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martedì 1 marzo 2016

O dono do cemitério

Quando virou dia no céu,
uma onça apareceu no quintal,
ficou atrás da mangueira caída
e em silêncio olhou para longe,
para a tina de água cheia de barro,
para os gravetos secos
e para a pequena casa,
onde eu estava na janela.
A tina já tinha sido uma fonte
e as crianças colocavam os pés
e batiam gotas para a terra nos dias de calor
que passaram.

A onça rondava os gravetos da mangueira caída
como uma predadora, ou como uma cobra
que se instala no passado de um bote.
Ela estava diante da minha janela,
repartindo a mesma manhã sem abelhas.

Era uma falta de barulho que ela entendia,
voltava do córrego onde também as vacas eram levadas
no fim da tarde, e se abstinham de beber água,
olhavam em volta, como se não vissem o que precisavam
ver e se retiravam. A água recusada.
A onça também não via o que precisava ver,
e sabia que não via. Escutava o silêncio
das abelhas, como eu, na mesma terra
fechada a chave.

Contaminada.

Como eu poderia lhe contar que já não era eu
que poderia lhe caçar, que também no balde de água
ao lado da tina, e na torneira do tanque,
e na poça de água que escorre do cano,
também não havia água,
porque não há água na água?
Como eu poderia lhe contar que já era a água,
a água que era minha e dela, a água repartida entre nós
mesmo com a nossa indiferença,
era a água que eu havia caçado?
E que era a água mesma do córrego
em que ela bebeu todos os dias
que agora a caçava e que caçava
também a mim?

Eu olhei a onça como se o silêncio
contasse que a constituição mudou,
eu tinha rompido o mais consensual
dos contratos sociais com a mangueira,
com as abelhas, com as vacas e com ela.
E que agora vivemos sobre um outro direito,
eu não sou mais o dono do balde da água,
ou da tina cheia de barro, eu sou o dono
do cemitério.

No silêncio, ela sabia.
Ela só não sabia que os refugiados
da nova constituição humana na terra
não tem refúgio.

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