O casamento.
A pedidos, o texto da Monica Udler para o e meu casamento com
O lugar onde temos razão:
- Estamos aqui reunidos para celebrar a união entre estas duas criaturas retro-predestinadas:
Hilan Bensusan, de autoria desconhecida, composto por algum deus nunca antes inventado,
e o poema “O Lugar onde temos Razão”, de autoria bem conhecida, o poeta israelense Yehuda Amihai.
O encontro entre eles dois se deu de uma forma inusitada. Ela, a noiva poema, estava em uma página de jornal e ele do lado de fora do jornal. Foi amor à primeira vista. No entanto, ele a perdeu de vista. E nem sabia que vivia desesperado até encontrá-la novamente, na boca de um quase desconhecido. Resgatou-a para nunca mais largá-la. Sua fotografia esteve todos estes anos na porta de sua sala de trabalho, para que todos a admirassem. E viveu todos estes anos com vontade de desposá-la. Hoje, finalmente, estamos aqui. Para realizar o sonho destes dois pombinhos, pombinhos da mesma espécie que o pombo que trouxe o ramo de oliveira para Noé. O pombo que o trouxe do lugar onde não queremos ter razão. Toda a terra foi arrasada depois que virou um pátio, pisoteado por tantas ideologias e crenças. Mas a tempestade acabou com todas as certezas, acabou com o colo que a razão vinha dar ao homem. Abençoado dilúvio! E abençoado o fim do dilúvio! Cujo término a pomba veio anunciar! E aqui temos estes pombinhos! Que, se os deuses e os desdeuses quiserem, serão os anunciadores de um novo mundo, um mundo de terra fofa, um mundo de sussurros.
Para aqueles que ainda não conhecem a noiva e a noiva, eu os posso apresentar. Não sem antes apresentar-me a mim mesma, sacerdotisa do templo do Sem Nome, aquele que nem de Deus pode ser chamado. Blasfemam aqueles que o chamam de Deus. Que o chamem de transcendência ou de imanência, que o chamem de Ser ou de Nada. Blasfemam aqueles que dêem nome ao Mistério.
[toca meu celular. Levo uma conversa com um interlocutor imaginário, que me chama para oficiar um enterro. Um tratado filosófico teria falecido. Eu nego com gentileza, explicando que estarei comemorando o casamento de Hilan com outro poema.]
- Desculpem! Continuemos então as apresentações e passemos à noiva da esquerda:
Ha makom shebo anu tzodekim.
[a sacerdotisa recita em hebraico o poema]
Voce pode pronunciar o nome da noiva em português, senhora hilan?
[hilan recita em português o poema, de forma lenta, como se as palavras estivessem pegajosas de tanto mel. Recita-as cheio de desejo por elas.]
Agora apresentemos a outra noiva, Hilan Bensusan:
Sua autoria é desconhecida. É um poema com carne, com osso, com cheiros e com sons. Não possui rima e jamais foi analisado por qualquer crítico literário, que nunca o reconheceram sua forma literária. Seu lirismo é tão evidente e público, que escapa à percepção de muitos humanos. Sua poeticidade é literal: o sentido poético de seus gestos e ditos coincide com a facticidade de seus gestos e ditos. E nada nele é livre de nonsense. E por isso nada do que faz é sem sentido. Alguns mitólogos afirmam que nasceu do amor que há entre Deus e o Diabo.
Hilan possui estrofes. Muitas, muitas. Hilan as coleciona. Mas o que separa uma estrofe da outra não são linhas: são abismos. Hilan e suas mil vidas. E quantas mais tem, mais fiel é a sua noiva. E mais pronto se torna para o a vida de casado. Su esquizofrenia sempre foi sua prova de amor pela noiva que aqui está...
Antes de celebrar definitivamente este matrimônio, gostaria de perguntar se alguém aqui tem algo a dizer que impeça que esta união se realize? Tem alguém algo contra este casamento?
... JANINE
RESPOSTA DE CHUANG TZU ....
- Mais alguém tem algo a declarar que desabone esta celebração?
- Eu! [diz uma voz em meio à turba]
- Qual o desabono?
- Hilan já é casado!
- Voce tem certeza disso?
- Tenho.
- Pois então teu desabono não procede. Pois ao casar-se com Bamakomshebô, Hilan divorcia-se de toda certeza.
Algo mais? Mais alguém?
[aguarda-se algum comentário espontâneo da plateia. Improvisa-se a partir do que vier. Ou, caso ningém diga nada, prossegue-se a celebração]
- Hilan Bensusan, aceita ser fiel a tua esposa em todos os momentos de tua vida?
Sim.
- Aceita esforçar-se por nunca pisotear a terra em que pisas?
- Sim.
- Aceita esforçar-te por ser sempre consciente de que tudo é mistério?
- Sim.
- Aceita dar sempre as boas vindas às férteis incertezas?
- Sim.
- Aceita não confundir isso com “não se comprometer com nada”?
- Sim.
- Tem certeza?
Não!
{A sacerdotisa olha para a noiva. E diz:}
- A noiva não gostou desta resposta.
- Mas como se ela mesma ensinou-me a não ter certeza alguma?
(A sacerdotisa vai até a boca da noiva que lhe fala ao ouvido. A sac. volta ao púlpito e diz:}
- A noiva quer te dizer que as certezas também são belas quando são provisórias. Ela pede para que você aceite certezas provisórias de quem brinca de acreditar. Você aceita?
-- Sim.
- Sabes como fazer para comprometer-te com aquilo que fazes?
- Não.
- Tua noiva te aconselhará.
Senhora noiva, podes aconselhá-lo nesse assunto?
[Só a sacerdotisa escuta a noiva, que pede para falar-lhe no ouvido. A sacerdotisa sobe num banquinho e escuta o que diz a noiva. A sacerdotisa volta a seu palanque e diz:]
- A noiva disse que para comprometer-te com o que fazes, sem que tenhas certeza de nada, deves fazer de conta, emular, fingir crer naquilo de que brincas. Aceitas brincar de faz de conta pela vida a fora?
- Sim.
- Aceitas fingir que a vida tem um sentido? Um a cada dia?
- Sim.
- Aceitas assim, descer do muro, e descer da amoreira? Descer da amoreira sem jamais esquecê-la?
- Sim.
- Senhora noiva, promete sempre aconselhares a noiva Hilan nos momentos de muita certeza, nos momentos de muita força e de muita coerência?
A noiva aceita.
- Muito bom. Prometes também paciência quando ele te usar para se isentar? Quando ele colocar a culpa em ti por sua ausência?
A noiva aceita.
- Ótimo. Promete repreendê-lo com doçura quando ele se impacientar e quiser dinamitar casas que são de brinquedo?
A noiva aceita.
- Então eu os declaro Poemante e Poemada. Podem unir vossas estrofes...
[os noivos se beijam.