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venerdì 14 marzo 2014

Índio é Noise


Nós somos barulho. Um estrondo em forma de zumbido, de lufada e de arrastão. Destes que assombram. Assombram porque preferem às hidroelétricas a voz do sedimento nas pedras do chão. Porque ao invés de apertarmos interruptores preferimos indigenizar as cidades, as paredes dos apartamentos, as calçadas e os telefones celulares. Virar índio. Virar essa perturbação ao Brasil. O país a contrapelo. A contracorpo. Desde as primeiras bravatas. Desde Caminha. Desde os primórdios havia um ruído de matéria viva no projeto de terraplanagem com cruz e caldeirinha de uma tabula rasa. Havia um eco. A tabula era funda - da cor da terra camada por camada, grão a grão. Somos o outro barro e o outro berro, o tom desafinado e esganiçado nas árias de Domenico Zipoli, de Yapeju, de Carlos Gomes. Aquele som de segredo nas pedras guaranis. O som que não era para ouvir. Mas que nós sintonizamos. Nós os que querem uma coisa que não cabe na geladeira. Virar índio, e com o computador, e com o vibrador, e com o liquidificador. Movidos à mais ruidosa das energias. Movida a sol.

Não somos muitos todo tempo, mas às vezes somos imperceptíveis e, ainda assim, indomados. Nem chegamos pra ficar. Chegamos para relampejar. É que tem tremembé insubordinado dentro de qualquer bobina, um caxixó sub-atômico dentro de toda linha de transmissão, tem um uivo trumai deslizando pelas paredes dos reservatórios. Alguns natos, muitos adotados. Todos devoradores de brancos. Devoramos pelas beiradas, pelos beiços, pela beleza. Noise é antropofagia. É dança sem sonoplastia. Cochicho. E pelo pé dos ouvidos, tocamos um pedaço de chocalho, trançamos taquaras, fazemos em cada pilastra de concreto das cidades um pau-de-tempestade. De meme a meme. Até a demografia amarelar.

Tudo começou com uma de nós descendo um rio. Numa canoa. Cheia de técnicas. Cômodas. Complicadas. Trazia um jeito de preservar mandioca, um jeito de aproveitar as ervas das selvas para dormir melhor, um ruído estridente do fundo da garganta para deixar as metamorfoses tomarem corpo, um jeito de encontrar um espectro livre no alto de uma árvore cheia de frutas. Ela encontrava pessoas pelo caminho, crianças quilombolas, latifundiários, macunaímas intempestivos, gente que ficou pelo caminho da coluna Prestes, garimpeiros e descendentes arcaicos dos tupinambás mais dissolutos. E dizia: eu quero fazer uma aldeia com as máquinas que vocês desejam. Eu sou Beta. Eu trago da matéria bruta a força bruta do distúrbio suave. A aldeia foi crescendo a um ritmo de bola de vírus: um espasmo kraô, cambós pelos braços empunhados, um pé guarani-kaiowá fincado na terra. O país inteiro virado ao avesso. Condomínios cheios de ocas, igrejas com cheiro de daime, governos fazendo catimbó e se dissolvendo em hectares e hectares de Raposa Serra do Sol. Até okuparmos a explanada dos controles. Noise fazendo um quarup ministerial. Até que escrevam pela história que, pelos horizontes de Pindorama, o ocidente foi acidente.


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