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martedì 22 ottobre 2013

Minha fala no evento Jabès amanhã

Amanhã, no evento Jabès que começa às 14 horas no mezanino do ICC sul, antigo LET, falo sobre subversão, hospitalidade, questões e interrogatórios. A fala se chama "A verdade conhece todas as subversões. O pensamento em uma tonalidade Jabès". O texto:

Amin Maalouf, por exemplo em seu Le premier siècle après Béatrice, destila o temor de que uma era de questões – como o século XX – tenha que ser seguida de uma era de soluções. As questões são para serem cultivadas, elas têm um matiz a ser protegido do inferno das soluções. As questões semeiam e prometem já que são começos, mesmo que sem princípios; as soluções – como a Solução Final – trazem com elas a inflexibilidade dos términos, do terminal, do fim de linha.

Quando uma questão é levantada, quando ela perturba o que já parecia solucionado, o pensamento experimenta uma proliferação em esboço, uma suspensão que se apoia em nada mais do que na virtualidade das respostas; uma inauguração. Peter Handke, que transita pelo material de instabilidade do qual se fazem questões, escreve em sua Geschichte des Bleistifts da busca pelo começo, pela gravidade do começo, da aquisição do começo que ele compara com a brancura encarnada. O branco da aquisição do começo é o que escapa da língua declarativa – o que não cabe nas respostas. Deleuze, em sua dialética do problema (Difference et Répétition, 4), cita Lautman que diz que o problema tem três aspectos: sua diferença em relação às soluções, sua transcendência com respeito às soluções que ele engendra e sua imanência com respeito às soluções que vão encobri-lo. O problemático é o que persiste não porque ele promove uma suspensão do juízo que é a indisponibilidade da resposta, mas porque ele inaugura. E é a inauguração da questão que é o novo no muito antigo: a questão é uma ponte suspensa no ar e todas as questões respondidas guardam ainda sua transcendência já que ela fica recapitulada em todos os esforços para se assimilar a solução. A suspensão do juízo é ainda sucursal do primado da solução, já que a questão aparece como uma falta de resposta. Porém também na falta de resposta insiste a força da questão, a força de um pensamento dos começos. A questão é um vestígio do inacabado. Da incompletude, daquela que não conhece sequer a medida de sua incompletude. A questão aponta para um infinito – não para a medida do tudo e do nada, mas para a medida do inalcançado.

Uma resposta é sem memória, diz Jabès (PLSHS, 29 ), a questão apenas se lembra. Os começos são memoráveis, são eles que prometem sem ainda saberem o que é possível. Na mesma página, Jabès escreve: não podemos interrogar senão o poder, o não-poder é a questão mesma. Este é o endereço da subversão, a questão que fica suspensa – o avesso do interrogatório que já é o momento onde a questão requer resposta. E é o interrogatório que funda um regime de pensamento em que os começos são inícios do que pretende ser completado, em que nos dirigimos aos outros, a nós, a todo o resto como quem tortura (ou como quem busca a quietude das coisas prontas, a ataraxia da clareza). Ainda na mesma página, Jabès escreve: a questão é a sombra, a resposta é a breve claridade. O regime de pensamento que atende à claridade ainda que breve, ao invés de se ater ao movimento das sombras, se fixa nos pontos finais. As sombras, por serem evidência, é aquilo que Jabès entende como o terreno ideal onde opera a subversão. O interrogatório, o avesso da subversão, por outro lado, é o terreno do pensamento apressado. Do pensamento que quer soluções. Talvez a diferença seja entre o pensamento que se dirige ao seus objetos e o pensamento que vaga por entre eles já que não tem residência fixa. Há o pensamento das palavras – da clareza dos preconceitos e, portanto, aquele que invoca o que está consumado nas coisas – e há o pensamento do abismo que bate à porta de Deus, aquele que transita pelo esquecimento de uma palavra. A subversão transita por entre os silêncios e os gestos que inventam uma versão a contrapelo. Jabès encontra a subversão na insistência de começar, no que ainda não é sideral como um furo no guarda-chuva de D. H. Lawrence (em Chaos in Poetry): a ordem que perfurada revela o caos subjacente ao guarda-chuva pintado onde fizemos um nicho. A subversão nem é uma oposição à repetição, já que ela pode ser habitual. Ela não é mesmo oposição alguma, nem contraposição – é um flerte com o nada, é a criação de Deus feita à sua imagem (a imagem de Sua subversão) (31). A arte de viver é que é ela mesma movida pela subversão (32).

Pensar a subversão é um capítulo de um engajamento com um pensamento alheio aos interrogatórios. A verdade, que conhece todas as subversões, não é o que fala um oceano ou uma ameba ao serem torturados, mas é um advérbio. A verdade é um modo como surge alguma coisa: abrigando. Um modo subversivo: que atende à insurreição, que provoca singularidades. A verdade como um advérbio é uma maneira de desencobrir, uma tonalidade do desvelamento – não é nem sequer o que ela revela, mas aquilo que ela torna possível revelar. É que Jabès parece operar em um fôlego no qual é comum passar ofegando como se passa por um beco antes de chegar na avenida iluminada – ou na porta de casa. É o fôlego onde reside um estranhamento que ainda não é tradução, um biombo que ainda não é nudez, uma cadência que ainda não é batida. Fôlego de um instante – um instante que tem a densidade daquilo que reclama nossa plena adesão (10). A subversão é pacto de futuro (11). A subversão é corriqueira como a verdade é habitual – sua força é que é sorrateira. Ela comanda atenção e, como um beco, pode ser apenas um local de passagem, uma transição. Há quem comece para terminar, e há quem comece. Entrar em si é descobrir a subversão (15) já que o eclodir de todo pensamento (de todo pensamento de si) é uma distorção, é uma insurgência, é uma insolência. Interpretar – uma regra, um livro, uma lei, um gesto – é retirar o foco de uma presença plena. Nenhuma resposta pode ser concebida ou entendida sem ficar borrada de questão. E a questão é singular, sem lugar, sombria. O instrumento range para ser afinado, o pensamento atravessa zonas borradas para chegar em alguma narrativa. Zonas borradas, becos, sombras que abrigam a verdade virtual. A verdade não poderia desconhecer alguma subversão – e é por isso que ela talvez não exista já que Jabès escreve: se a verdade existisse, ela seria nosso único adversário; felizmente ela não existe e nós podemos nos inventar inimigos (83). A verdade é a distorção da verdade. Se ela existisse, plena e potenciaria, ela seria a cruz e a espada das salas de interrogatório. Mas ela é sombra, sombra de dúvida. Ela transita pelos sussurros, pelas insinuações – naquilo que uma vez eu disse que só poderia ser pensado de soslaio (E&E, 10). A verdade não existe no meio-dia das presenças plenas, ela apenas insufla como um vento, como uma arruaceira – ela só cabe nas subversões.

Jabès transita por entre os acordes do pensamento em que ele não interroga, nem responde ao juízo de Deus, nem anda às voltas com completudes. Transita entre acordes em que o pensamento não responde nem cumpre uma tarefa, mas se incumbe de começar. Trata-se de uma tonalidade. Ela talvez tenha sido uma das muitas que foram fertilizadas com a sentença de Heidegger (acerca da sentença de Nietzsche Deus Morreu): O pensar só começará quando tivermos experimentado que a razão, venerada desde há séculos, é a mais obstinada opositora do pensar. No entanto não se trata de se livrar do ímpeto interrogatório que a razão supostamente repete. Trata-se antes de passar ao largo da cartografia do interrogatório e se demorar na incompletude dos começos. Por isso a rapidez dos textos independentes que soam como fragmentos iniciais para todo um pensamento insinuado, que contrasta com a pressa do pensamento que quer completar sua tarefa e chegar a um resultado que dispensa qualquer questão subsequente. É uma tonalidade da demora no começo. É encontrar a densidade das capacidades mesmas de inaugurar que precisam rondar o pensamento. Jabès é o nome mesmo desta tonalidade: uma tonalidade de subversão que é ao mesmo tempo uma tonalidade de hospitalidade. O pensamento da questão é o pensamento da subversão, por isso mesmo é o da hospitalidade – o avesso do interrogatório. O acolhimento é, no pensamento, o momento que tem que anteceder, mas que contrasta com aquele de fechar questão. No acolhimento, a receptividade é um estado diante do que aparece – por isso Jabès a coloca na encruzilhada dos caminhos (LH, 13 ). É uma atitude de um começo. O pensamento que abriga a alegria, a depressão e a maldade como a pensão de Rumi, sabendo que nenhuma delas vai fixar residência para sempre. A hospitalidade não é para quem fixa residência, é para quem chega. Um fôlego, uma maneira de respirar do pensamento, uma tonalidade – aquela da attente. Ela é hospitaleira (22). A espera que insinua o que está a algum alcance e que evoca uma salvação – um suspiro, uma respiração presa. A palavra de Blanchot: ter uma parte de si a disposição. Estar disponível como quem pode ser movido, como quem pode ser afetado, como quem pode ser salvo. A espera traz também a messianicidade em que transita todo pensamento já que mais do que vestígios escritos ou registros sonoros, ele transita entre as garrafas jogadas ao mar. De toda parte pode vir o Messias, estar em attente é o estado Beckettesco e sebastianista de quem respira a incompletude das coisas. A espera é a transcendência, mas a espera do dono da pensão é a transcendência que abriga uma vez que todas as coisas não podem estar juntas a espera de uma salvação pois isto as tornaria prontas. Nós esperamos uns aos outros. De toda parte pode vir aquele que virá. A hospitalidade é também como o rio do horizonte que saúda todos os acontecimentos que chegam. O pensamento da hospitalidade é o pensamento da abertura – aquele que espera um acontecimento qualquer.

Jabès escreve que para aquém da responsabilidade, há a solidariedade; para além dela, há a hospitalidade (56). A hospitalidade é uma abundância e uma dádiva: ela não é calculada e nem contratada (e nem negociada, e nem mesmo medida). Pensar com ela é se demorar nos momentos de proliferação. É preciso cuidar para que as questões não virem interrogações, para que a frutificação não seja contada com parcimônia – questões são abridoras de horizonte. Esta é uma atenção de Jabès: o cuidado com os começos inseguros, que eles fiquem bambos já que eles abrigam toda sorte de peso. A hospitalidade é também abrigo da verdade – já que nela reside quem nunca acaba de chegar. A hospitalidade é um acordo silencioso (21) e talvez seja o outro lado daquilo que Jankélévitch chamou de verdade das verdades que nunca pode ser provada – o je-ne-sais-quoi que faz com que ainda falte chegar, em tudo o que chega. A pensão não se fecha, a espera não acaba, o Messias não aparece ainda. Porém a pensão não se fecha não porque os hóspedes são insatisfatórios e ainda um outro hóspede vai chegar que vai merecer que se feche a pensão. A hospitalidade é para Jabès o primado da atitude diante de qualquer revelação – como a prioridade do outro de Lévinas diante de qualquer pensamento ontológico. Que haja um je-ne-sais-quoi pode prover credenciais à hospitalidade (e a subversão) para que ela continue na cadência da incompletude. Porém Jabés não está a procura do crivo, ele quer se demorar na hospitalidade já que há um exílio mesmo das mais avalizadas verdades reveladas – e todo pensamento ontológico floresce sobre o estrume de um outro dispensado. A hospitalidade é indiferente às revelações como é às decisões. Nem sequer o pensamento da hospitalidade precisa se demorar em escolher seu objeto, seu escopo ou sua direção: a hospitalidade não se direciona um objeto decidido, ela procede sem foco porque habita na espera, mas também porque escuta a prédica do Reb Ildé no Livre des questions: que diferença há entre escolher e ser escolhido já que nós não podemos fazer outra coisa que nos submeter à escolha? A escolha, a decisão é já um acontecimento para aquém da hospitalidade, que pode dar seus contornos, como pode traçar seus limites já que não se trata de sustentar a recomendação para que vivamos no acolhimento e pensemos sempre no tom da hospitalidade. Não se trata de sustentar recomendações, mas antes de tornar visível, denso, sensível a intensidade do pensamento guiado pelo seu ímpeto de ser uma pensão. Tocar no pensamento quando ele carrega as confianças dos começos. Já a escolha, ela pode vir da responsabilidade, assim como a decisão pode ser ter sido feita pela solidariedade, mas elas são alheias à hospitalidade.

O pensamento da hospitalidade é assim talvez um ramo da não-filosofia de Laruelle que pretende romper com a decisão filosófica que determina o escopo do pensamento, deixa-lhe entregue a um foco como quem lhe atribui um quinhão do mundo. A decisão filosófica produz um objeto filosófico, um objeto resguardado, reservado, protegido – é aqui que o pensamento se foca e nenhuma outra diferença pode fazer diferença. Uma Unter-schied que é também o que fica abaixo da diferença, imune a ela. A decisão provoca uma espécie de imunidade, de proteção, de segurança (sine cura) ao pensamento. O pensamento solto é aquele que não é submetido a uma escolha, e nem é aquele que escolhe, mas reside naquilo que acolhe. O pensamento da hospitalidade não quer substituir a filosofia, mas fazer questão daquilo que a precede, daquilo que aparece quando a filosofia ainda não é alguma coisa que possa ser invocada. É que antes de ter casas onde há residências fixas, todo endereço esteve aberto a quem chegasse, a qualquer ocupação, já que o espaço é ele mesmo casa de pensão. Os hóspedes, é certo, podem chegar e sair, podem ir fixar residência alhures. Mas há uma tonalidade que pode aparecer quando eles chegam: são esperados. A espera que é a espera do outro e por isso mesmo a espera do qualquer. A mercê das messianicidades, da messianicidade qualquer. A hospitalidade, então, é silenciosa, é da natureza dos subtons – Jabès a contrasta com a responsabilidade que é filha do diálogo sobre o qual ela ingenuamente se apoia (21). A hospitalidade está na entrelinha onde a questão ressoa, onde a questão fica ecoando e é tratada como uma disponibilidade. Estar a disposição é um silêncio que regenera, que torna possível um ato de começo, que concede permissões. E a hospitalidade se separa sutilmente da imposição, com uma sutileza do que envolve todas as outras coisas ao redor – como em toda diferença entre violência e entrega, entre invasão e recepção. A total disponibilidade, diz Jabès, conduz à hospitalidade. A dis-posição contrasta assim com a dis-puta – a Aus-ein-ander-setzung que, se examinada em sua micro-estrutura, tem um gesto também de hospitalidade, aquele que diz: vem de um outro lugar para cá, vem, chegue – saia do lugar, chegue mais. O acolhimento é sempre espacial, ele está nas posições e também no pouso. Mas ele também tem uma duração, uma memória: que tua memória seja uma casa, diz Jabès (59). Que as memórias abriguem, que elas acolham – mesmo que elas não existam. Jabès escreve: [se tu não te lembras de nada], tu habitas neste Nada, diz o nômade. Assim, a coisa a transmitir não é senão poeira de areia e de livro, poeira de vocábulos. Tudo está para ser reescrito. O nascimento da hospitalidade. (96)

O pensamento da hospitalidade é uma política – paralela à política da subversão. A verdade, que conhece todas as subversões, reside na precariedade dos começos. A realidade, diz Jabès, está do outro lado da parede, basta um furo para surpreendê-la (22). Um furo na parede: a subversão, a hospitalidade, o começo. Ela tem a cadência do tempo das surpresas. O pensamento instaura durações, estados em que os começos são acolhidos e encontram a encruzilhada onde podem proliferar: o pensamento do que surpreende, ainda que não compreenda. A atitude política: receber o que chega. A hospitalidade não é um programa político completo – nem a subversão pode ser mais do que um gesto de fazer questão. A escrita da hospitalidade é uma escrita de feridas, da tonalidade do luto e da tonalidade das insinuações. Um programa político talvez precise de solidariedade e de responsabilidade – a parte da hospitalidade é a da reescrita. Ou talvez um programa político só possa habitar entre as soluções. A tonalidade Jabès é a da política das questões. É aquela que insiste que coisa alguma está pronta. Porque é inacabada, precisa ser começada.



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