Volto a Abya Yala, de dois sopetões, primeiro em Tlalocan, terra da fertilidade bruta, depois ao Goiás, onde fizeram Brasília para criar modernos à ferro e concreto armado. Cidade primeiro, habitantes depois. Os modernos são grandes reterritorializadores - suas terras conquistadas são ombros camponeses (e rios limpos, asas de borboletas mondriânicas, sapos com mensagens cifradas). As conquistas são sempre regadas por epistemicidas. Por isso os camponeses e os indígenas são os estranhos que desaparecem. Um epítome desta época da modernidade (nem tardia e nem prematura, provavelmente): o outro está de costas. Partindo. Indo para longe e evanescendo. Um pouco como diz Byung-Chul Han: o negativo exorcizado. Mas não só exorcizado, extirpado. Há uma fantasmagoria nas causas ecológicas e indígenas: de um passado que precisa ser reinventado já que é esfumaçado. É como as marcas das adinkras nas formas dos tecidos afros de Abya Yala: conteúdos esquecidos, reminiscências persistentes. O outro é um fantasma - e por isso Han compara ele a um fardo. O que assombra é também alguma coisa que precisamos carregar. Brasília é cheia de fantasmas. E quase não há outros outros.
É um tempo excruciante se marcamos os ponteiros com Gaza. Tenho assistido a documentários sobre a Nakhba palestina
(como esta da Al Jazeera), o que me informa já que fui amamentado com um leite pró-sionista. E então penso, desde Abya Yala, o continente que foi primeiro Colónizado e foi reColónizado tantas vezes. E nele eu penso na minha posição na ordem Colón das coisas: white but not wasp, cidadão de um país correndo atrás, com identidades internacionais prontas para a perseguição e para a inquisição e para simulação (judia, sefaradi), criado para ser urbano e desprezar o que é camponês, educado para ser masculino mas com dose grande de heteroginefilia e muita autoginefilia, acolchoado por obviedades da classe média, cercado de gente comprometida com a brancura e que gosta do afro sem nome. Na minha escala entre global e local - entre Güeros e índios, habito um meio. Índios de autóctones, de longínquos, de adivasis, de independentes. Na empresa de abrir caminhos para modernos, este povo de geometria variável, como diz Latour, e crescente anseio por Lebensräume, eu fui colocado no meio da escala. Como brasileiro, não era um indígena mas também não era um ocidental. Como judeu, eu não era um desabrigado, mas trazia uma história (oficial) de desabrigo. Quando eu crescia, acreditei tanto nestas arquelatrias de identidade que pensei que teria que escolher entre dedicar-me aos latino-americanas ou dedicar-me às judeus. Eu percebi logo que os híbridos são diplomatas. Modernês eu falava com sotaque, palavras indígenas, balbuciava. Onde estava o orgulho e onde estava a vergonha, decidiria que diplomacia eu faria - a de Cortez ou a de Gonzalo Guerrero.
Estas minhas duas identidades arquelátricas já estavam postas a serviço (diplomático) dos modernos quando eu nasci. A haskalah (iluminismo) judaico que aconteceu na Europa desde o fim do século 18 - e que Napoleão convocou e mostrou ao mundo - foi o berço do sionismo. Esqueçam suas raízes indígenas incômodas e modernizem-se: sejam uma nação e ajudem os modernos - os globais - a organizarem o mundo para que eles o entendam (em governos, fronteiras, autoridades). A Nakhba seguiu-se daí. A Shoah talvez tenha sido o último suspiro da modernidade cheia de raízes profundas disfarçadas contra os judeus errantes, nômades, descabidos. Depois disso, alguns judeus se aliaram à modernidade cheia de raízes profundas disfarçadas (os globais cheios de localidades recônditas) contra os errantes índios. Alguns judeus aprenderam a lição: os modernos respeitam quem garante a expansão de sua geografia. É por isso que Israel é admirada pelas classes modernas brasileiras: paradigma de modernidade em expansão. Na missão de ser um exemplo para os índios atrasados que insistem em fazer diferente. O Brasil sonha em ser ocidente. Em ambos os casos, a modernidade é nas toras: não há tempo para hospitalidade ou hesitação já que tem sempre o mestre olhando. Até quando o mestre preferia não ter que ver.
A colonização é uma eterna vigilância. Mesmo que o colono esteja dormindo. Já eu, estou indo para outro lugar.
Minha identição de leite caiu.
PS: este texto é gêmeo deste. Seu título é levemente inspirado no livro de Valeria Luiselli.
É um tempo excruciante se marcamos os ponteiros com Gaza. Tenho assistido a documentários sobre a Nakhba palestina
(como esta da Al Jazeera), o que me informa já que fui amamentado com um leite pró-sionista. E então penso, desde Abya Yala, o continente que foi primeiro Colónizado e foi reColónizado tantas vezes. E nele eu penso na minha posição na ordem Colón das coisas: white but not wasp, cidadão de um país correndo atrás, com identidades internacionais prontas para a perseguição e para a inquisição e para simulação (judia, sefaradi), criado para ser urbano e desprezar o que é camponês, educado para ser masculino mas com dose grande de heteroginefilia e muita autoginefilia, acolchoado por obviedades da classe média, cercado de gente comprometida com a brancura e que gosta do afro sem nome. Na minha escala entre global e local - entre Güeros e índios, habito um meio. Índios de autóctones, de longínquos, de adivasis, de independentes. Na empresa de abrir caminhos para modernos, este povo de geometria variável, como diz Latour, e crescente anseio por Lebensräume, eu fui colocado no meio da escala. Como brasileiro, não era um indígena mas também não era um ocidental. Como judeu, eu não era um desabrigado, mas trazia uma história (oficial) de desabrigo. Quando eu crescia, acreditei tanto nestas arquelatrias de identidade que pensei que teria que escolher entre dedicar-me aos latino-americanas ou dedicar-me às judeus. Eu percebi logo que os híbridos são diplomatas. Modernês eu falava com sotaque, palavras indígenas, balbuciava. Onde estava o orgulho e onde estava a vergonha, decidiria que diplomacia eu faria - a de Cortez ou a de Gonzalo Guerrero.
Estas minhas duas identidades arquelátricas já estavam postas a serviço (diplomático) dos modernos quando eu nasci. A haskalah (iluminismo) judaico que aconteceu na Europa desde o fim do século 18 - e que Napoleão convocou e mostrou ao mundo - foi o berço do sionismo. Esqueçam suas raízes indígenas incômodas e modernizem-se: sejam uma nação e ajudem os modernos - os globais - a organizarem o mundo para que eles o entendam (em governos, fronteiras, autoridades). A Nakhba seguiu-se daí. A Shoah talvez tenha sido o último suspiro da modernidade cheia de raízes profundas disfarçadas contra os judeus errantes, nômades, descabidos. Depois disso, alguns judeus se aliaram à modernidade cheia de raízes profundas disfarçadas (os globais cheios de localidades recônditas) contra os errantes índios. Alguns judeus aprenderam a lição: os modernos respeitam quem garante a expansão de sua geografia. É por isso que Israel é admirada pelas classes modernas brasileiras: paradigma de modernidade em expansão. Na missão de ser um exemplo para os índios atrasados que insistem em fazer diferente. O Brasil sonha em ser ocidente. Em ambos os casos, a modernidade é nas toras: não há tempo para hospitalidade ou hesitação já que tem sempre o mestre olhando. Até quando o mestre preferia não ter que ver.
A colonização é uma eterna vigilância. Mesmo que o colono esteja dormindo. Já eu, estou indo para outro lugar.
Minha identição de leite caiu.
PS: este texto é gêmeo deste. Seu título é levemente inspirado no livro de Valeria Luiselli.
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