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sabato 16 giugno 2018

Turbulência sem órgãos

O culto à prudência também me exaure
lambo meu escafóide, vejo ele verde;
a fuga é a primeira das invenções e
quero ir para o outro lado. Desendeusar.

O corpo sabe, o corpo sabe varrer.
Os cátaros sabem, os cátaros sabem desandar.
Um casal de sapos relincha: a prudência
de não se matar. A prudência, segurar na mão
da demência e levá-la pela calçada,
atravessar a rua,
esperar o sinal certo, vermelho e verde,
esperar as luzes - querer a si,
gostar de ficar. A prudência é adulta,
é adúltera e me exaure.

Visto a roupa do rato
e escrevo o tratado.




venerdì 15 giugno 2018

Medo das palavras

Tenho medo das palavras.

Prefiro os uivos, que não confessam nada.

Prefiro os berros, os grunhidos, os designificados.
Prefiro as letras ao léu.
Prefiro as matérias soltas, insignificantes.
Tenho medo dos rabiscos.
Deve ser por isso que quando li que as células cancerígenas
são levadas e ficam sublevadas contra as funções assinaladas
fiz um sorriso da alívio e quis fugir com elas abraçadas,
ver um roteiro de Artaud chafurdando nas entranhas,
ver uma rebelião na cena de vida e morte de meia-pataca
acontecendo no meio da ordem no foro íntimo.

Há deriva por toda parte, me dizem,
é de deriva que se fará a matéria
e não os textos e nem os gestos.
Lembro dos meus dias esperando que cheguem as rimas,
na beira do poço ou debaixo do sol
ao lado de uma parede sem sombra.

Recito baixinho uma ladainha antiga.

Como relendo as palavras que já escrevi
e com medo de cada uma delas.
Quais delas são profecias?
Quais são testemunhas?
Quais são testamentos?
Eu tento lhes ensinar por exemplos,
elas me exortam.
Eu tento a exorbitância,
elas me crucificam em ruas asfaltadas.

Meus dedos sujos de giz, limpo.
Olho o quadro pendurado, alto,
uma escotilha, um claustro, uma ilha,
saio correndo com a multidão,
fujo das palavras de medo.








Para Congelada de Uva na Ana Lama

Rocío Boliver, La congelada de uva;
a menopausa da Helix Aspersa Maxima e de Bartolina Sisa

A vida e a morte, as questões de meia pataca segundo Beckett, são pretexto e  desculpa para arte de ação. Estas coisas tão vastas e tão triviais que acontecem aos corpos  acontecendo aos órgãos: estar a morrer, estar a se tornar ex-orgânico. Os órgãos. As funções assinaladas. Quando elas falham, elas apenas falham, quando elas tem sucesso, elas apenas tem sucesso. As paixões dos corpos evaporam nas suas partes órgãos. Um corpo é cheio de partes, as que seguram agulhas, as que funcionam, as que sentem calorões. As funções. Elas se entrelaçam em ritmos das turbulências. Elas param de funcionar e já não há corpo. Entre a vida e a morte há uma guerra entre os órgãos e o corpo, entre a organização e encorpação. Ou então, entre a vida e a morte há um ferido: o corpo; já a alma é só mesmo um órgão sem corpo. O que mais poderia ser a alma se não for uma função sem carne. Na dor que contagia os músculos em um esquartejamento, os órgãos se tornam posições, um ao lado do outro aglomerados pela pele mais profunda.

Já a biopolítica, é a necropolítica.

O que falta é sempre o corpo, sempre há órgãos demais. Esquartejar o corpo em órgãos, o órgão da mãe, o órgão da esposa, o órgão da dona de casa. No corpo Helix Aspersa Maxima Congelada de Uva se instalaram as caracoletas pelos poros, como agulhas; o corpo de Bartolina Sisa que sea sacada del Cuartel a la Plaza mayor atada a la cola de un Caballo, con una soga al Cuello y plumas, un aspa afianzada sobre un bastón de palo en la mano y conducida por la voz del pregonero a la Horca hasta que muera, y después se clave su cabeza y manos en Picotas con el rótulo correspondiente, para el escarmiento público en los lugares de Cruzpata , Alto de San Pedro, y Pampajasi donde estaba acampada y presidía sus juntas sediciosas; y después de días se conduzca la cabeza a los pueblos de Ayo-ayo y Sapahagui en la Provincia de Sica-sica , con orden para que se quemen después de un tiempo y se arrojen las cenizas al aire, donde estime convenir...

O esquartejamento é a necropolítica que é a biopolítica do colonial, é destruição do corpo para que permaneçam os órgãos, ainda que não funcionem. Cavalgar a Bartolina em pedaços e esquartejar Tupac Katari puxado braço por um cavalo, braço por outro, perna por outro, outra perna por um quarto. Esquartejar. Destruir o ritmo, a intensidade do corpo, a capacidade de contágio do corpo, o molecular no corpo para retirar seus recursos, suas minas de prata, suas forças recônditas, suas montanhas de nióbio, de lítio, seu eldorado de orgasmos. Que pereça a natureza do que se coloniza e que fique apenas o estanho deste estranho. Da estranha transversa? Domestique-se o corpo da pusilânime nativa das terras inorgânicas de intensidades soltas. A devastação do corpo em favor dos destroços é a marca do epistemicídio; os saberes estão nos corpos. Esquartejar é jogar as bruxas nas labaredas para transformar mulheres em esposas e mães (ou em resíduos das esposas: santas, putas, professoras, executivas, vítimas). Esquartejar, separar os quartos, arrancar dos armazéns as reservas, fazer dos quartos armazéns com reserva. Separar as intensidades até que fiquem apenas pequenas luzinhas, faroletes que indicam: estou pronta.

E depois pouco importa a morte, a vida, o carbono e a agência se o corpo já não transmite. Orlan internada, Orlando internada e o supermercado vendendo o bosque empacotado para ser repartido. Quem está viva? Ana Lama, vulnerável à arte sem hora marcada, que não gosta mais do dinheiro do que do que ele pode comprar, que nem gosta mais de segurança do que da paz. E nem caiu de amores pela paz. Ao invés disso, fica descarbonizada, abraçada ao inorgânico na terra, enterrada, bússola, como a congelada de uva.



Batidas de animismo futuro


Saiu já há quase um mês as Batidas de animismo futuro. Ouçam.