Para Lucas
Drogas, entorpecentes, substâncias (como se nada mais fosse, como se algo fosse), alucinógenos, plantas de poder (como se elas tivessem um ministério ou uma secretaria de Estado), psicodélicos, ontodélicos, geodélicos, tóxicos. Não sei falar delas. Nem sequer sei se todas elas tem o mesmo pedigree...
- Os antropólogos, ou a maioria deles, não fala dos acoplamentos entre as gentes que eles estudam e as ervas que elas ingerem. O Sonho dos totemistas da Austrália é a visão primordial que aparece em uma forma de consciência alterada. Mas os antropólogos preferem não falar das ervas associadas aos totens. Preferem deixar os totens ilúcidos, diz o Lucas.
Deve ser, eu penso, que não há mesmo uma antropologia, porque cada humano é uma circuitaria que envolve muitos tipos diferentes de elementos não-humanos. Não há Terenas, não há Campas, não há Arandas, não há Totonacas a não ser como associações de ingestões, de digestões, de rejeições. Cada uma destes emaranhados tem que ser tecido e retecido todos os dias - com materiais anônimos ou com as almas comidas. Uma gestão. Não há um máximo fator comum puramente humano por trás das associações devoradoras com os não-humanos. É por isso, eu digo, que não temos palavras para esta flora e fauna constituintes. Alteração de consciência - como se a consciência estivesse pronta e fosse alterada. Há coletivos, com elementos intragestivos e extragestivos. O tubo é que é o rio por onde nunca passa a mesma boiada duas vezes.
- Mas quando é que um estado entre tantos, uma certa configuração biológica, passou a ter estabilidade e a lucidez virou uma substância selada, certificada, etiquetada e empacotada?
O Lucas pergunta da caça às bruxas microbióticas. Pergunta às nuvens de chuva se armando no fim da manhã de novembro. Pergunta a uma Silvia Federici que procure o capitalismo nos rastros das microbiotas. Um regime alimentar, eu digo, é um regime: nós aprendemos que somos onívoros, e que tudo é comida. Comida, não mais que comida. Não é dádiva do não-humano. Não é roubo do não-humano. Não é peregrinação ao não- humano. Nem é acordo com o não-humano. É comida. Como se comer um boi fosse como comer um musgo. E chamar todo o resto de comida - nós não somos comida - é uma camuflagem.
- Mas a digestão, ele diz. Nas horas da digestão, a humanidade está em risco no corpo. É preciso andar na ponta dos pés como se estivéssemos no meio de um campo de batalha. Almoçou e tomou banho...
Na barriga, o palmito grudou na costela; a medula revirava soltando polvilho. Era uma tontura destas que não é nem ribanceira acima ou ribanceira abaixo. Era um estrangeiro em mim, muito acomodado, que eu acossava. Eu me contorço disfarçado: colocamos muitos joules de energia do planeta a serviço de manter a humanidade humana. Repetindo uma receita de híbrido. É um trabalho feito na surdina, como tantos outros nos supermercados, por trás das embalagens, dos pacotes, dos trabalhadores mal-pagos que carregam toneladas de mantimentos para as prateleiras da loja.
Drogas, entorpecentes, substâncias (como se nada mais fosse, como se algo fosse), alucinógenos, plantas de poder (como se elas tivessem um ministério ou uma secretaria de Estado), psicodélicos, ontodélicos, geodélicos, tóxicos. Não sei falar delas. Nem sequer sei se todas elas tem o mesmo pedigree...
- Os antropólogos, ou a maioria deles, não fala dos acoplamentos entre as gentes que eles estudam e as ervas que elas ingerem. O Sonho dos totemistas da Austrália é a visão primordial que aparece em uma forma de consciência alterada. Mas os antropólogos preferem não falar das ervas associadas aos totens. Preferem deixar os totens ilúcidos, diz o Lucas.
Deve ser, eu penso, que não há mesmo uma antropologia, porque cada humano é uma circuitaria que envolve muitos tipos diferentes de elementos não-humanos. Não há Terenas, não há Campas, não há Arandas, não há Totonacas a não ser como associações de ingestões, de digestões, de rejeições. Cada uma destes emaranhados tem que ser tecido e retecido todos os dias - com materiais anônimos ou com as almas comidas. Uma gestão. Não há um máximo fator comum puramente humano por trás das associações devoradoras com os não-humanos. É por isso, eu digo, que não temos palavras para esta flora e fauna constituintes. Alteração de consciência - como se a consciência estivesse pronta e fosse alterada. Há coletivos, com elementos intragestivos e extragestivos. O tubo é que é o rio por onde nunca passa a mesma boiada duas vezes.
- Mas quando é que um estado entre tantos, uma certa configuração biológica, passou a ter estabilidade e a lucidez virou uma substância selada, certificada, etiquetada e empacotada?
O Lucas pergunta da caça às bruxas microbióticas. Pergunta às nuvens de chuva se armando no fim da manhã de novembro. Pergunta a uma Silvia Federici que procure o capitalismo nos rastros das microbiotas. Um regime alimentar, eu digo, é um regime: nós aprendemos que somos onívoros, e que tudo é comida. Comida, não mais que comida. Não é dádiva do não-humano. Não é roubo do não-humano. Não é peregrinação ao não- humano. Nem é acordo com o não-humano. É comida. Como se comer um boi fosse como comer um musgo. E chamar todo o resto de comida - nós não somos comida - é uma camuflagem.
- Mas a digestão, ele diz. Nas horas da digestão, a humanidade está em risco no corpo. É preciso andar na ponta dos pés como se estivéssemos no meio de um campo de batalha. Almoçou e tomou banho...
Na barriga, o palmito grudou na costela; a medula revirava soltando polvilho. Era uma tontura destas que não é nem ribanceira acima ou ribanceira abaixo. Era um estrangeiro em mim, muito acomodado, que eu acossava. Eu me contorço disfarçado: colocamos muitos joules de energia do planeta a serviço de manter a humanidade humana. Repetindo uma receita de híbrido. É um trabalho feito na surdina, como tantos outros nos supermercados, por trás das embalagens, dos pacotes, dos trabalhadores mal-pagos que carregam toneladas de mantimentos para as prateleiras da loja.