Já chegando às livrarias.
Lançamento em Brasília (Café com Letras, dia 1 de novembro), em São Paulo (7 de novembro).
Trecho (lá pela página 70 do livro, em minhas mãos agora):
O marido de Verônica teve muitas partes do seu corpo examinadas. O dermatólogo examinou longamente a pele da sua boca e do rabo dos seus olhos – concluiu que ambas estavam apenas levemente alteradas seguramente por estarem em contato com palavras quando acostumadas com coisas e vice-versa. A bioquímica colhera mostras de sua saliva e de suas lágrimas (produzidas com reagentes químicos e não com tristezas) e fora examinar ao lado. Ao paciente incomodava um pouco que a jovem pesquisadora da verdade não pudesse ser vista, em seu lugar ele persistentemente lia “descobridora de propriedades químicas das frases” o que era bastante perturbador, sobretudo quando ela começou a lhe fazer umas perguntas sobre se já lhe escapara pela boca algum evento quando ele não conseguia pronunciar frases.
- Nunca, ele respondeu, mesmo sem poder olhar a cara de quem perguntava, eu me engasgo com palavras, nunca com frases. Também nunca me aparecem frases inteiras nos meus olhos. Minhas esculturas não tem relação com as verdades ou as mentiras, são apenas aquilo que me passa pela cabeça; coisas e não o que elas fazem.
Ela examinava as miniaturas com bastante atenção; o que para o marido de Verônica era uma cena bastante estranha de ser vista: uma enorme descrição de uma pessoa manipulando objetos miniaturas de outras descrições. Era um retrato rápido dos sintomas que o afetavam; ele contou a Verônica que, ali, diante dos seus olhos, era uma descrição que segurava pessoas, cabeças e frontes. Ele se empenhava em descrever como lhe apareciam as letras segurando suas esculturas até que, depois de várias horas falando sem interrupções, engasgou. Toda a equipe médica presente no consultório naquele momento olhou fixamente para o paciente, a espera de ver um flagrante de sintoma. Foi dos demorados, mais de um minuto em contorsões labiais e com as bochechas inchadas acompanhadas de bruscos movimentos na garganta como se muita coisa estivesse passando por ali. O marido de Verônica se sentia como um artista observado no momento da composição, e seus olhos já não estavam nem cheios de susto e nem de surpresa, mas tinha uma face de quem se permitia orgulho de si mesmo. Ele mesmo tirou da sua boca uma miniatura de um conjunto de letras segurando sua própria cabeça. Não era uma imagem particularmente bonita; outras miniaturas tinham parecido ao autor mais belas, resolvidas – talvez feitas quando seu estado de humor estivesse mais tranqüilo. Porém toda a equipe se entusiasmou e queria examinar a peca o mais depressa possível. Em seguida levaram também esta escultura para o laboratório adjacente onde alguns membros da equipe tentavam determinar que tipo de neurônio era aquele que servia tão adequadamente as esculturas semânticas. A equipe já havia determinado que os neurônios eram tingidos por tintas de neurotransmissores que, de alguma maneira, adquiriam uma variedade de matizes que impressionava pela acuidade – deve ter alguma coisa que ver com a função transmissora destas substancias. No laboratório se debruçaram logo sobre a miniatura que acabava se sair; queriam determinar se havia traços das sinapses recentes pelos neurônios. Cada membro da equipe trabalhava com uma plêiade de hipóteses na cabeça; muito poucas eram dignas de serem mesmo formuladas e ainda menos eram discutidas com os demais.
Logo depois de expelir a miniatura da jovem pesquisadora em forma de letras, o marido de Verônica parou de vê-la com palavras. Isto chamou muito a atenção de Cynthia que, pela primeira vez, observava um sintoma que conectava os dois sintomas. Talvez, ela conjeturou com a rapidez que a curiosidade pelo caso lhe emprestara, a hipersemiose dos olhos – assim ela chamava por vezes a infestação de símbolos que acontecia na retina do seu paciente – fosse descarregada fazendo a língua sofrer de uma hiposemiose que fazia com que faltassem símbolos para exprimir, dentro da boca, o que o cérebro queria soltar. Era como se ela tivesse a opinião de que os símbolos saíram da língua e infectaram as pupilas e agora faziam as coisas, que deviam entrar no cérebro pelos olhos, escorregarem ate a boca. Cynthia chamou a equipe toda para contar o que alguns haviam presenciado e a maioria aparentou alguma surpresa; achavam que talvez um sintoma estivesse lentamente curando o outro. O marido de Verônica, a esta altura, não gostava que lhe falassem muito de cura – se acostumara a sua condição e apenas gostaria de entender mais como seus olhos e sua boca tinham ficado tão confundidas.
Depois de muitas horas de exames, perguntas e observações, ao cair da noite todos se reuniram para a tal ressonância. O marido de Verônica ficou muito tempo fazendo o exame – queriam ressonar seu cérebro em algum momento em que ele visse o que se lê ou fizesse o que se fala. Conseguiram que ele lesse uma barra de metal e que produzisse uma escultura bastante verossímil – segundo o depoimento de Verônica – de sua avó. (Havia um consenso entre os cientistas do cérebro de que era a avó que eles deviam pedir para o paciente tentar descrever com detalhes e por bastante tempo.) Os resultados do exame, disponíveis apenas tarde da noite, revelaram surpreendentemente pouco: o cérebro apresentava todas as características normais e não havia nenhum sinal de rotação. Apenas um exame detalhado e baseado em um algumas teorias relativamente pouco aceitas e controversas mesmo entre os médicos da equipe revelou uma anomalia: os neurônios que supostamente representavam junto ao cérebro as palavras ocasionalmente se comportavam de uma maneira anormal e que se assemelhava ao comportamento dos neurônios que, também supostamente, representavam junto ao cérebro as coisas. Esta pequena e discutível anomalia explicava muitas coisas, segundo os que acreditavam nas teorias que tornavam possível o exame, e, para alguns, era o único fragmento de explicação que eles dispunham. É claro que eles iam continuar investigando e que novos resultados estariam disponíveis em alguns dias – Cynthia manteria o paciente informado de qualquer nova suspeita e em breve teriam que encontra-lo outras vezes para exames complementares.
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