Visualizzazioni totali

mercoledì 30 ottobre 2013

Galatzia me dando força na peruca ontem nos Corpos Diversos

Corpos Diversos, Rio, Casa de Rui. Evento concebido por Ana Chiara e sua super turma. Falei assim:

Elementos para uma dermatologia especulativa:
A erótica, a política e a ontologia da pele


O interior. O endereço da especulação e talvez o avesso da vida se Nietzsche tinha razão em recomendar um modo de viver (grego) que para corajosamente na superfície, na dobra, na pele e adora a aparência – todo o Olimpo da aparência. Mas a aparência, e o sensível, e o sensual, também tem seus interiores. Schelling se pergunta (em Ideen) que é aquilo que origina a sensação? Algo de interior, uma característica interna da matéria [...] Pois onde se encontra este interior da matéria? Podeis dividir até o fim da matéria e nunca passareis das superfícies dos corpos. O interior é a pedra, interlocutora de Szymborska e que diz mesmo que você me queber em pedaços, nós ainda vamos estar fechadas para você, você pode nos triturar em areia e, ainda assim, nós não deixaremos você entrar. Mas dentro da superfície da pedra há a superfície da areia, a superfície dos grãos, a superfície espaço entre os grãos. Estar dentro é também estar às voltas com as peles que recobrem já que nada pode ser sensível sem ter a sensualidade de uma superfície que pode ser sentida.

É que pelo menos no sensível, existir é poder ser encontrado. Nada fica no sensível sem poder ser sentido. Nada fica sem pele já que tudo fica em uma superfície. Fica exposto. Ficar posto no espaço é ficar exposto, posto para fora, ser afetável. Existir é estar em uma encruzilhada. É estar a mercê do que mais existe já que se existe tendo uma pele, onde se começa e onde se termina. A encruzilhada dos existentes, a encruzilhada do que existe. Do que existe também. Porque existir é coexistir. Ser é estar em companhia. (Do que mais seja). Existir é estar no meio das coisas que existem, expostas a ela, com uma pele. A pele é exposição. É disposição. E é disponibilidade. E é à disposição. Pela pele entram os bárbaros, os bacilos, os desejos, os ventos, os acasos. A substancialidade do sensível é dermatológica – é sobre isso que eu quero especular. Especular com a epiderme virada para os estratos subcutâneos, entrelaçada na endoderme, adentrada no stratum spinosum, membranas adentro. Pelo interior da pele, sem sair da soleira, sem sair da soleira senão para entrar em outra soleira já que toda coisa que existe e persiste tem fronteiras. Todo indivíduo é também refém de sua pele já que existir é coexistir. Especular sobre o que faz parecer que no sensível tudo corre – tudo corre porque tudo é susceptível a tudo. Tudo está a mercê. O sensível, que é domínio dos contágios, das infusões, do que toca, do que se toca, do tocante, das insinuações, do contato, do trato, da flor da pele, é muito sensível. Qualquer desatenção, pode ser a gota d’água.

O sensível também tem ele todo uma pele. Se ele pode ser encontrado, ele pode ser tocado. Ele todo não pode existir sem se exibir. Ele todo é um horizonte de insinuações – e é por isso que o desejo está espalhado por todas as peles que eu posso esfregar. O sensível está para ser sentido, está a disposição, está aberto a quem chega. O sensível é o que tem uma aparência. E tem uma presença independente de todas as suas qualidades – tudo o que é sensível pode ser apontado: aquela ali. Esta capacidade de ser espiada sem ter suas qualidades inspecionadas é o que faz uma coisa sensível ter o que Duns Scotus chamava de haecceitas. A presença é um assunto de peles, de membranas, de máculas. Quem esbarra, não esbarra em profundezas antes de esbarrar na pele – é nela que se toca. Posso não saber nada da pele que eu toco – posso não me tocar do que toco, mas toco. Nada pode estar presente sem estar em exibição. O trato – o contato – não é uma questão de conhecimento do interior, é uma questão de notar o que se exibe. Não é uma questão de entranhas, mas uma questão de nervuras. Ser sensível é também poder tocar, poder afetar. Os eleatas diziam: provocar e ser provocado.

O sensível é sensível porque carrega uma virtualidade – por isso parece que nele tudo corre. Nele, tudo depende das circunstâncias. Deleuze, em Le Pli, entende o contingente como sendo imerso na virtualidade: que o vinho seja doce ou que Adão peque depende de todo o resto do mundo. É que o sensível está a mercê de tudo o mais, de tudo o mais sensível. Porque existir é co-existir, parece que tudo corre – minha pele exposta aos elementos. Nada traz em si as rédeas de sua substancialidade. Já que tudo tem que ter pele. Toda estabilidade é perdida e reconquistada. Como a saúde – esvaída e recuperada. Não é por si mesmo que as coisas são estáveis, mas pelo que elas encontram pele afora. Simondon chamava isso de meta-estabilidade: a capacidade não de persistir, mas de recobrar, de voltar a ser. O sensível é dermatológico: aquilo que individua cada coisa é a pele que deixa passar o que está fora para manter a forma do que está dentro. Mas tudo se deixa levar pelas aparências, e pelas aparências das aparências. O cristal captura materiais para se sobre-cristalizar. Sua forma não é estável. É meta-estável. As aparências são meta-estáveis. O sensível: virtual e meta-estável. A mercê de todo o resto para permanecer o que é. Pele: o emblema do que está a mercê. O emblema da vulnerabilidade – do que por estar presente é capaz de ser outro. É por isso que as aparências carregam profundidades: elas são pele do que está dentro, e também pele do que está de fora. Individua, mas também permite todas as perturbações. Tudo corre por elas. E ainda assim, elas seguem sendo a aparência. Já a pele, é onde todo o sensível ressoa. Eis a dermatologia especulativa: tudo tem uma medida de pele. As coisas vivas são uma plataforma de lançamento especulativo que chega a todas as aparências das coisas, vulneráveis, virtuais, meta-estáveis e entregues às insinuações da co-existência. Tudo está exposto ao toque.

As aparências são aquilo que esconde – não é que tudo corre nas aparências, é que elas amam esconder-se. Aparências por trás de aparências. A matrioshka das peles é também um biombo, roupa tirada sobre roupa. As aparências são afetadas. Aparências escondem aparências – não há a última roupa, nem há a última pele. Porque há pele, as aparências é que são hábitos, as aparências é que habituam. Tudo o que é sensível se habitua com as aparências. E nas aparências habita a política. O Heráclito recente, o caquético objeto de uma anarqueologia selvagem diz:

215. A política ama esconder-se em moitas de natureza.

Ele parece pensar que também o pensamento do sensível pode exorcizar o conhecimento de coisas últimas. Pensar é mais do que desvelar o último véu. Ele entende que muitas vezes pensa-se

277b. [...] como se estivéssemos descortinando alguma coisa. [...] Tiramos as roupas, mas apenas para mostrar alguma coisa que estava escondida e que vai voltar a se esconder para que outra coisa possa ser despida – não há a última pele. Physis ama esconder-se: ninguém vai desmascará-la de uma vez por todas. Nenhum corpo pode ficar completamente vestido, nem completamente pelado – o pensamento não tem nada que ver com o universo nu. [...]

As aparências escondem aparências – a evidência é uma artimanha de ocultação. Mas não há o não aparente subjacente, aquilo que, substrato do sensível, é indiferente aos ires e vires do sensível. Há, é claro, pele sobre pele, pele sob pele – mas as aparências não são sustentadas por nada que não seja aparência. Porque existir é co-existir. Mas sensibilidade, pele, afetação não é estar todo aparente. Aquilo que se revela, se revela porque se esconde. E isto é a do caráter dérmico das coisas: elas revelam só se escondem alguma coisa. E a pele – e não quem a toca – é que decide o que aparece e o que fica recôndito. Heráclito insiste que o sensível não é o disponível à nossa sensibilidade, é antes o que está sensível à disponibilidade (ou, talvez mesmo, sensível à nossa disponibilidade):

204. [...] Se estamos em um exercício de voyerismo das coisas (mesmas), como parece que tanta gente anda pensando, essas coisas também agem decidindo o que permitirão que seja visto. Raramente as coisas são apenas espionadas. Elas estão em uma sala de onde as vemos, mas elas estão fazendo um peep-show. Elas decidem como as vemos – e vão para casa depois do horário de trabalho.

Órgãos, indivíduos, acontecimentos e substâncias que ocupam espaço e persistem no tempo têm superfície que as cobrem. O que há tem pele – poder ser tocado já que existir é co-existir. Dentro das aparências, mais aparências. As voragens nascem das aparências, e se nutrem de fricção. Fricção. Pele é fricção. Touchscreen. De touchscreen. Galatzia diz: mi cuerpo es touchscreen, touchscreen, touchscreen. Acariiicialo. Soy hibrido sexual, todo me provoca. Touchscreen. Toda a metafísica se resolve na touchscreen. Touch, touch, touchscreen. As coisas se afetam. São afetadas. Tudo o que há é afetado. Uma dermicidade onde as coisas são moldadas por suas bordas, por suas membranas que são também suas fronteiras. Touchscreen: afetável. Um toque pode trazer alguma coisa de longe. Os toques acessam. Sintonizam. Programam. Chamam. Touchscreen. Pele é antena tátil: um plano. O plano do que existe. O plano em que o que existe co-existe. Por isso Marcos Vinícius, em Frágil, na transperformance, em dezembro de 2011, se cobriu da etiqueta de frágil. A pele é susceptível a tudo. Touchscreen.

A pele é touchscreen, e por isso os corpos são diversos. Eles estão expostos aos ritmos do sensível. O sensível esculpe os corpos – genes, voragens, batidas, ambiente. E faz isso porque os acontecimentos pulsam. Co-existir – e ter meta-estabilidade – é dançar conforme a música, mas também conforme as outras dobras dos acontecimentos: as articulações dos corpos, as dobraduras, as viragens. A planta transgênica de Eduardo Kac mostra isso: os visitantes manipulam em que claridade a planta vai ficar, se vai ficar na luminosidade de Oslo, de Tóquio, de Nova Iorque ou do Rio agora. Trata-se de uma extensão do sensível – estar esculpido pelo que passa. Esta escultura das coisas tem sua forma geológica expressa de maneira explícita nos ritmitos. Um ritmito é composto por camadas de sedimento que foram depositados com uma certa periodicidade. É como a cristalização que condensa os ritmos dos acontecimentos passados. Alguns se repetem por pouco tempo, outros por um tempo mais longo. Os ritmitos de Brasília registram padrões que são remanescentes de marés e registram um possível mar pré-histórico na área. O mar pode ter estado presente há milhões de anos, mas deixou vestígios rítmicos. A geologia dos ritmitos inspira uma especulação: pedras, montanhas e corpos são moldados e compostos pelos padrões que os circundaram. Os corpos são diversos porque têm pele.

Os corpos são diversos porque tem pele. E tem uma pele que é diversa – cada pele tem suas dobraduras, suas rugas, seus corpúsculos de Pacini, seus estratos, suas endemias, suas endermias, sua biografia de suscetibilidade a miasmas. Touchscreen. Entendo que os miasmas são aquilo que Simondon chama de apport d’information, que fornecem informações, mas tem que ser entendidos através da epidemiologia. Eles podem ter várias formas: microbiota, micropadrões de desejo, pequenas variações de temperatura, cócegas, sanhas, voragens, mas também proteínas, catalizadores, hormônios. Os miasmas são unidades de contaminação. Toda dermatologia é uma epidemiologia: a dermatologia especulativa é uma epidemiologia especulativa. Os miasmas podem ser populações, de genes, de memes, de batidas, de medos. Aquilo que afeta: uma ecosofia – ou seja, articulação das três ecologias de Guattari: as unidades de adaptação e construção do ambiente biológico, das sociedades humanas ou não e da subjetividade. Meta-estabilidade – a produção de diferenças. É que a pele é uma antena local que vai se sintonizando por onde anda, por onde roça. É roçado. É a mágica que faz erguer o gênio da lâmpada. A pele é uma trama que captura miasmas. Os corpos são esculpidos pelos miasmas em sua carnalidade, em sua velocidade, em sua intencionalidade e em sua dermicidade – ou seja em suas dobras, redobras, dobraduras; rugas, rugas nas rugas, rasgos. Os miasmas são como ritmos, eles provocam repetições, mas repetições apenas nas formas já esculpidas – o subcutâneo tem suas geologias. O ritmo contamina, mas a contaminação é diferente nos diversos corpos – alguns batem o ritmo como um xequerê, outros como toda uma bateria. As repetições sempre dependem de quem repete – de que corpo ressoa o que está sendo repetido. O repetidor é contaminado desde quando se habitua à repetição, habita a repetição. Intensidade: o quente contamina o frio. O lento contamina o acelerado. As questões contaminam as soluções – a pele ressoa corpo a dentro.

A pele dos corpos é aquela pele a partir da qual especulamos todas as outras. Ela tem um grau de intensidade que molda as capacidades dos corpos dobra a dobra, camada a camada, estrato a estrato. Uma trama de infiltrações. Nada que é sensível é alheio a pele – ainda que a capacidade de captação de cada coisa sensível seja sempre regional e limitada por uma sintonia. Por uma sintonização. Por uma matriz de diferenças e indiferenças. Nada que é sensível é sensível a tudo. Há um pano de fundo de insensibilidade, de aturdimento, de indiferenciado – como o que está além do horizonte. Um continuum. Do que não alcança a me tocar com suas peles. Como a noite ou o espaço entre as estrelas no céu de noite. Como o som ao redor. Substituir a substância pela derme é também renunciar à possibilidade mesma de uma visão de parte alguma, de um panorama do sensível, de uma paisagem completa de tudo o que é concreto. As antenas, é certo, são resintonizadas, a captura é reorientada. A pele é vulnerável a ter sua vulnerabilidade alterada.

Tudo o que precisa de pele está exposto aos transeuntes, aos que transitam, às transduções, às partículas de intensidade que vão e vêm. Aos pequenos demônios que roem as substâncias. Traças. Vermes. Transmissores microssexuais. Começos de compulsão. Pele é falta de imunidade: é comunidade. A pele está aberta aos desejinhos. Eles se propagam como os vírus, como os germes, como os mosquitos da malária que não reconhecem fronteiras. São forças que moram n’água, ou moram na falta d’água, e não fazem distinção de cor... Por isso há cura gay. Claro, os desejos são infecções. Alguns estão à flor da pele, outros estão recônditos e podem precisar de muito roça-roça para emergir. São disposições. Não são posições fixas. Vão de um lado para outro. Ninguém aprende a ser hetero, mas ninguém nasce sabendo. Por isso há cura hetero. Por isso os desejos são permeáveis – eles são feitos do que é feito a política. Epidemiologia. Escultura de corpos – de acontecimentos, de instituições, de hábitos, de dispositivos.

Já a subversão, ela está na aparência – ela está na evidência. O poder instituído é como um corpo que se apresenta substancial – mas o poder também tem pele. Tem porosidade. Tem membranas. Tem tectônica. Tem camadas. A atenção à pele é a atenção ao que fabrica o poder, e ao que o deixa fabricado. São as questões, a pele de toda solução que é sempre permeada e infectada de questões. A pele é a questão. A pele é a porta de entrada. A solução – como o poder – é não mais do que o interior, pele sobre pele, retorcida, resguardada, retirada. Jabès, no Petit livre de la subversion hors de soupçon, escreve que não podemos interrogar senão o poder, o não-poder é a questão mesma. A questão é pele. As questões iniciam alguma coisa – não estão predestinadas a uma solução e nem sequer a ter uma solução. Elas pertencem à ontologia da pele. E os corpos, touch a screen, são questões.

martedì 22 ottobre 2013

Minha fala no evento Jabès amanhã

Amanhã, no evento Jabès que começa às 14 horas no mezanino do ICC sul, antigo LET, falo sobre subversão, hospitalidade, questões e interrogatórios. A fala se chama "A verdade conhece todas as subversões. O pensamento em uma tonalidade Jabès". O texto:

Amin Maalouf, por exemplo em seu Le premier siècle après Béatrice, destila o temor de que uma era de questões – como o século XX – tenha que ser seguida de uma era de soluções. As questões são para serem cultivadas, elas têm um matiz a ser protegido do inferno das soluções. As questões semeiam e prometem já que são começos, mesmo que sem princípios; as soluções – como a Solução Final – trazem com elas a inflexibilidade dos términos, do terminal, do fim de linha.

Quando uma questão é levantada, quando ela perturba o que já parecia solucionado, o pensamento experimenta uma proliferação em esboço, uma suspensão que se apoia em nada mais do que na virtualidade das respostas; uma inauguração. Peter Handke, que transita pelo material de instabilidade do qual se fazem questões, escreve em sua Geschichte des Bleistifts da busca pelo começo, pela gravidade do começo, da aquisição do começo que ele compara com a brancura encarnada. O branco da aquisição do começo é o que escapa da língua declarativa – o que não cabe nas respostas. Deleuze, em sua dialética do problema (Difference et Répétition, 4), cita Lautman que diz que o problema tem três aspectos: sua diferença em relação às soluções, sua transcendência com respeito às soluções que ele engendra e sua imanência com respeito às soluções que vão encobri-lo. O problemático é o que persiste não porque ele promove uma suspensão do juízo que é a indisponibilidade da resposta, mas porque ele inaugura. E é a inauguração da questão que é o novo no muito antigo: a questão é uma ponte suspensa no ar e todas as questões respondidas guardam ainda sua transcendência já que ela fica recapitulada em todos os esforços para se assimilar a solução. A suspensão do juízo é ainda sucursal do primado da solução, já que a questão aparece como uma falta de resposta. Porém também na falta de resposta insiste a força da questão, a força de um pensamento dos começos. A questão é um vestígio do inacabado. Da incompletude, daquela que não conhece sequer a medida de sua incompletude. A questão aponta para um infinito – não para a medida do tudo e do nada, mas para a medida do inalcançado.

Uma resposta é sem memória, diz Jabès (PLSHS, 29 ), a questão apenas se lembra. Os começos são memoráveis, são eles que prometem sem ainda saberem o que é possível. Na mesma página, Jabès escreve: não podemos interrogar senão o poder, o não-poder é a questão mesma. Este é o endereço da subversão, a questão que fica suspensa – o avesso do interrogatório que já é o momento onde a questão requer resposta. E é o interrogatório que funda um regime de pensamento em que os começos são inícios do que pretende ser completado, em que nos dirigimos aos outros, a nós, a todo o resto como quem tortura (ou como quem busca a quietude das coisas prontas, a ataraxia da clareza). Ainda na mesma página, Jabès escreve: a questão é a sombra, a resposta é a breve claridade. O regime de pensamento que atende à claridade ainda que breve, ao invés de se ater ao movimento das sombras, se fixa nos pontos finais. As sombras, por serem evidência, é aquilo que Jabès entende como o terreno ideal onde opera a subversão. O interrogatório, o avesso da subversão, por outro lado, é o terreno do pensamento apressado. Do pensamento que quer soluções. Talvez a diferença seja entre o pensamento que se dirige ao seus objetos e o pensamento que vaga por entre eles já que não tem residência fixa. Há o pensamento das palavras – da clareza dos preconceitos e, portanto, aquele que invoca o que está consumado nas coisas – e há o pensamento do abismo que bate à porta de Deus, aquele que transita pelo esquecimento de uma palavra. A subversão transita por entre os silêncios e os gestos que inventam uma versão a contrapelo. Jabès encontra a subversão na insistência de começar, no que ainda não é sideral como um furo no guarda-chuva de D. H. Lawrence (em Chaos in Poetry): a ordem que perfurada revela o caos subjacente ao guarda-chuva pintado onde fizemos um nicho. A subversão nem é uma oposição à repetição, já que ela pode ser habitual. Ela não é mesmo oposição alguma, nem contraposição – é um flerte com o nada, é a criação de Deus feita à sua imagem (a imagem de Sua subversão) (31). A arte de viver é que é ela mesma movida pela subversão (32).

Pensar a subversão é um capítulo de um engajamento com um pensamento alheio aos interrogatórios. A verdade, que conhece todas as subversões, não é o que fala um oceano ou uma ameba ao serem torturados, mas é um advérbio. A verdade é um modo como surge alguma coisa: abrigando. Um modo subversivo: que atende à insurreição, que provoca singularidades. A verdade como um advérbio é uma maneira de desencobrir, uma tonalidade do desvelamento – não é nem sequer o que ela revela, mas aquilo que ela torna possível revelar. É que Jabès parece operar em um fôlego no qual é comum passar ofegando como se passa por um beco antes de chegar na avenida iluminada – ou na porta de casa. É o fôlego onde reside um estranhamento que ainda não é tradução, um biombo que ainda não é nudez, uma cadência que ainda não é batida. Fôlego de um instante – um instante que tem a densidade daquilo que reclama nossa plena adesão (10). A subversão é pacto de futuro (11). A subversão é corriqueira como a verdade é habitual – sua força é que é sorrateira. Ela comanda atenção e, como um beco, pode ser apenas um local de passagem, uma transição. Há quem comece para terminar, e há quem comece. Entrar em si é descobrir a subversão (15) já que o eclodir de todo pensamento (de todo pensamento de si) é uma distorção, é uma insurgência, é uma insolência. Interpretar – uma regra, um livro, uma lei, um gesto – é retirar o foco de uma presença plena. Nenhuma resposta pode ser concebida ou entendida sem ficar borrada de questão. E a questão é singular, sem lugar, sombria. O instrumento range para ser afinado, o pensamento atravessa zonas borradas para chegar em alguma narrativa. Zonas borradas, becos, sombras que abrigam a verdade virtual. A verdade não poderia desconhecer alguma subversão – e é por isso que ela talvez não exista já que Jabès escreve: se a verdade existisse, ela seria nosso único adversário; felizmente ela não existe e nós podemos nos inventar inimigos (83). A verdade é a distorção da verdade. Se ela existisse, plena e potenciaria, ela seria a cruz e a espada das salas de interrogatório. Mas ela é sombra, sombra de dúvida. Ela transita pelos sussurros, pelas insinuações – naquilo que uma vez eu disse que só poderia ser pensado de soslaio (E&E, 10). A verdade não existe no meio-dia das presenças plenas, ela apenas insufla como um vento, como uma arruaceira – ela só cabe nas subversões.

Jabès transita por entre os acordes do pensamento em que ele não interroga, nem responde ao juízo de Deus, nem anda às voltas com completudes. Transita entre acordes em que o pensamento não responde nem cumpre uma tarefa, mas se incumbe de começar. Trata-se de uma tonalidade. Ela talvez tenha sido uma das muitas que foram fertilizadas com a sentença de Heidegger (acerca da sentença de Nietzsche Deus Morreu): O pensar só começará quando tivermos experimentado que a razão, venerada desde há séculos, é a mais obstinada opositora do pensar. No entanto não se trata de se livrar do ímpeto interrogatório que a razão supostamente repete. Trata-se antes de passar ao largo da cartografia do interrogatório e se demorar na incompletude dos começos. Por isso a rapidez dos textos independentes que soam como fragmentos iniciais para todo um pensamento insinuado, que contrasta com a pressa do pensamento que quer completar sua tarefa e chegar a um resultado que dispensa qualquer questão subsequente. É uma tonalidade da demora no começo. É encontrar a densidade das capacidades mesmas de inaugurar que precisam rondar o pensamento. Jabès é o nome mesmo desta tonalidade: uma tonalidade de subversão que é ao mesmo tempo uma tonalidade de hospitalidade. O pensamento da questão é o pensamento da subversão, por isso mesmo é o da hospitalidade – o avesso do interrogatório. O acolhimento é, no pensamento, o momento que tem que anteceder, mas que contrasta com aquele de fechar questão. No acolhimento, a receptividade é um estado diante do que aparece – por isso Jabès a coloca na encruzilhada dos caminhos (LH, 13 ). É uma atitude de um começo. O pensamento que abriga a alegria, a depressão e a maldade como a pensão de Rumi, sabendo que nenhuma delas vai fixar residência para sempre. A hospitalidade não é para quem fixa residência, é para quem chega. Um fôlego, uma maneira de respirar do pensamento, uma tonalidade – aquela da attente. Ela é hospitaleira (22). A espera que insinua o que está a algum alcance e que evoca uma salvação – um suspiro, uma respiração presa. A palavra de Blanchot: ter uma parte de si a disposição. Estar disponível como quem pode ser movido, como quem pode ser afetado, como quem pode ser salvo. A espera traz também a messianicidade em que transita todo pensamento já que mais do que vestígios escritos ou registros sonoros, ele transita entre as garrafas jogadas ao mar. De toda parte pode vir o Messias, estar em attente é o estado Beckettesco e sebastianista de quem respira a incompletude das coisas. A espera é a transcendência, mas a espera do dono da pensão é a transcendência que abriga uma vez que todas as coisas não podem estar juntas a espera de uma salvação pois isto as tornaria prontas. Nós esperamos uns aos outros. De toda parte pode vir aquele que virá. A hospitalidade é também como o rio do horizonte que saúda todos os acontecimentos que chegam. O pensamento da hospitalidade é o pensamento da abertura – aquele que espera um acontecimento qualquer.

Jabès escreve que para aquém da responsabilidade, há a solidariedade; para além dela, há a hospitalidade (56). A hospitalidade é uma abundância e uma dádiva: ela não é calculada e nem contratada (e nem negociada, e nem mesmo medida). Pensar com ela é se demorar nos momentos de proliferação. É preciso cuidar para que as questões não virem interrogações, para que a frutificação não seja contada com parcimônia – questões são abridoras de horizonte. Esta é uma atenção de Jabès: o cuidado com os começos inseguros, que eles fiquem bambos já que eles abrigam toda sorte de peso. A hospitalidade é também abrigo da verdade – já que nela reside quem nunca acaba de chegar. A hospitalidade é um acordo silencioso (21) e talvez seja o outro lado daquilo que Jankélévitch chamou de verdade das verdades que nunca pode ser provada – o je-ne-sais-quoi que faz com que ainda falte chegar, em tudo o que chega. A pensão não se fecha, a espera não acaba, o Messias não aparece ainda. Porém a pensão não se fecha não porque os hóspedes são insatisfatórios e ainda um outro hóspede vai chegar que vai merecer que se feche a pensão. A hospitalidade é para Jabès o primado da atitude diante de qualquer revelação – como a prioridade do outro de Lévinas diante de qualquer pensamento ontológico. Que haja um je-ne-sais-quoi pode prover credenciais à hospitalidade (e a subversão) para que ela continue na cadência da incompletude. Porém Jabés não está a procura do crivo, ele quer se demorar na hospitalidade já que há um exílio mesmo das mais avalizadas verdades reveladas – e todo pensamento ontológico floresce sobre o estrume de um outro dispensado. A hospitalidade é indiferente às revelações como é às decisões. Nem sequer o pensamento da hospitalidade precisa se demorar em escolher seu objeto, seu escopo ou sua direção: a hospitalidade não se direciona um objeto decidido, ela procede sem foco porque habita na espera, mas também porque escuta a prédica do Reb Ildé no Livre des questions: que diferença há entre escolher e ser escolhido já que nós não podemos fazer outra coisa que nos submeter à escolha? A escolha, a decisão é já um acontecimento para aquém da hospitalidade, que pode dar seus contornos, como pode traçar seus limites já que não se trata de sustentar a recomendação para que vivamos no acolhimento e pensemos sempre no tom da hospitalidade. Não se trata de sustentar recomendações, mas antes de tornar visível, denso, sensível a intensidade do pensamento guiado pelo seu ímpeto de ser uma pensão. Tocar no pensamento quando ele carrega as confianças dos começos. Já a escolha, ela pode vir da responsabilidade, assim como a decisão pode ser ter sido feita pela solidariedade, mas elas são alheias à hospitalidade.

O pensamento da hospitalidade é assim talvez um ramo da não-filosofia de Laruelle que pretende romper com a decisão filosófica que determina o escopo do pensamento, deixa-lhe entregue a um foco como quem lhe atribui um quinhão do mundo. A decisão filosófica produz um objeto filosófico, um objeto resguardado, reservado, protegido – é aqui que o pensamento se foca e nenhuma outra diferença pode fazer diferença. Uma Unter-schied que é também o que fica abaixo da diferença, imune a ela. A decisão provoca uma espécie de imunidade, de proteção, de segurança (sine cura) ao pensamento. O pensamento solto é aquele que não é submetido a uma escolha, e nem é aquele que escolhe, mas reside naquilo que acolhe. O pensamento da hospitalidade não quer substituir a filosofia, mas fazer questão daquilo que a precede, daquilo que aparece quando a filosofia ainda não é alguma coisa que possa ser invocada. É que antes de ter casas onde há residências fixas, todo endereço esteve aberto a quem chegasse, a qualquer ocupação, já que o espaço é ele mesmo casa de pensão. Os hóspedes, é certo, podem chegar e sair, podem ir fixar residência alhures. Mas há uma tonalidade que pode aparecer quando eles chegam: são esperados. A espera que é a espera do outro e por isso mesmo a espera do qualquer. A mercê das messianicidades, da messianicidade qualquer. A hospitalidade, então, é silenciosa, é da natureza dos subtons – Jabès a contrasta com a responsabilidade que é filha do diálogo sobre o qual ela ingenuamente se apoia (21). A hospitalidade está na entrelinha onde a questão ressoa, onde a questão fica ecoando e é tratada como uma disponibilidade. Estar a disposição é um silêncio que regenera, que torna possível um ato de começo, que concede permissões. E a hospitalidade se separa sutilmente da imposição, com uma sutileza do que envolve todas as outras coisas ao redor – como em toda diferença entre violência e entrega, entre invasão e recepção. A total disponibilidade, diz Jabès, conduz à hospitalidade. A dis-posição contrasta assim com a dis-puta – a Aus-ein-ander-setzung que, se examinada em sua micro-estrutura, tem um gesto também de hospitalidade, aquele que diz: vem de um outro lugar para cá, vem, chegue – saia do lugar, chegue mais. O acolhimento é sempre espacial, ele está nas posições e também no pouso. Mas ele também tem uma duração, uma memória: que tua memória seja uma casa, diz Jabès (59). Que as memórias abriguem, que elas acolham – mesmo que elas não existam. Jabès escreve: [se tu não te lembras de nada], tu habitas neste Nada, diz o nômade. Assim, a coisa a transmitir não é senão poeira de areia e de livro, poeira de vocábulos. Tudo está para ser reescrito. O nascimento da hospitalidade. (96)

O pensamento da hospitalidade é uma política – paralela à política da subversão. A verdade, que conhece todas as subversões, reside na precariedade dos começos. A realidade, diz Jabès, está do outro lado da parede, basta um furo para surpreendê-la (22). Um furo na parede: a subversão, a hospitalidade, o começo. Ela tem a cadência do tempo das surpresas. O pensamento instaura durações, estados em que os começos são acolhidos e encontram a encruzilhada onde podem proliferar: o pensamento do que surpreende, ainda que não compreenda. A atitude política: receber o que chega. A hospitalidade não é um programa político completo – nem a subversão pode ser mais do que um gesto de fazer questão. A escrita da hospitalidade é uma escrita de feridas, da tonalidade do luto e da tonalidade das insinuações. Um programa político talvez precise de solidariedade e de responsabilidade – a parte da hospitalidade é a da reescrita. Ou talvez um programa político só possa habitar entre as soluções. A tonalidade Jabès é a da política das questões. É aquela que insiste que coisa alguma está pronta. Porque é inacabada, precisa ser começada.



venerdì 18 ottobre 2013

And cummings' Electric Furr

i like my body when it is with your
body. It is so quite new a thing.
Muscles better and nerves more.
i like your body. i like what it does,
i like its hows. i like to feel the spine
of your body and its bones,and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss, i like kissing this and that of you,
i like, slowly stroking the,shocking fuzz
of your electric furr,and what-is-it comes
over parting flesh….And eyes big love-crumbs,

and possibly i like the thrill

of under me you so quite new

o breu entre as sílabas

Canso das palavras: cada uma armadilha costurada com fios soltos
das verdades e fios presos das mentiras.
Cansar das palavras é cansar das coisas. Tenho a ânsia.
A ânsia de mata serrada, de uma luxúria oceânica, onde não embrenho.
A carne do indefinido, o pigarro, limpando sempre a boca prenhe.
Sobram-me os urros, os uivos soltos, me engasgo com as palavras.
Aquela coisa sem letras... eterna e provisória, a rima de cummings
sobre o redemoinho de Hölderlin.