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giovedì 30 giugno 2016
sabato 4 giugno 2016
Sobre o golpe
1.
Tristes tempos de golpe em uma terra de golpes.
Neste país em que os Guarani algum dia formaram uma sociedade que perseguia com determinação qualquer forma de instituição estatal, agora são todas as instituições estatais que perseguem as sociedades. As sociedades de pessoas, as associações de pessoas com plantas, as associações de animais, as aldeias, os quilombos, as comunidades, as redes de computadores e muitas outras estão as voltas com essa perseguição. Perseguição de controle, perseguição de morte. E aqui mesmo por essas terras por onde andavam os Guaranis - ficar parado atrai os estados de Estado - as instituições estatais se proliferam. Elas se espalham como uma praga descontrolada: os três poderes deles se capilarizando em muitos guardas da esquina que ocupam os vãos onde crescia grama, a mídia cobrindo os passos de quem se move no Estado das coisas, os aparelhos ideológicos do Estado cada dia mais ideológicos em favor dele e cada dia mais aparelhados e mais parecidos com os dispositivos plug-and-play, os aparelhos repressivos do Estado que tem cada vez mais não apenas o monopólio da violência de direito mas também de fato já que armas do Estado são cada dia mais potentes, exclusivas e rápidas que todas as armas que podem conseguir os que operam para dissolvê-los. E ao seu lado, o mercado provendo a maior parte da comunicação entre as pessoas. Ao seu lado, em um tango estrutural, em um bolero estruturante, em uma relação de predação mútua que dá as cartas no campinho. Uma mão lava a outra. E assim marcham pelos golpes afora sobre a terra arrasada. Não foi diferente dessa vez.
Os Guarani, mais uma vez, perdem e sua suspeita dos Estados que fazem tudo para serem os únicos fica ainda mais dizimada. A espera de ser ressuscitada quando a vulnerabilidade não for sinal de rendição.
2.
Na estação do golpe, aqui mesmo em Brasília, ao lado dos três poderes que são tantos, a estação das mixiricas é abundante. Parece uma espécie de compensação cósmica para tanta tristeza - ninguém melhor que as tangerinas sabem amortizar e prover as pequenas alegrias. Ou talvez seja como o que se passa com uma mangueira ferida, ou com a terra cheia de radioatividade em Chernobyl: ela se torna mais frutífera, ela se concentra em dar frutos nas condições adversas. As mixiricas, melhores amigas das pessoas, percebem que suas bocas ficaram amargas, insólitas, sem saber como degustar e por isso mesmo intangíveis. E encheram suas árvores de frutas e o ar com o cheiro de tangerina.
O cheiro de tangerina simultâneo ao golpe. Simultâneo ao cheiro do arbítrio. Há mais de duas semanas de estado de exceção não declarado, já não há mais dúvidas do diagnóstico e, ainda assim e por isso mesmo, o supremo tribunal tem seus membros visitando o caudilho em sua casa - como acontecia na Espanha de Franco. E por muitas estações, a Espanha de Franco deu laranjas, tangerinas, bergamotas em pencas pelas ruas. Nada incrimina as mixiricas que, mais certo que tudo, tem seu próprio tempo. Quem não tem seu próprio tempo é o funcionário Gilmar Mendes que se ocupa de passar o fim de semana agendando uma visita ao caudilho.
E a mídia informa que o golpe foi arquitetado com afinco pelos funcionários do Estado e do Mercado, os de sempre. Conta como eles conversavam, como eles conspiravam, como eles montavam o bote. A conspiração não é crime no país. A mídia pode contar porque ela não diz que ruim ou que é criminoso - e que pode ser criminoso ainda que não haja crime.
As ilações e os nexos, aquilo que move a invenção da justiça, eles mesmos estão tomados pelo golpe.
3.
O golpe não é nada de sui generis na história do país e do continente. Sempre os mesmos atores, sempre as mesmas agendas - aquelas do mercado, da condição de bantustão do capitalismo mundial que as Américas não americanas precisam permanecer. Não é só parte da conspiração contra a Venezuela e nem só da campanha do Grupo Macri para colocar a própria corporação no poder na Argentina. É parte de uma disputa secular entre o capital que quer bater na mesa e alguma outra força que quer se exprimir mesmo sem ser rica. O cspital, claro, não se importa em ser fraco, desde que não seja pobre. E assim aparece o ministério: homens, brancos, com elos fortes com o capital mundial, subvencionados pelos fundos de submissão do continente e - importante e por tudo isso - ricos. O golpe dos ricos. E os ricos do capital não são aqueles que esbanjam em banquetes abertos a todos, mas aqueles que contam seus centavos para que se multipliquem.
Dizem que de 10 em 10 anos, ou de 12 em 12, há uma intervenção mais violenta do capital na América Latina para garantir que as dívidas vão continuar aumentando, que mais acumulação primitiva vai estar disponível, que as empresas sejam propriedade internacional etc. Trata-se de construir um bloco histórico com políticos, endinheirados locais, a mídia e os magistrados que sempre se mantêm em amor dedicado às causas da sua própria classe social. Ou seja, de tempos em tempos precisam de um golpe. E seus porta-vozes dirão sempre que golpes assim são democráticos. Para isso, é bom que quando der, eles possam ser absorvidos pelo ritual democrático. Para ver esses golpes de vista, as vezes é preciso enxergar que não há democracia no ritual democrático.
4.
A cada dia uma guerra de nervos. Nervos desaforados. Ver o golpe como um golpe - e como um golpe do capital - torna os dias sombrios. Me sinto minguado. Para que então qualquer trabalho - mesmo aqueles que ninguém registra - se o capital compra tribunais, televisões, pílulas, ideias, campos de árvores de mixiricas e molho de passas? Parece que somos lembrados de um cabresto que está por perto, que somos lembrados que estamos na mira de um punhal, e a qualquer momento um golpe pode vir pelas costas. Os golpes tem essa finalidade, o terrorismo do capital. Somos sociedades podadas, que não criam nada porque tem medo da força tonitruante do dinheiro que vem de fora.
Durante o golpe - e esse golpe se arrasta e melhor que se arraste já que não posso ver ele consumado - entendo que estamos aterrorizados. E por isso estamos em perigo. Tomar uma sociedade de assalto é cada vez mais fácil: basta tomar suas rédeas.
E os Guarani massacrados, logo eles, foram substituídos por uma sociedade com rédeas.
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