até mesmo sem gênero – como ela confessa: "eu era um travesti, tive anorexia, e quis remover meus seios e parar de menstruar".15 Ito causou comoção, certa vez, por apresentar-se como uma mulher japonesa não tradicional, quando afirmou16 provocativamente que "um feto são fezes".17Bastante influenciada pelo feminismo, ela tem sido, desde a década de 1980, uma pioneira entre mulheres poetas.
Ito tem recebido vários rótulos como, por exemplo, "intelectual iluminada", "terra fértil, produzindo uma grande pilha de poemas", "um poeta mulher/que expressa a mulheridade" e "uma 'poetiza' que escreve sobre a sensibilidade feminina de uma maneira bastante hábil". Seus poemas já foram descritos como "centrados no corpo",18 "xamanísticos",19"maravilhosamente orgânicos",20 "encorporando radicalmente seu próprio sentido de corpo e voz",21 e "expressando radicalmente a vida e o Eros com base em seu sentido psicológico".22
Uma prolífica e bem-sucedida escritora de eco/ poemas, novelas e ensaios deu vida às seguintes publicações 'verdes', que transbordam com passagens e imagens do ambiente natural: Kusaki no uta [Canções das plantas e do céu] (1978), Aoume [Ameixas verdes] (1982), Ranînya [La niña] (1999), Midori no obasan [Senhora verde] (2005), Kawara arekusa [Grama selvagem para além do rio] (2005), e Koyôte songu [A canção do coiote] (2007).
Ito recebeu alguns dos prêmios de literatura mais prestigiados do Japão, incluindo o 21º Prêmio de Literatura Noma pelo livro Ranînya; o Prêmio Takami Jun por Kawara arekusa; o 15º Prêmio Sakurato Hagiwara e o 18º Prêmio de Literatura Murasaki Shikibu pelo livro Togenuki: Shin-sugamo jizô engi [O puxador de espinho: novas lendas do bodhisattava jizo em Sugamo].
O poema ecoqueer de Hiromi Ito: "Chitô"
O poema ecoqueer "Chitô", de Hiromi Ito, foco principal deste trabalho, está incluído no livro Noro to Saniwa, publicado em 1991 e escrito em coautoria por Ito e a socióloga e feminista Chizuko Ueno. O livro está dividido nos seguintes 12 capítulos: "Linguagem", "Intercurso", "Buraco", "Homem", "Masturbação", "Defecação", "Filha", "Meia Idade", "Masoquismo", "Desejo", "Lesbiandade" e "Exílio". Cada capítulo consiste em um poema de Ito, seguido de um ensaio interpretativo de Ueno, e o poema "Chitô" está no capítulo "Lesbiandade". "Chitô" começa com a seguinte estrofe, marcadamente 'verde', que alude metaforicamente à mobilidade internacional de Ito, usando imagens e objetos naturais:
a umidade baixa torna difícil respirar
até minhas narinas secaram
apesar de enxergar muito bem a distância
agora que está tão longe de lá eu não sei
tendo vivido nas florestas lucidófilas eu não tive a chance de saber
como as nuvens cobrem os campos planos
como o vento sopra
e mesmo se a grama parece nova e verde
na distância próxima elas apenas se derramam
eu não tive a chance de saber
Aqui, com base no livro Saibai Shokubutsu to Nôkô no Kigen [Plantas cultivadas e a origem da agricultura], da botânica Sasuke Nakao,23 "as florestas lucidófilas" referemse ao Japão, à terra natal de Ito, que é bastante conhecida por sua umidade. Nakao categoriza as culturas mundiais em termos de agricultura e atribui ao Japão o cultivo da floresta lucidófila. Por outro lado, levando em consideração o fato de que na época em que o livro foi lançado a poeta já havia visitado os EUA procurando ver com seus próprios olhos os tão almejados coiotes,24 os "campos planos" podem ser associados à paisagem norte-americana, geograficamente distante do Japão.
De repente a cena muda, e a mobilidade geográfica metamorfoseia-se em mobilidade sexual; a poeta move-se de seu desejo reconhecido da heterossexualidade para seu desejo não reconhecido de homossexualidade, ou, nesse caso, lesbiandade. Vale a pena citar longamente a estrofe:
eu não sabia para onde ela queria ir
porque apenas trocamos poemas por um ano
naturalmente eu não sabia, não queria saber
porque apenas trocamos poemas por um ano e nos encontramos várias vezes
naturalmente não pensei que houvesse razão pra saber
nós apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes
nos beijamos várias vezes, e trepamos várias vezes
naturalmente, não havia necessidade de saber
porque apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes, nos beijamos várias vezes e trepamos várias vezes
eu também emprestei meu casaco a ela
eu não lhe pedi nada, não fiquei obcecada com nada
sua estrutura óssea bem menor que a minha
de modo que o casaco a cobriu completamente
o casaco também me cobriu completamente
toda mulher que usa
se torna heterossexual, desejando ser coberta por um homem com o casaco estratégico
antes de emprestar a ela, eu o usei e trepei com um homem num carro
quente quando o aquecedor estava ligado
frio quando desligado
coberta pelo casaco estratégico muitas, muitas e muitas vezes
eu gozei
e depois o casaco cobriu ela.
Na linha da poeta Adriene Rich,25 nessa estrofe, Ito problematiza e desnaturaliza o código culturalmente dominante do heterossexismo e seu padrão de gênero desigual: o macho é ativo, sádico e desejante; a fêmea é passiva, masoquista e desejada. Apesar de a poeta ter reconhecido sua heterossexualidade numa conversa com o linguista Katsuhiko Tanaka,26 nesse poema em particular, ela de fato questiona as noções de sexualidade do "senso comum" buscando uma de-segregação27 das dicotomias heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino e, portanto, propondo uma re-avaliação queer da sexualidade
Nesse aspecto, Ito subscreve implicitamente a recusa de Freud em designar a homossexualidade como um terceiro sexo e as pessoas homossexuais como uma raça separada e, por isso, é importante resumir suas ideias principais sobre essa questão aqui. Em seu texto pioneiro "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Sigmund Freud discute que
A pesquisa psicanalítica opõe-se firmemente a qualquer tentativa para a separação dos homossexuais do resto da humanidade, considerando-os como um grupo com características especiais. Ao estudar outras excitações sexuais além das questões que são manifestamente apresentadas, a psicanálise descobriu que todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objeto homossexual e até a fizeram de fato no seu inconsciente. Na verdade, vinculações libidinais por pessoas do mesmo sexo desempenham um papel como fatores na vida mental normal […] mais do que vinculações similares ao sexo oposto.28
Ao insistir no fato de que todas/os somos capazes de fazer uma "escolha de objeto homossexual", e de fato o temos feito, mesmo que inconscientemente, e que essa escolha é parte da "vida mental normal", Freud subverte a ideia de que a homossexualidade é problemática.
Para entender completamente as implicações radicais das ideias de Freud, deve-se necessariamente prestar atenção a sua teoria da sexualidade infantil. Ela nos narra que nascemos possuindo um desejo indiferenciado e polimorfo e que, por isso, somos capazes de responder eroticamente a todo o tipo de objetos e experiências: de seios a dedões, e de movimentos intestinais a chocalhos. Durante esse período, as crianças não percebem a diferença sexual, e garotinhas, sem saberem ainda de sua 'castração', comportam-se de maneira 'masculina'. Nas fases posteriores, quando o conhecimento das diferenças sexuais/de gênero emerge, entramos no estágio edípico; através do complexo de Édipo a criança resolve o tabu do incesto e aprende a separar o desejo em duas coisas: identificação e escolha de objeto. Freud sugere aqui que a sexualidade é algo que se adquire, e não um dado biológico, inato, que define um destino, mas sim um artefato humano, e por isso mesmo não natural, mas cultural: "Desta forma, do ponto de vista da psicanálise, o interesse de homens por mulheres é também um problema que necessita elucidação e não um fato autoevidente baseado numa atração que é em última instância de natureza química".29
Voltando ao poema de Ito, essa desnaturalização da heterossexualidade é incorporada no artefato que as duas mulheres amantes trocam, o casaco. Em seu ensaio30em resposta ao poema, e colocado logo após ele – sugestivamente chamado de Kôto shimai [Irmãs de casaco] –, a coautora do livro, Chizuko Ueno, negando que a troca sexual da poeta com 'ela' (sugestivamente referindo-se a Ueno) deva ser considerada de maneira muito literal, designa a troca do casaco como magarashi ou o empréstimo de um pênis. Isso está de acordo com a visão de Freud de que capas ou casacos funcionam como símbolos sexuais masculinos.31
A desnaturalização da heterossexualidade por Ito acontece na terceira estrofe; agora, porém, está mais focada nas associações sadomasoquistas. Ao assumir para si mesma papéis que têm sido atribuídos a parceiras/os distintas/os, mas complementares – um sádico e outra masoquista –, e destacando o sentido tanto da existência quanto da satisfação sexual que daí deriva, Ito parece sugerir uma utopia onanista privada, que é evidentemente não heterossexual. Ela se retirou para o mais privado dos espaços, o corpo, onde está aparentemente no controle:
aos trinta e quatro anos, imediatamente depois de me recuperar de um resfriado, peguei outro resfriado
passei o inverno tossindo
a tosse para chamar atenção do outro é passiva
mais agressivamente, agressivamente,
decidi cortar fora as pontas dos meus dedos
as pontas latejantes que jorravam sangue
do corte veio um vento sibilante
a existência,
satisfação sexual,
No entanto, a poeta ainda não consegue achar aí realização e/ou um abrigo e, por isso, transforma seu desejo não realizado em identificação. Como é revelado pelo título do poema, o objeto de sua identificação é Tito, o coiote fêmea que aparece num livro bastante apreciado pela poeta, Seton's Wild Animals.32 A história é contada pungentemente na quarta estrofe:
não se mova
você será cheirada
eu posso prever um perigo
e me fingir de morta até que ele passe
foi isso que o coiote inteligente aprendeu quando capturado por humanas/os,
foi a sabedoria mais valiosa, diz o livro
a história do coiote sábio no Seton's Wild Animals era minha favorita
Tito, o coiote fêmea era mais inteligente que os coiotes machos
Logo após Tito nascer os membros de sua família foram todos mortos
ela foi aprisionada por humanos
depois voltou aos campos e à caça
com cuidado pariu e nutriu sua cria
eu quero me tornar Tito
eu tentei me tornar Tito
É significativo que o coiote seja tradicionalmente associado com a falta de raízes, com a marginalidade e com a resistência em situações adversas. O coiote é um símbolo místico na literatura dos povos nativos da América do Norte que interessava Ito, a personificação da malandragem, aquele que é capaz dos atos mais bravos, mas também dos mais covardes, e é um sobrevivente que se adapta e aprende com seus sofrimentos e erros. Entretanto, os americanos brancos não concedem aos coiotes tamanho respeito, perseguindo-os, suprimindo-os e os designando como um animal tabu. As duas últimas linhas traem o desejo da poeta de identificar-se com Tito; elas nos dizem que, apesar de sua vontade e esforços, ela não é capaz de se transfigurar/transformar em Tito, a coiote inteligente, flexível e corajosa, que fora um dia sem raízes, marginal, covarde por ter perdido seus familiares devido à perseguição e à supressão.
A identificação tem um nome implícito: dependência. E assim é porque identificar-se com alguém ou alguma coisa implica que você dependa dessa pessoa ou coisa. Na quinta estrofe, o foco da poeta em nossa dependência forçada da família nuclear, em nosso processo de adquirir uma de nossas capacidades mais básicas, a linguagem, nos leva de volta a Freud. De fato, sua teoria da sexualidade infantil fornece novamente uma pista inestimável para interpretarmos o poema de Ito. A referência marcante à analidade não pode senão evocar as reflexões de Freud sobre a condição polimorfa e indiferenciada da sexualidade infantil, que ele considera como um estado bastante narcisista/autoerótico. Na formulação de Freud, as características essenciais dos homossexuais "parecem ser a operação de uma escolha objetal narcisista e a retenção do significado erótico da zona anal".33 Freud acrescenta que "o que vemos como uma explicação aparentemente suficiente destes tipos pode se mostrar igualmente presente, embora de maneira menos forte, na constituição [...] daqueles cuja atitude manifestada é normal".34 Aqui Freud propõe que a tradicional repressão heterossexual a essa forma de libido autoerótica é frágil, problemática, em uma palavra: não natural. Desse jeito, a poeta exibe sem inibição sua fixação no estágio anal e seu significado erótico:
Eu penso sobre ensinar a um outro a linguagem
Catalizador
Psicanálise
A existência como Mãe, Pai ou cuidadora
Eu penso sobre ser ensinada uma linguagem
A dependência, a família que leva à codependência, o envelhecimento
Ter um outro a lamber meu cu é prazer
Ter um outro a lamber pedaços de merda é um prazer maior ainda
Na última frase, a poeta sugere de forma ambígua que essa fixação na analidade foi trazida a sua vida adulta e ter 'o outro' a lamber seu cu ou a 'lamber pedaços de merda' ao redor de seu ânus torna-se uma fonte transgressiva de prazer erótico. Ueno alega que, nas obras de Ito, ela "se gruda à superfície do corpo, escrevendo sobre pele, cabelo, unhas, pintas – todas essas anomalias que ocorrem nas fronteiras do eu, essas coisas que marcam a interface entre o corpo e o mundo externo".35 O ânus é sem dúvida um dos limites do corpo e, portanto, uma anomalia ou um item queer, eu diria.
Depois, Ito dirige sua atenção à 'prisão da linguagem', o sistema categorial linguístico incessantemente ensinado pela Mãe, pelo Pai, pela cuidadora, e aquelas pessoas que nos cercam. Na quinta estrofe, a respeito do "gargalo" da linguagem, ela reitera:
A linguagem é ingovernável
A relação entre ensinar uma linguagem e aprendê-la é patológica
A/o falante sacudida
Quanto mais próxima você chega ao osso, à pele, aos olhos, ao lábio
E como resultado eu sou meu osso, minha pele, meus olhos, meus lábios
Quanto custa a entender que
Quero perder
Quero perder a linguagem
Também quero perder os órgãos, a respiração e a voz
Quando completei trinta e cinco anos, da língua e dos órgãos
Percebi que já tinha o bastante, da menstruação, também
Umberto Eco afirma que os signos, incluindo a linguagem, são meros substitutos para outras coisas. Assim sendo, não obstante o quanto alguém se esforce para alcançar o significado através do significante, ela/e nunca completa essa tarefa. Ela/e não consegue dominar a linguagem, e a língua feroz e indomável é interpretada de forma diferente, adquire asas, e começa a se jogar sobre a/o possuidora/possuidor. Ito confessou "ter sempre o desejo de destruir [a língua japonesa] e escapar dela",36 bem como ter experimentado a angústia de ser incapaz de escrever poemas, porque ela sentia que escrevia "imitando sua própria linguagem".37 Desejando não ser vítima da trama da linguagem, Ito anseia abandonar não apenas a própria língua, mas também as partes do corpo e das funções que a articulam, isto é, os órgãos, a respiração e a voz. Desprezar essas coisas é só um pequeno passo em direção a odiar seu corpo feminino e, consequentemente, sua feminilidade, simbolizada pela "menstruação", como se isso fosse abjeto. Ito tem lutado com sua feminilidade, desde sua juventude, supostamente por causa de sua "individualidade máscula" que "não permite uma reconciliação fácil com sua feminilidade".38
Entretanto, depois de perceber que não consegue escapar da prisão da linguagem, do "gargalo" de seu corpo e da sua feminilidade, ela decide fugir. A sexta estrofe nos conta dessa escapada:
Eu subo em algum veículo
Viajo
Me sento em um café e como, bebo,
Fujo, viajo, esqueço a obsessão
O céu cheio de nuvens, vai chover em breve
Ito parece estar ainda nos EUA, onde muitos coiotes podem ser vistos. Além disso, embora a voz possa ser seguida por todo o poema, aqui, Ito incorpora de forma notável a voz do Outro; neste caso, como informado em uma nota no final do poema, ela toma de empréstimo as palavras da cantora Joni Mitchell na canção Hejira – palavra cujo significado semântico é o asilo, o exílio ou migração originalmente derivada da fuga de Maomé de Meca. Ito divorciou-se próximo ao momento em que este poema foi criado e o trecho acima parece sugerir tal separação e fuga da conexão. Ao estabelecer uma relação intertextual com Hejira, Ito traz para o poema os temas do amor transgressor e reprimido associado às ideias de escapar de um ambiente hostil e a escolha difícil entre percorrer a amplitude das extremidades ou seguir em linha reta. Entre parênteses, o efeito da voz ecoante do outro "imbui seu trabalho [de Ito] de uma polivocalidade [...] fazendo a multiplicidade de vozes uma parte intrínseca do seu estilo"39e faz com que o poema não seja "vítima de uma monofonia monótona e egoísta".40
Fazendo esporadicamente pausas, ela continua a fugir e tenta esquecer a obsessão. No entanto, a obsessão da poeta com seu eu nunca vai embora e, muitas vezes, beira perigosamente o comportamento obsessivo-compulsivo em relação a sua identidade:41
Eu é que tenho sede
Eu é que tenho sede e bebo água
Eu é que penso em homens
Eu é que o fumo
Eu é que como chocolate
Eu é que eu vomito, eu é que como, eu é que mato, eu é que trepo, sou eu
Que respiro, sou eu
Que lavo as mãos, sou eu
que quero fazer meu desejo viajar
Penetrar por todos os poros
Por todo o meu corpo
Ishii42 atribui uma intensidade de oralidade à poesia de Ito devido a sua escolha de palavras simples e repetição tática. Nas linhas acima, as palavras repetidas "Eu é que" inevitavelmente despertam em nós a imagem de compulsão obsessiva de Ito com seu eu, sua identidade. Ito uma vez confessou que, "porque eu não recebi estímulos de fora, só posso explorar a mim mesma",43 revelando a sua introversão, seu grudar-se em si mesma.
Os versos acima são permeados por símbolos carregados sexualmente, como a água simbolizando o sêmen, o cigarro simbolizando o pênis, e o chocolate simbolizando o desejo sexual. Além disso, ser anoréxica – comer e vomitar –, como Ito costumava ser durante a puberdade, sugere um desejo de possuir e confirmar o seu corpo, seu eu: "A anorexia é um ato para confirmar seu próprio corpo. Olhando no espelho todos os dias você confirma o sentido de não comer e emagrecer e, portanto, mudar seu corpo".44
Falando de um antropólogo que mais tarde transformou-se em poeta, no ensaio Chimmoku eno / karano bômei [Asilo de silêncio], o estudioso de poesia Keijiro Suga observa:
Para ele [o antropólogo], o "eu" é o nó que continuamente se afrouxa, mas nunca se desata, e nele sinais enviados de várias coisas são amarrados, adquirem vozes, são desamarrados novamente, e espalhados em todas as direções. Esse "eu" nada mais é que um nó acústico a que todas as sombras fracas existentes no mundo convergem em um único clarão. No entanto, não importa o quão fracas elas sejam, não há possibilidade de que o vasto silêncio seja canalizado em uma outra voz, que não seja o nó do eu.45
Do mesmo modo, a/o poeta luta com a sua obsessão por encontrar um asilo de silêncio e canalizá-lo em várias vozes, como se tentasse construir e confirmar a sua identidade (seu eu) incansável e até excessivamente. O esforço, no entanto, prova ser em vão, da mesma forma que a linguagem como signo nunca representa e coincide completamente com o significado, ou com a complexidade. Assim, quando Ito reconhece que ela nunca vai chegar ao núcleo da identidade, se é que existe, ela sente-se compelida a voltar seus olhos para fora, para o Outro em um movimento semelhante ao que o estudioso e ecocrítico Kenichi Noda chama de "O Jogo de buscar o Outro".46 É amplamente difundida na academia a ideia de que o sujeito, o eu, só existe quando existem outros; em outras palavras, o sujeito moderno nada mais é que aquilo que se diferencia dos outros. Por essa razão, ao buscar sua identidade, a poeta primeiramente olha para um ser humano, um estranho que a faz tremer em seus ossos e, posteriormente, ela olha pela janela do carro para a paisagem, o que pode ser visto como outra forma de alteridade:
O toque de um desconhecido faz meus ossos tremerem
Eu vejo a paisagem através do para-brisa
As nuvens de chuva, o interior do carro, é arriscado que você não possa olhar para fora
Depois das nuvens de chuva no interior do carro, ela parece determinada a se colocar em movimento, como se para fugir da escuridão em que não se pode ver nenhum outro. As linhas seguintes são estranhamente reminiscentes da história de Tito, contada na quarta estrofe – sente-se o risco, o perigo iminente, e o cheiro animal –, mas, novamente, a poeta não consegue emular a coiote inteligente. Seu sentido do olfato não é tão poderoso e, ao contrário de Tito, ela não se reproduz e não dá à luz com facilidade. Em vez disso, como contraste, ela faz sexo casual e não reprodutivo com um estranho:
É arriscado, a menos que você se mova com cuidado
É difícil seguir o cheiro
Mas a caça também se move lentamente num dia chuvoso
Eu subo em algum veículo
Viajo
Me sento em um café e como, bebo,
Em algum lugar estranho e com um homem estranho eu trepo e adormeço
A ênfase na estranheza na linha final confirma o que se foi tornando evidente ao longo do poema: os homens que passam por ela são apenas isso – transeuntes marginalizados, anônimos, sem rosto e improváveis, não possuindo voz própria. Nós não temos nenhuma maneira de saber se esta é a vingança de Ito em relação a sua experiência traumática de sexo com homens; seja como for, os homens no poema são tratados como meros órgãos sexuais, corpos desmembrados desligados de uma identidade particular, e objetificados na forma do artefato "casaco". Pode-se dizer que, aqui, a poeta está aludindo às consequências negativas das distinções peremptórias, precipitadas e ingênuas entre sexualidades e entre os códigos de gênero – heterosexualidade/homosexualidade e masculino/feminino – que, sem dúvida alguma, sobrepõem-se às dicotomias delineadas no início deste artigo: a natureza exterior/ natureza interior e o ambiente natural/corpo.
Conclusão: Hiromi Ito como poeta ecoqueer
Neste artigo, propus-me classificar Hiromi Ito como uma poeta ecoqueer, com base em seu poema 'Chitô', no qual ela problematiza a fronteira entre heterossexualidade e homossexualidade47 ao questionar implicitamente a 'naturalidade' da heterossexualidade onipresente, e ao mostrar, de maneira desinibida, a retenção da significância erótica da sua analidade pré-edípica em suas explorações sexuais de adulta, bem como uma utopia onanista autossuficiente em sua relação SM de 'apenas uma mulher', e ao tratar os homens no poema como sendo meros corpos desmembrados e órgãos sexuais objetificados; além disso, sua queeridade encontra uma outra encorporação significativa em sua recusa em deixar-se cair nas armadilhas da identidade sexual ou sexualidade fixas. Nesse sentido, este trabalho concentrou-se sobre as dimensões esquecidas das dicotomias natureza exterior/natureza interior e ambiente natural/corpo, em seu ecopoema queer "Chitô".
O fenomenologista Max van Manen argumenta que "a poesia permite a expressão dos sentimentos mais intensos da forma mais intensa"48 e que "o poeta às vezes pode dar expressão linguística a algum aspecto da experiência humana que não pode ser parafraseado sem que se perca o sentido da veracidade vívida que as linhas do poema, de alguma maneira, são capazes de comunicar".49 A poeta ecoqueer Hiromi Ito, em seu poema "Chitô", não constitui exceção, já que ela expressa seus sentimentos queer mais intensos da natureza interior através da profusa utilização de imagens do ambiente natural, ou da natureza externa, e, assim, consegue com sucesso dar expressão linguística a algum aspecto queer da experiência humana com um sentido da veracidade vívida.50
Agradeço a Daniela Kato (University of Tokyo) e Walsh Neil (Tokyo Metropolitan University) por ouvir minhas ideias e fazer comentários úteis e incisivos.
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[Recebido em agosto de 2010 e aceito para publicação em dezembro de 2010]
1Texto publicado como "Queer Ecopoet?: An Analysis of "Chitô" [Tito] by Japanese Ecopoet Hiromi Ito", The Paulinian Compass, v. 1, n. 4, 2010.
2 O crítico Takaki OKUBO, 1996, que se dedica à literatura japonesa na virada do século XIX, reconhe-ce que, por volta dessa época, o corpo apareceu e foi tematizado na literatura como uma transfiguração do ambiente natural cultivado até então como um tema literário.
3 LABOSSIERE, 1994.
4 MORISAKI, 1990.
5 HAGIWARA, 2003.
6 MORITA, 2007.
7 Veja, por exemplo, o artigo de Michiyo ISHII, 1996, analisando o livro Refuge, da escritora Terry Tempest Williams, de uma perspectiva ecofeminista.
8 Hiromi ITO e Chizuko UENO, 1991.
9Noro é o nome da xamã ou sacerdotisa de Okinawa e Saniwa é sua intérprete. Pode-se induzir que no livro Ito desempenha o papel de noro e Ueno o de Saniwa.
10 FOUCAULT, 1990.
11 TANUMA, 2008.
12 KAWAGUCHI, 2003.
13 GAARD, 1997.
14 Sobre a inter-relação entre gênero e sexualidade, veja o estudo da teórica queer Eve Kosofsky SEDGWICK, 1985, e os estudos do acadêmico queer Shinichi INO, 2005. Para uma análise dos primeiros trabalhos de Ito, consulte a literatura da estudiosa Joanne QUIMBY, 2007.
15 ITO, 1989, p. 28.
16 ITO, 1985, p. 43.
17 Com relação a esse discurso, Kazue Morisaki, uma escritora japonesa da natureza feminina, aponta que "[o discurso de Ito] não é surpreendente, porque a natureza tem desaparecido e, portanto, ela [Ito] não pode encontrar a natureza em outro lugar que não seu corpo. Em outras palavras, é inevitável comparar a natureza ou o Outro dentro de si mesma (seu bebê) às fezes" (MORISAKI e UENO, 1991, p. 213). Aqui, obviamente, Morisaki reforça a dicotomia atrás referida entre natureza exterior/ natureza interior.
18 QUIMBY, 2007, p. 21.
19 Jeffrey ANGELS 2007, p. 51.
20 Tatsuhiko ISHII, 1999, p. 229.
21 ITO, 2002, p. 181 (observação sobre a poesia de Ito não é feita pela própria, mas sim na introdução da editora).
22 Nobuo AYUKAWA, Makoto OOKA e Toru KITAGAWA, 2006, p. 144.
23 NAKAO, 1966.
24 ITO, 1992.
25 RICH, 1986.
26 Nas palavras de Ito: "Uma vez que homens são interessantes, eu não consigo deixá-los. Acho que continuarei assim pelo resto de minha vida" (ITO e TANAKA, 2004, p. 53).
27 O termo "de-segregação" é utilizado pelo crítico queer Mark SIMPSON, 1994, para se referir às atitudes críticas que têm como alvo as noções de senso comum que segregam heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino.
28 FREUD, 1953, p. 145.
29 FREUD, 1953, p. 56-57.
30 UENO, 1991.
31 FREUD, 1922.
32 Note-se que Seton's Wild Animals foi uma antologia compilada no Japão, por Ernest Thompson Seton (1860-1946), um naturalista britânico, e que incluía uma grande variedade de trabalhos sobre animais.
33 FREUD, 1953, p. 146.
34 FREUD, 1953, p. 146.
35 UENO, 2007, p. 4.
36 ITO, 1993, p. 187.
37 Yuko TSUSHIMA e ITO, 2007, p. 315.
38 UENO, 2007, p. 4.
39 QUIMBY, 2007, p. 21.
40 Hideto TSUBOI, 1989, p. 32.
41 Nota da tradutora: Morita escreve identidade assim:'I-dentity' para sublinhar o caráter subjetivo. A eudentidade, poderíamos tentar escrever aportuguesando.
42 ISHII, 1999.
43 ITO, 1990, p. 20.
44 ITO, 1990, p. 20.
45 SUGA, 1992, p. 67.
46 NODA, 2003, p. 18.
47 A novelista japonesa Yoko Tawada, radicada na Alemanha, sustenta que a literatura é uma das formas de escapar do pensamento dicotômico (TAWADA, 2006, p. 11). Por outro lado, o estudioso de literatura Nobuaki TOCHIGI, 2006, argumenta que uma das características centrais da obra de Ito é o que ele chama de 'trans-'ings, ou aquilo que vai para além de várias coisas. No mesmo artigo, ele também fala sobre Noro to Saniwa, o livro que contém o poema ecoqueer 'Chitô', mencionando que tal livro "demonstra sua capacidade, como a de uma 'Noro' (xamã de Okinawa), de ir além da fronteira deste mundo, em direção ao outro mundo"(TOCHIGI, 2006); parafraseando e parodiando essa afirmação eu diria que, ao menos no poema 'Chitô', Ito tentou ir além da fronteira do mundo heterossexual, em direção a outro mundo, um mundo queer.
48 VAN MANEN, 1997, p. 70.
49 VAN MANEN, 1997, p. 71.
50 Nota da tradutora: todas as citações neste trabalho foram traduzidas para o inglês pelo autor a partir de fontes em japonês, salvo indicação em contrário, e seus títulos em inglês aparecem entre colchetes. Na tradução para o português, as citações foram traduzidas diretamente do texto em inglês fornecido pelo autor.
Ecopoeta queer? Uma análise de "Chitô [Tito]", da poeta japonesa Hiromi Ito1
Keitaro Morita
Rikkyo University, Japan
Introdução
O conceito de natureza tem sido caracterizado poruma série de dicotomias diferentes, dentre as quais sãoexemplos paradigmáticos as dicotomias natureza externa/natureza interna e ambiente natural/corpo,2 como argumentaram, nomeadamente, o filósofo Michael LaBossiere,3o escritor naturalista Kazue Morisaki,4 a ecofeminista Natsuko Hagiwara,5 e o presente autor.6 A crítica ambiental tem feito análises unilaterais ignorando amplamente o lado direito de tais dualismos – natureza interna e corpo – sob a influência mais ou menos consciente de tabus socioculturais e acadêmicos, desencorajando pessoas japonesas de falarem pública e explicitamente sobre o assunto, com a exceção de algumas formas de crítica ecofeminista,7 cuja 'disciplina' não tem grande influência no Japão.
Meu trabalho enfoca essas dimensões suprimidas através de um exame do poema "Chitô [Tito]", retirado do livro Noro to Saniwa8 [Noro e Saniwa].9 Particular destaque será dado à sexualidade, principalmente à queeridade, na natureza interna e no corpo, seguindo Michel Foucault que, em História da sexualidade,10 argumenta que, na sociedade moderna, o corpo ou natureza interna é construído como sexuado ou sexualizado, e Seiichi Tanuma,11 que afirma que todas as coisas vivas consistem em sexualidade e morte.
Queeridade será a palavra-chave para a concepção analítica do presente trabalho. De acordo com o estudioso de teoria queer Kazuya Kawaguchi,12 o termo "queer" deveria ser autorrotulado e não imposto por outras pessoas; verdade, como demonstrarei mais a frente, a representação sexual de Ito no poema não é a partida tributária das representações habitualmente chamadas de queer; no entanto, para propósitos analíticos, tomarei a liberdade de 'impor' ao poema de Ito o termo ou 'rótulo' de queer.
Subsidiando minha leitura estão as perspectivas de várias teóricas ecofeministas e queer. Desde a segunda metade da década de 1990, elas têm integrado uma perspectiva queer às teorias ecofeministas e chamado a atenção para a relação entre o ambiente natural e a sexualidade/ gênero. Um dos primeiros trabalhos representativos a este respeito inclui o artigo "Toward a Queer Ecofeminism",13 de Greta Gaard, que argumenta que ao ecofeminismo convencional falta a variável de sexualidade, o que torna a homofobia e a erotofobia problemáticas na cultura ocidental; e considera que a emancipação das mulheres/gênero requer a emancipação da natureza e queers. Apesar de a perspectiva de gênero ser uma variável conectada com a sexualidade, ela não estará incorporada explicitamente neste trabalho, principalmente por limitações de espaço.14
Quem é Hiromi Ito?
Antes de discutir o poema de Ito, importa prestar alguma atenção a sua biografia. Hiromi Ito, uma das poetas contemporâneas do Japão mais amplamente reconhecidas, nasceu em 1955. Ela publicou seu primeiro livro de poesia, Kusaki no Uta [Canções das plantas e do céu] em 1978, seguido por um grande número de livros de poesia, novelas, ensaios etc. Depois de divorciar-se de seu marido japonês, Ito mudou-se, em 1997, para a Califórnia, onde vive desde então com seu marido inglês e suas três filhas (suas duas primeiras filhas de seu primeiro casamento e a terceira de seu marido atual). Ela viaja constantemente entre Kumamoto, no Japão, e Califórnia, EUA, para cuidar de seus pais idosos.
Ito admitiu ter sofrido de anorexia, durante sua puberdade, e desejado tornar-se andrógina, de gênero neutro, e/ou até mesmo sem gênero – como ela confessa: "eu era um travesti, tive anorexia, e quis remover meus seios e parar de menstruar".15 Ito causou comoção, certa vez, por apresentar-se como uma mulher japonesa não tradicional, quando afirmou16 provocativamente que "um feto são fezes".17Bastante influenciada pelo feminismo, ela tem sido, desde a década de 1980, uma pioneira entre mulheres poetas.
Ito tem recebido vários rótulos como, por exemplo, "intelectual iluminada", "terra fértil, produzindo uma grande pilha de poemas", "um poeta mulher/que expressa a mulheridade" e "uma 'poetiza' que escreve sobre a sensibilidade feminina de uma maneira bastante hábil". Seus poemas já foram descritos como "centrados no corpo",18 "xamanísticos",19"maravilhosamente orgânicos",20 "encorporando radicalmente seu próprio sentido de corpo e voz",21 e "expressando radicalmente a vida e o Eros com base em seu sentido psicológico".22
Uma prolífica e bem-sucedida escritora de eco/ poemas, novelas e ensaios deu vida às seguintes publicações 'verdes', que transbordam com passagens e imagens do ambiente natural: Kusaki no uta [Canções das plantas e do céu] (1978), Aoume [Ameixas verdes] (1982), Ranînya [La niña] (1999), Midori no obasan [Senhora verde] (2005), Kawara arekusa [Grama selvagem para além do rio] (2005), e Koyôte songu [A canção do coiote] (2007).
Ito recebeu alguns dos prêmios de literatura mais prestigiados do Japão, incluindo o 21º Prêmio de Literatura Noma pelo livro Ranînya; o Prêmio Takami Jun por Kawara arekusa; o 15º Prêmio Sakurato Hagiwara e o 18º Prêmio de Literatura Murasaki Shikibu pelo livro Togenuki: Shin-sugamo jizô engi [O puxador de espinho: novas lendas do bodhisattava jizo em Sugamo].
O poema ecoqueer de Hiromi Ito: "Chitô"
O poema ecoqueer "Chitô", de Hiromi Ito, foco principal deste trabalho, está incluído no livro Noro to Saniwa, publicado em 1991 e escrito em coautoria por Ito e a socióloga e feminista Chizuko Ueno. O livro está dividido nos seguintes 12 capítulos: "Linguagem", "Intercurso", "Buraco", "Homem", "Masturbação", "Defecação", "Filha", "Meia Idade", "Masoquismo", "Desejo", "Lesbiandade" e "Exílio". Cada capítulo consiste em um poema de Ito, seguido de um ensaio interpretativo de Ueno, e o poema "Chitô" está no capítulo "Lesbiandade". "Chitô" começa com a seguinte estrofe, marcadamente 'verde', que alude metaforicamente à mobilidade internacional de Ito, usando imagens e objetos naturais:
a umidade baixa torna difícil respirar
até minhas narinas secaram
apesar de enxergar muito bem a distância
agora que está tão longe de lá eu não sei
tendo vivido nas florestas lucidófilas eu não tive a chance de saber
como as nuvens cobrem os campos planos
como o vento sopra
e mesmo se a grama parece nova e verde
na distância próxima elas apenas se derramam
eu não tive a chance de saber
Aqui, com base no livro Saibai Shokubutsu to Nôkô no Kigen [Plantas cultivadas e a origem da agricultura], da botânica Sasuke Nakao,23 "as florestas lucidófilas" referemse ao Japão, à terra natal de Ito, que é bastante conhecida por sua umidade. Nakao categoriza as culturas mundiais em termos de agricultura e atribui ao Japão o cultivo da floresta lucidófila. Por outro lado, levando em consideração o fato de que na época em que o livro foi lançado a poeta já havia visitado os EUA procurando ver com seus próprios olhos os tão almejados coiotes,24 os "campos planos" podem ser associados à paisagem norte-americana, geograficamente distante do Japão.
De repente a cena muda, e a mobilidade geográfica metamorfoseia-se em mobilidade sexual; a poeta move-se de seu desejo reconhecido da heterossexualidade para seu desejo não reconhecido de homossexualidade, ou, nesse caso, lesbiandade. Vale a pena citar longamente a estrofe:
eu não sabia para onde ela queria ir
porque apenas trocamos poemas por um ano
naturalmente eu não sabia, não queria saber
porque apenas trocamos poemas por um ano e nos encontramos várias vezes
naturalmente não pensei que houvesse razão pra saber
nós apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes
nos beijamos várias vezes, e trepamos várias vezes
naturalmente, não havia necessidade de saber
porque apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes, nos beijamos várias vezes e trepamos várias vezes
eu também emprestei meu casaco a ela
eu não lhe pedi nada, não fiquei obcecada com nada
sua estrutura óssea bem menor que a minha
de modo que o casaco a cobriu completamente
o casaco também me cobriu completamente
toda mulher que usa
se torna heterossexual, desejando ser coberta por um homem com o casaco estratégico
antes de emprestar a ela, eu o usei e trepei com um homem num carro
quente quando o aquecedor estava ligado
frio quando desligado
coberta pelo casaco estratégico muitas, muitas e muitas vezes
eu gozei
e depois o casaco cobriu ela.
Na linha da poeta Adriene Rich,25 nessa estrofe, Ito problematiza e desnaturaliza o código culturalmente dominante do heterossexismo e seu padrão de gênero desigual: o macho é ativo, sádico e desejante; a fêmea é passiva, masoquista e desejada. Apesar de a poeta ter reconhecido sua heterossexualidade numa conversa com o linguista Katsuhiko Tanaka,26 nesse poema em particular, ela de fato questiona as noções de sexualidade do "senso comum" buscando uma de-segregação27 das dicotomias heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino e, portanto, propondo uma re-avaliação queer da sexualidade
Nesse aspecto, Ito subscreve implicitamente a recusa de Freud em designar a homossexualidade como um terceiro sexo e as pessoas homossexuais como uma raça separada e, por isso, é importante resumir suas ideias principais sobre essa questão aqui. Em seu texto pioneiro "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Sigmund Freud discute que
A pesquisa psicanalítica opõe-se firmemente a qualquer tentativa para a separação dos homossexuais do resto da humanidade, considerando-os como um grupo com características especiais. Ao estudar outras excitações sexuais além das questões que são manifestamente apresentadas, a psicanálise descobriu que todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objeto homossexual e até a fizeram de fato no seu inconsciente. Na verdade, vinculações libidinais por pessoas do mesmo sexo desempenham um papel como fatores na vida mental normal […] mais do que vinculações similares ao sexo oposto.28
Ao insistir no fato de que todas/os somos capazes de fazer uma "escolha de objeto homossexual", e de fato o temos feito, mesmo que inconscientemente, e que essa escolha é parte da "vida mental normal", Freud subverte a ideia de que a homossexualidade é problemática.
Para entender completamente as implicações radicais das ideias de Freud, deve-se necessariamente prestar atenção a sua teoria da sexualidade infantil. Ela nos narra que nascemos possuindo um desejo indiferenciado e polimorfo e que, por isso, somos capazes de responder eroticamente a todo o tipo de objetos e experiências: de seios a dedões, e de movimentos intestinais a chocalhos. Durante esse período, as crianças não percebem a diferença sexual, e garotinhas, sem saberem ainda de sua 'castração', comportam-se de maneira 'masculina'. Nas fases posteriores, quando o conhecimento das diferenças sexuais/de gênero emerge, entramos no estágio edípico; através do complexo de Édipo a criança resolve o tabu do incesto e aprende a separar o desejo em duas coisas: identificação e escolha de objeto. Freud sugere aqui que a sexualidade é algo que se adquire, e não um dado biológico, inato, que define um destino, mas sim um artefato humano, e por isso mesmo não natural, mas cultural: "Desta forma, do ponto de vista da psicanálise, o interesse de homens por mulheres é também um problema que necessita elucidação e não um fato autoevidente baseado numa atração que é em última instância de natureza química".29
Voltando ao poema de Ito, essa desnaturalização da heterossexualidade é incorporada no artefato que as duas mulheres amantes trocam, o casaco. Em seu ensaio30em resposta ao poema, e colocado logo após ele – sugestivamente chamado de Kôto shimai [Irmãs de casaco] –, a coautora do livro, Chizuko Ueno, negando que a troca sexual da poeta com 'ela' (sugestivamente referindo-se a Ueno) deva ser considerada de maneira muito literal, designa a troca do casaco como magarashi ou o empréstimo de um pênis. Isso está de acordo com a visão de Freud de que capas ou casacos funcionam como símbolos sexuais masculinos.31
A desnaturalização da heterossexualidade por Ito acontece na terceira estrofe; agora, porém, está mais focada nas associações sadomasoquistas. Ao assumir para si mesma papéis que têm sido atribuídos a parceiras/os distintas/os, mas complementares – um sádico e outra masoquista –, e destacando o sentido tanto da existência quanto da satisfação sexual que daí deriva, Ito parece sugerir uma utopia onanista privada, que é evidentemente não heterossexual. Ela se retirou para o mais privado dos espaços, o corpo, onde está aparentemente no controle:
aos trinta e quatro anos, imediatamente depois de me recuperar de um resfriado, peguei outro resfriado
passei o inverno tossindo
a tosse para chamar atenção do outro é passiva
mais agressivamente, agressivamente,
decidi cortar fora as pontas dos meus dedos
as pontas latejantes que jorravam sangue
do corte veio um vento sibilante
a existência,
satisfação sexual,
No entanto, a poeta ainda não consegue achar aí realização e/ou um abrigo e, por isso, transforma seu desejo não realizado em identificação. Como é revelado pelo título do poema, o objeto de sua identificação é Tito, o coiote fêmea que aparece num livro bastante apreciado pela poeta, Seton's Wild Animals.32 A história é contada pungentemente na quarta estrofe:
não se mova
você será cheirada
eu posso prever um perigo
e me fingir de morta até que ele passe
foi isso que o coiote inteligente aprendeu quando capturado por humanas/os,
foi a sabedoria mais valiosa, diz o livro
a história do coiote sábio no Seton's Wild Animals era minha favorita
Tito, o coiote fêmea era mais inteligente que os coiotes machos
Logo após Tito nascer os membros de sua família foram todos mortos
ela foi aprisionada por humanos
depois voltou aos campos e à caça
com cuidado pariu e nutriu sua cria
eu quero me tornar Tito
eu tentei me tornar Tito
É significativo que o coiote seja tradicionalmente associado com a falta de raízes, com a marginalidade e com a resistência em situações adversas. O coiote é um símbolo místico na literatura dos povos nativos da América do Norte que interessava Ito, a personificação da malandragem, aquele que é capaz dos atos mais bravos, mas também dos mais covardes, e é um sobrevivente que se adapta e aprende com seus sofrimentos e erros. Entretanto, os americanos brancos não concedem aos coiotes tamanho respeito, perseguindo-os, suprimindo-os e os designando como um animal tabu. As duas últimas linhas traem o desejo da poeta de identificar-se com Tito; elas nos dizem que, apesar de sua vontade e esforços, ela não é capaz de se transfigurar/transformar em Tito, a coiote inteligente, flexível e corajosa, que fora um dia sem raízes, marginal, covarde por ter perdido seus familiares devido à perseguição e à supressão.
A identificação tem um nome implícito: dependência. E assim é porque identificar-se com alguém ou alguma coisa implica que você dependa dessa pessoa ou coisa. Na quinta estrofe, o foco da poeta em nossa dependência forçada da família nuclear, em nosso processo de adquirir uma de nossas capacidades mais básicas, a linguagem, nos leva de volta a Freud. De fato, sua teoria da sexualidade infantil fornece novamente uma pista inestimável para interpretarmos o poema de Ito. A referência marcante à analidade não pode senão evocar as reflexões de Freud sobre a condição polimorfa e indiferenciada da sexualidade infantil, que ele considera como um estado bastante narcisista/autoerótico. Na formulação de Freud, as características essenciais dos homossexuais "parecem ser a operação de uma escolha objetal narcisista e a retenção do significado erótico da zona anal".33 Freud acrescenta que "o que vemos como uma explicação aparentemente suficiente destes tipos pode se mostrar igualmente presente, embora de maneira menos forte, na constituição [...] daqueles cuja atitude manifestada é normal".34 Aqui Freud propõe que a tradicional repressão heterossexual a essa forma de libido autoerótica é frágil, problemática, em uma palavra: não natural. Desse jeito, a poeta exibe sem inibição sua fixação no estágio anal e seu significado erótico:
Eu penso sobre ensinar a um outro a linguagem
Catalizador
Psicanálise
A existência como Mãe, Pai ou cuidadora
Eu penso sobre ser ensinada uma linguagem
A dependência, a família que leva à codependência, o envelhecimento
Ter um outro a lamber meu cu é prazer
Ter um outro a lamber pedaços de merda é um prazer maior ainda
Na última frase, a poeta sugere de forma ambígua que essa fixação na analidade foi trazida a sua vida adulta e ter 'o outro' a lamber seu cu ou a 'lamber pedaços de merda' ao redor de seu ânus torna-se uma fonte transgressiva de prazer erótico. Ueno alega que, nas obras de Ito, ela "se gruda à superfície do corpo, escrevendo sobre pele, cabelo, unhas, pintas – todas essas anomalias que ocorrem nas fronteiras do eu, essas coisas que marcam a interface entre o corpo e o mundo externo".35 O ânus é sem dúvida um dos limites do corpo e, portanto, uma anomalia ou um item queer, eu diria.
Depois, Ito dirige sua atenção à 'prisão da linguagem', o sistema categorial linguístico incessantemente ensinado pela Mãe, pelo Pai, pela cuidadora, e aquelas pessoas que nos cercam. Na quinta estrofe, a respeito do "gargalo" da linguagem, ela reitera:
A linguagem é ingovernável
A relação entre ensinar uma linguagem e aprendê-la é patológica
A/o falante sacudida
Quanto mais próxima você chega ao osso, à pele, aos olhos, ao lábio
E como resultado eu sou meu osso, minha pele, meus olhos, meus lábios
Quanto custa a entender que
Quero perder
Quero perder a linguagem
Também quero perder os órgãos, a respiração e a voz
Quando completei trinta e cinco anos, da língua e dos órgãos
Percebi que já tinha o bastante, da menstruação, também
Umberto Eco afirma que os signos, incluindo a linguagem, são meros substitutos para outras coisas. Assim sendo, não obstante o quanto alguém se esforce para alcançar o significado através do significante, ela/e nunca completa essa tarefa. Ela/e não consegue dominar a linguagem, e a língua feroz e indomável é interpretada de forma diferente, adquire asas, e começa a se jogar sobre a/o possuidora/possuidor. Ito confessou "ter sempre o desejo de destruir [a língua japonesa] e escapar dela",36 bem como ter experimentado a angústia de ser incapaz de escrever poemas, porque ela sentia que escrevia "imitando sua própria linguagem".37 Desejando não ser vítima da trama da linguagem, Ito anseia abandonar não apenas a própria língua, mas também as partes do corpo e das funções que a articulam, isto é, os órgãos, a respiração e a voz. Desprezar essas coisas é só um pequeno passo em direção a odiar seu corpo feminino e, consequentemente, sua feminilidade, simbolizada pela "menstruação", como se isso fosse abjeto. Ito tem lutado com sua feminilidade, desde sua juventude, supostamente por causa de sua "individualidade máscula" que "não permite uma reconciliação fácil com sua feminilidade".38
Entretanto, depois de perceber que não consegue escapar da prisão da linguagem, do "gargalo" de seu corpo e da sua feminilidade, ela decide fugir. A sexta estrofe nos conta dessa escapada:
Eu subo em algum veículo
Viajo
Me sento em um café e como, bebo,
Fujo, viajo, esqueço a obsessão
O céu cheio de nuvens, vai chover em breve
Ito parece estar ainda nos EUA, onde muitos coiotes podem ser vistos. Além disso, embora a voz possa ser seguida por todo o poema, aqui, Ito incorpora de forma notável a voz do Outro; neste caso, como informado em uma nota no final do poema, ela toma de empréstimo as palavras da cantora Joni Mitchell na canção Hejira – palavra cujo significado semântico é o asilo, o exílio ou migração originalmente derivada da fuga de Maomé de Meca. Ito divorciou-se próximo ao momento em que este poema foi criado e o trecho acima parece sugerir tal separação e fuga da conexão. Ao estabelecer uma relação intertextual com Hejira, Ito traz para o poema os temas do amor transgressor e reprimido associado às ideias de escapar de um ambiente hostil e a escolha difícil entre percorrer a amplitude das extremidades ou seguir em linha reta. Entre parênteses, o efeito da voz ecoante do outro "imbui seu trabalho [de Ito] de uma polivocalidade [...] fazendo a multiplicidade de vozes uma parte intrínseca do seu estilo"39e faz com que o poema não seja "vítima de uma monofonia monótona e egoísta".40
Fazendo esporadicamente pausas, ela continua a fugir e tenta esquecer a obsessão. No entanto, a obsessão da poeta com seu eu nunca vai embora e, muitas vezes, beira perigosamente o comportamento obsessivo-compulsivo em relação a sua identidade:41
Eu é que tenho sede
Eu é que tenho sede e bebo água
Eu é que penso em homens
Eu é que o fumo
Eu é que como chocolate
Eu é que eu vomito, eu é que como, eu é que mato, eu é que trepo, sou eu
Que respiro, sou eu
Que lavo as mãos, sou eu
que quero fazer meu desejo viajar
Penetrar por todos os poros
Por todo o meu corpo
Ishii42 atribui uma intensidade de oralidade à poesia de Ito devido a sua escolha de palavras simples e repetição tática. Nas linhas acima, as palavras repetidas "Eu é que" inevitavelmente despertam em nós a imagem de compulsão obsessiva de Ito com seu eu, sua identidade. Ito uma vez confessou que, "porque eu não recebi estímulos de fora, só posso explorar a mim mesma",43 revelando a sua introversão, seu grudar-se em si mesma.
Os versos acima são permeados por símbolos carregados sexualmente, como a água simbolizando o sêmen, o cigarro simbolizando o pênis, e o chocolate simbolizando o desejo sexual. Além disso, ser anoréxica – comer e vomitar –, como Ito costumava ser durante a puberdade, sugere um desejo de possuir e confirmar o seu corpo, seu eu: "A anorexia é um ato para confirmar seu próprio corpo. Olhando no espelho todos os dias você confirma o sentido de não comer e emagrecer e, portanto, mudar seu corpo".44
Falando de um antropólogo que mais tarde transformou-se em poeta, no ensaio Chimmoku eno / karano bômei [Asilo de silêncio], o estudioso de poesia Keijiro Suga observa:
Para ele [o antropólogo], o "eu" é o nó que continuamente se afrouxa, mas nunca se desata, e nele sinais enviados de várias coisas são amarrados, adquirem vozes, são desamarrados novamente, e espalhados em todas as direções. Esse "eu" nada mais é que um nó acústico a que todas as sombras fracas existentes no mundo convergem em um único clarão. No entanto, não importa o quão fracas elas sejam, não há possibilidade de que o vasto silêncio seja canalizado em uma outra voz, que não seja o nó do eu.45
Do mesmo modo, a/o poeta luta com a sua obsessão por encontrar um asilo de silêncio e canalizá-lo em várias vozes, como se tentasse construir e confirmar a sua identidade (seu eu) incansável e até excessivamente. O esforço, no entanto, prova ser em vão, da mesma forma que a linguagem como signo nunca representa e coincide completamente com o significado, ou com a complexidade. Assim, quando Ito reconhece que ela nunca vai chegar ao núcleo da identidade, se é que existe, ela sente-se compelida a voltar seus olhos para fora, para o Outro em um movimento semelhante ao que o estudioso e ecocrítico Kenichi Noda chama de "O Jogo de buscar o Outro".46 É amplamente difundida na academia a ideia de que o sujeito, o eu, só existe quando existem outros; em outras palavras, o sujeito moderno nada mais é que aquilo que se diferencia dos outros. Por essa razão, ao buscar sua identidade, a poeta primeiramente olha para um ser humano, um estranho que a faz tremer em seus ossos e, posteriormente, ela olha pela janela do carro para a paisagem, o que pode ser visto como outra forma de alteridade:
O toque de um desconhecido faz meus ossos tremerem
Eu vejo a paisagem através do para-brisa
As nuvens de chuva, o interior do carro, é arriscado que você não possa olhar para fora
Depois das nuvens de chuva no interior do carro, ela parece determinada a se colocar em movimento, como se para fugir da escuridão em que não se pode ver nenhum outro. As linhas seguintes são estranhamente reminiscentes da história de Tito, contada na quarta estrofe – sente-se o risco, o perigo iminente, e o cheiro animal –, mas, novamente, a poeta não consegue emular a coiote inteligente. Seu sentido do olfato não é tão poderoso e, ao contrário de Tito, ela não se reproduz e não dá à luz com facilidade. Em vez disso, como contraste, ela faz sexo casual e não reprodutivo com um estranho:
É arriscado, a menos que você se mova com cuidado
É difícil seguir o cheiro
Mas a caça também se move lentamente num dia chuvoso
Eu subo em algum veículo
Viajo
Me sento em um café e como, bebo,
Em algum lugar estranho e com um homem estranho eu trepo e adormeço
A ênfase na estranheza na linha final confirma o que se foi tornando evidente ao longo do poema: os homens que passam por ela são apenas isso – transeuntes marginalizados, anônimos, sem rosto e improváveis, não possuindo voz própria. Nós não temos nenhuma maneira de saber se esta é a vingança de Ito em relação a sua experiência traumática de sexo com homens; seja como for, os homens no poema são tratados como meros órgãos sexuais, corpos desmembrados desligados de uma identidade particular, e objetificados na forma do artefato "casaco". Pode-se dizer que, aqui, a poeta está aludindo às consequências negativas das distinções peremptórias, precipitadas e ingênuas entre sexualidades e entre os códigos de gênero – heterosexualidade/homosexualidade e masculino/feminino – que, sem dúvida alguma, sobrepõem-se às dicotomias delineadas no início deste artigo: a natureza exterior/ natureza interior e o ambiente natural/corpo.
Conclusão: Hiromi Ito como poeta ecoqueer
Neste artigo, propus-me classificar Hiromi Ito como uma poeta ecoqueer, com base em seu poema 'Chitô', no qual ela problematiza a fronteira entre heterossexualidade e homossexualidade47 ao questionar implicitamente a 'naturalidade' da heterossexualidade onipresente, e ao mostrar, de maneira desinibida, a retenção da significância erótica da sua analidade pré-edípica em suas explorações sexuais de adulta, bem como uma utopia onanista autossuficiente em sua relação SM de 'apenas uma mulher', e ao tratar os homens no poema como sendo meros corpos desmembrados e órgãos sexuais objetificados; além disso, sua queeridade encontra uma outra encorporação significativa em sua recusa em deixar-se cair nas armadilhas da identidade sexual ou sexualidade fixas. Nesse sentido, este trabalho concentrou-se sobre as dimensões esquecidas das dicotomias natureza exterior/natureza interior e ambiente natural/corpo, em seu ecopoema queer "Chitô".
O fenomenologista Max van Manen argumenta que "a poesia permite a expressão dos sentimentos mais intensos da forma mais intensa"48 e que "o poeta às vezes pode dar expressão linguística a algum aspecto da experiência humana que não pode ser parafraseado sem que se perca o sentido da veracidade vívida que as linhas do poema, de alguma maneira, são capazes de comunicar".49 A poeta ecoqueer Hiromi Ito, em seu poema "Chitô", não constitui exceção, já que ela expressa seus sentimentos queer mais intensos da natureza interior através da profusa utilização de imagens do ambiente natural, ou da natureza externa, e, assim, consegue com sucesso dar expressão linguística a algum aspecto queer da experiência humana com um sentido da veracidade vívida.50
Agradeço a Daniela Kato (University of Tokyo) e Walsh Neil (Tokyo Metropolitan University) por ouvir minhas ideias e fazer comentários úteis e incisivos.
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[Recebido em agosto de 2010 e aceito para publicação em dezembro de 2010]
1Texto publicado como "Queer Ecopoet?: An Analysis of "Chitô" [Tito] by Japanese Ecopoet Hiromi Ito", The Paulinian Compass, v. 1, n. 4, 2010.
2 O crítico Takaki OKUBO, 1996, que se dedica à literatura japonesa na virada do século XIX, reconhe-ce que, por volta dessa época, o corpo apareceu e foi tematizado na literatura como uma transfiguração do ambiente natural cultivado até então como um tema literário.
3 LABOSSIERE, 1994.
4 MORISAKI, 1990.
5 HAGIWARA, 2003.
6 MORITA, 2007.
7 Veja, por exemplo, o artigo de Michiyo ISHII, 1996, analisando o livro Refuge, da escritora Terry Tempest Williams, de uma perspectiva ecofeminista.
8 Hiromi ITO e Chizuko UENO, 1991.
9Noro é o nome da xamã ou sacerdotisa de Okinawa e Saniwa é sua intérprete. Pode-se induzir que no livro Ito desempenha o papel de noro e Ueno o de Saniwa.
10 FOUCAULT, 1990.
11 TANUMA, 2008.
12 KAWAGUCHI, 2003.
13 GAARD, 1997.
14 Sobre a inter-relação entre gênero e sexualidade, veja o estudo da teórica queer Eve Kosofsky SEDGWICK, 1985, e os estudos do acadêmico queer Shinichi INO, 2005. Para uma análise dos primeiros trabalhos de Ito, consulte a literatura da estudiosa Joanne QUIMBY, 2007.
15 ITO, 1989, p. 28.
16 ITO, 1985, p. 43.
17 Com relação a esse discurso, Kazue Morisaki, uma escritora japonesa da natureza feminina, aponta que "[o discurso de Ito] não é surpreendente, porque a natureza tem desaparecido e, portanto, ela [Ito] não pode encontrar a natureza em outro lugar que não seu corpo. Em outras palavras, é inevitável comparar a natureza ou o Outro dentro de si mesma (seu bebê) às fezes" (MORISAKI e UENO, 1991, p. 213). Aqui, obviamente, Morisaki reforça a dicotomia atrás referida entre natureza exterior/ natureza interior.
18 QUIMBY, 2007, p. 21.
19 Jeffrey ANGELS 2007, p. 51.
20 Tatsuhiko ISHII, 1999, p. 229.
21 ITO, 2002, p. 181 (observação sobre a poesia de Ito não é feita pela própria, mas sim na introdução da editora).
22 Nobuo AYUKAWA, Makoto OOKA e Toru KITAGAWA, 2006, p. 144.
23 NAKAO, 1966.
24 ITO, 1992.
25 RICH, 1986.
26 Nas palavras de Ito: "Uma vez que homens são interessantes, eu não consigo deixá-los. Acho que continuarei assim pelo resto de minha vida" (ITO e TANAKA, 2004, p. 53).
27 O termo "de-segregação" é utilizado pelo crítico queer Mark SIMPSON, 1994, para se referir às atitudes críticas que têm como alvo as noções de senso comum que segregam heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino.
28 FREUD, 1953, p. 145.
29 FREUD, 1953, p. 56-57.
30 UENO, 1991.
31 FREUD, 1922.
32 Note-se que Seton's Wild Animals foi uma antologia compilada no Japão, por Ernest Thompson Seton (1860-1946), um naturalista britânico, e que incluía uma grande variedade de trabalhos sobre animais.
33 FREUD, 1953, p. 146.
34 FREUD, 1953, p. 146.
35 UENO, 2007, p. 4.
36 ITO, 1993, p. 187.
37 Yuko TSUSHIMA e ITO, 2007, p. 315.
38 UENO, 2007, p. 4.
39 QUIMBY, 2007, p. 21.
40 Hideto TSUBOI, 1989, p. 32.
41 Nota da tradutora: Morita escreve identidade assim:'I-dentity' para sublinhar o caráter subjetivo. A eudentidade, poderíamos tentar escrever aportuguesando.
42 ISHII, 1999.
43 ITO, 1990, p. 20.
44 ITO, 1990, p. 20.
45 SUGA, 1992, p. 67.
46 NODA, 2003, p. 18.
47 A novelista japonesa Yoko Tawada, radicada na Alemanha, sustenta que a literatura é uma das formas de escapar do pensamento dicotômico (TAWADA, 2006, p. 11). Por outro lado, o estudioso de literatura Nobuaki TOCHIGI, 2006, argumenta que uma das características centrais da obra de Ito é o que ele chama de 'trans-'ings, ou aquilo que vai para além de várias coisas. No mesmo artigo, ele também fala sobre Noro to Saniwa, o livro que contém o poema ecoqueer 'Chitô', mencionando que tal livro "demonstra sua capacidade, como a de uma 'Noro' (xamã de Okinawa), de ir além da fronteira deste mundo, em direção ao outro mundo"(TOCHIGI, 2006); parafraseando e parodiando essa afirmação eu diria que, ao menos no poema 'Chitô', Ito tentou ir além da fronteira do mundo heterossexual, em direção a outro mundo, um mundo queer.
48 VAN MANEN, 1997, p. 70.
49 VAN MANEN, 1997, p. 71.
50 Nota da tradutora: todas as citações neste trabalho foram traduzidas para o inglês pelo autor a partir de fontes em japonês, salvo indicação em contrário, e seus títulos em inglês aparecem entre colchetes. Na tradução para o português, as citações foram traduzidas diretamente do texto em inglês fornecido pelo autor.
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