passei a madrugada lambendo pílulas
como se eu fosse boreal
e quisesse hilan de manhã artificial -
mas não serviu, preferi ser mãe,
esquecida, vaga, gratuita ou ser um pedaço de colher
aquele pedaço que curva e depois abaula
segura o pedaço de cenoura ou a gota de água
e espera e retém.
disse a ela que eu inundava e ela
me disse que a educação dos frissons não era bem feita
era preciso me esticar e redobrar de novo
raspar minha auréola com ferrugem,
com insônia, com a ponta do grampeador ou
abrir a boca até cansar as duas mandíbulas
e sair andando pela calçada da Dom Bosco
até fazer amor com os restos do sanduíche da madrugada
na porta de serviço do pronto-socorro e
debaixo da mangueira enorme
agora mesmo que acabou a estação.
como se eu fosse boreal
e quisesse hilan de manhã artificial -
mas não serviu, preferi ser mãe,
esquecida, vaga, gratuita ou ser um pedaço de colher
aquele pedaço que curva e depois abaula
segura o pedaço de cenoura ou a gota de água
e espera e retém.
disse a ela que eu inundava e ela
me disse que a educação dos frissons não era bem feita
era preciso me esticar e redobrar de novo
raspar minha auréola com ferrugem,
com insônia, com a ponta do grampeador ou
abrir a boca até cansar as duas mandíbulas
e sair andando pela calçada da Dom Bosco
até fazer amor com os restos do sanduíche da madrugada
na porta de serviço do pronto-socorro e
debaixo da mangueira enorme
agora mesmo que acabou a estação.
1 commento:
ODE AO BURGUÊS
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns milreis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam o "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar... – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giôlhos
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fú! Fora o bom burguês!
Mário de Andrade
Paulicéia Desvairada (1922)
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