Quando virou dia no céu,
uma onça apareceu no quintal,
ficou atrás da mangueira caída
e em silêncio olhou para longe,
para a tina de água cheia de barro,
para os gravetos secos
e para a pequena casa,
onde eu estava na janela.
A tina já tinha sido uma fonte
e as crianças colocavam os pés
e batiam gotas para a terra nos dias de calor
que passaram.
A onça rondava os gravetos da mangueira caída
como uma predadora, ou como uma cobra
que se instala no passado de um bote.
Ela estava diante da minha janela,
repartindo a mesma manhã sem abelhas.
Era uma falta de barulho que ela entendia,
voltava do córrego onde também as vacas eram levadas
no fim da tarde, e se abstinham de beber água,
olhavam em volta, como se não vissem o que precisavam
ver e se retiravam. A água recusada.
A onça também não via o que precisava ver,
e sabia que não via. Escutava o silêncio
das abelhas, como eu, na mesma terra
fechada a chave.
Contaminada.
Como eu poderia lhe contar que já não era eu
que poderia lhe caçar, que também no balde de água
ao lado da tina, e na torneira do tanque,
e na poça de água que escorre do cano,
também não havia água,
porque não há água na água?
Como eu poderia lhe contar que já era a água,
a água que era minha e dela, a água repartida entre nós
mesmo com a nossa indiferença,
era a água que eu havia caçado?
E que era a água mesma do córrego
em que ela bebeu todos os dias
que agora a caçava e que caçava
também a mim?
Eu olhei a onça como se o silêncio
contasse que a constituição mudou,
eu tinha rompido o mais consensual
dos contratos sociais com a mangueira,
com as abelhas, com as vacas e com ela.
E que agora vivemos sobre um outro direito,
eu não sou mais o dono do balde da água,
ou da tina cheia de barro, eu sou o dono
do cemitério.
No silêncio, ela sabia.
Ela só não sabia que os refugiados
da nova constituição humana na terra
não tem refúgio.
uma onça apareceu no quintal,
ficou atrás da mangueira caída
e em silêncio olhou para longe,
para a tina de água cheia de barro,
para os gravetos secos
e para a pequena casa,
onde eu estava na janela.
A tina já tinha sido uma fonte
e as crianças colocavam os pés
e batiam gotas para a terra nos dias de calor
que passaram.
A onça rondava os gravetos da mangueira caída
como uma predadora, ou como uma cobra
que se instala no passado de um bote.
Ela estava diante da minha janela,
repartindo a mesma manhã sem abelhas.
Era uma falta de barulho que ela entendia,
voltava do córrego onde também as vacas eram levadas
no fim da tarde, e se abstinham de beber água,
olhavam em volta, como se não vissem o que precisavam
ver e se retiravam. A água recusada.
A onça também não via o que precisava ver,
e sabia que não via. Escutava o silêncio
das abelhas, como eu, na mesma terra
fechada a chave.
Contaminada.
Como eu poderia lhe contar que já não era eu
que poderia lhe caçar, que também no balde de água
ao lado da tina, e na torneira do tanque,
e na poça de água que escorre do cano,
também não havia água,
porque não há água na água?
Como eu poderia lhe contar que já era a água,
a água que era minha e dela, a água repartida entre nós
mesmo com a nossa indiferença,
era a água que eu havia caçado?
E que era a água mesma do córrego
em que ela bebeu todos os dias
que agora a caçava e que caçava
também a mim?
Eu olhei a onça como se o silêncio
contasse que a constituição mudou,
eu tinha rompido o mais consensual
dos contratos sociais com a mangueira,
com as abelhas, com as vacas e com ela.
E que agora vivemos sobre um outro direito,
eu não sou mais o dono do balde da água,
ou da tina cheia de barro, eu sou o dono
do cemitério.
No silêncio, ela sabia.
Ela só não sabia que os refugiados
da nova constituição humana na terra
não tem refúgio.
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