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lunedì 20 giugno 2011

In the company of anonymous materials

in an unknown street of Selçuc
on a timid Wednesday afternoon
a cash machine recognised me
brought my money all the way from the overseas bank
and wrote me a note

must have been the copper inside the small and rich device
that copper maybe empathised with my odd early years
its atoms were also once an unfit infant
that grew up to be a node, hardened and speedy,
and now turn their particles in cumplicity

had to run to catch the boat for Mytilini
under the metal ceiling, i lie down and watch the waves
projected from the windows on the white metal paint on top of me
the paint is not there to broadcast waters
its matter, though, soaks the seaways

must have been the pigment inside the spotless surface
its runaway fragments, longing to run amok,
craving to grasp the foam garments of the salted water
spreading the movement with envy and precision
and flagging that it also would rather be less tamed

sabato 18 giugno 2011

a Cavafy well from Greece

Very Seldom
An old man -- used up, bent,
crippled by time and indulgence--
slowly walks along the narrow street.
But when he goes inside his house to hide
the shambles of his old age, his mind turns
to the share in youth that still belongs to him.

His verse is now quoted by young men.
His visions come before their lively eyes.
Their healthy sensual minds,
their shapely taut bodies,
stir to his perception of the beautiful.

Constantine P. Cavafy

giovedì 9 giugno 2011

Fantástica Ito

Esse artigo de Keitaro Morita sobre Ito apareceu na última REF, tradução de Alice Gabriel (com a boa mão de Sandra Micheli)

Ecopoeta queer? Uma análise de "Chitô [Tito]", da poeta japonesa Hiromi Ito1
Keitaro Morita
Rikkyo University, Japan


Introdução

O conceito de natureza tem sido caracterizado poruma série de dicotomias diferentes, dentre as quais sãoexemplos paradigmáticos as dicotomias natureza externa/natureza interna e ambiente natural/corpo,2 como argumentaram, nomeadamente, o filósofo Michael LaBossiere,3o escritor naturalista Kazue Morisaki,4 a ecofeminista Natsuko Hagiwara,5 e o presente autor.6 A crítica ambiental tem feito análises unilaterais ignorando amplamente o lado direito de tais dualismos – natureza interna e corpo – sob a influência mais ou menos consciente de tabus socioculturais e acadêmicos, desencorajando pessoas japonesas de falarem pública e explicitamente sobre o assunto, com a exceção de algumas formas de crítica ecofeminista,7 cuja 'disciplina' não tem grande influência no Japão.

Meu trabalho enfoca essas dimensões suprimidas através de um exame do poema "Chitô [Tito]", retirado do livro Noro to Saniwa8 [Noro e Saniwa].9 Particular destaque será dado à sexualidade, principalmente à queeridade, na natureza interna e no corpo, seguindo Michel Foucault que, em História da sexualidade,10 argumenta que, na sociedade moderna, o corpo ou natureza interna é construído como sexuado ou sexualizado, e Seiichi Tanuma,11 que afirma que todas as coisas vivas consistem em sexualidade e morte.

Queeridade será a palavra-chave para a concepção analítica do presente trabalho. De acordo com o estudioso de teoria queer Kazuya Kawaguchi,12 o termo "queer" deveria ser autorrotulado e não imposto por outras pessoas; verdade, como demonstrarei mais a frente, a representação sexual de Ito no poema não é a partida tributária das representações habitualmente chamadas de queer; no entanto, para propósitos analíticos, tomarei a liberdade de 'impor' ao poema de Ito o termo ou 'rótulo' de queer.

Subsidiando minha leitura estão as perspectivas de várias teóricas ecofeministas e queer. Desde a segunda metade da década de 1990, elas têm integrado uma perspectiva queer às teorias ecofeministas e chamado a atenção para a relação entre o ambiente natural e a sexualidade/ gênero. Um dos primeiros trabalhos representativos a este respeito inclui o artigo "Toward a Queer Ecofeminism",13 de Greta Gaard, que argumenta que ao ecofeminismo convencional falta a variável de sexualidade, o que torna a homofobia e a erotofobia problemáticas na cultura ocidental; e considera que a emancipação das mulheres/gênero requer a emancipação da natureza e queers. Apesar de a perspectiva de gênero ser uma variável conectada com a sexualidade, ela não estará incorporada explicitamente neste trabalho, principalmente por limitações de espaço.14



Quem é Hiromi Ito?

Antes de discutir o poema de Ito, importa prestar alguma atenção a sua biografia. Hiromi Ito, uma das poetas contemporâneas do Japão mais amplamente reconhecidas, nasceu em 1955. Ela publicou seu primeiro livro de poesia, Kusaki no Uta [Canções das plantas e do céu] em 1978, seguido por um grande número de livros de poesia, novelas, ensaios etc. Depois de divorciar-se de seu marido japonês, Ito mudou-se, em 1997, para a Califórnia, onde vive desde então com seu marido inglês e suas três filhas (suas duas primeiras filhas de seu primeiro casamento e a terceira de seu marido atual). Ela viaja constantemente entre Kumamoto, no Japão, e Califórnia, EUA, para cuidar de seus pais idosos.

Ito admitiu ter sofrido de anorexia, durante sua puberdade, e desejado tornar-se andrógina, de gênero neutro, e/ou até mesmo sem gênero – como ela confessa: "eu era um travesti, tive anorexia, e quis remover meus seios e parar de menstruar".15 Ito causou comoção, certa vez, por apresentar-se como uma mulher japonesa não tradicional, quando afirmou16 provocativamente que "um feto são fezes".17Bastante influenciada pelo feminismo, ela tem sido, desde a década de 1980, uma pioneira entre mulheres poetas.

Ito tem recebido vários rótulos como, por exemplo, "intelectual iluminada", "terra fértil, produzindo uma grande pilha de poemas", "um poeta mulher/que expressa a mulheridade" e "uma 'poetiza' que escreve sobre a sensibilidade feminina de uma maneira bastante hábil". Seus poemas já foram descritos como "centrados no corpo",18 "xamanísticos",19"maravilhosamente orgânicos",20 "encorporando radicalmente seu próprio sentido de corpo e voz",21 e "expressando radicalmente a vida e o Eros com base em seu sentido psicológico".22

Uma prolífica e bem-sucedida escritora de eco/ poemas, novelas e ensaios deu vida às seguintes publicações 'verdes', que transbordam com passagens e imagens do ambiente natural: Kusaki no uta [Canções das plantas e do céu] (1978), Aoume [Ameixas verdes] (1982), Ranînya [La niña] (1999), Midori no obasan [Senhora verde] (2005), Kawara arekusa [Grama selvagem para além do rio] (2005), e Koyôte songu [A canção do coiote] (2007).

Ito recebeu alguns dos prêmios de literatura mais prestigiados do Japão, incluindo o 21º Prêmio de Literatura Noma pelo livro Ranînya; o Prêmio Takami Jun por Kawara arekusa; o 15º Prêmio Sakurato Hagiwara e o 18º Prêmio de Literatura Murasaki Shikibu pelo livro Togenuki: Shin-sugamo jizô engi [O puxador de espinho: novas lendas do bodhisattava jizo em Sugamo].



O poema ecoqueer de Hiromi Ito: "Chitô"

O poema ecoqueer "Chitô", de Hiromi Ito, foco principal deste trabalho, está incluído no livro Noro to Saniwa, publicado em 1991 e escrito em coautoria por Ito e a socióloga e feminista Chizuko Ueno. O livro está dividido nos seguintes 12 capítulos: "Linguagem", "Intercurso", "Buraco", "Homem", "Masturbação", "Defecação", "Filha", "Meia Idade", "Masoquismo", "Desejo", "Lesbiandade" e "Exílio". Cada capítulo consiste em um poema de Ito, seguido de um ensaio interpretativo de Ueno, e o poema "Chitô" está no capítulo "Lesbiandade". "Chitô" começa com a seguinte estrofe, marcadamente 'verde', que alude metaforicamente à mobilidade internacional de Ito, usando imagens e objetos naturais:

a umidade baixa torna difícil respirar

até minhas narinas secaram

apesar de enxergar muito bem a distância

agora que está tão longe de lá eu não sei

tendo vivido nas florestas lucidófilas eu não tive a chance de saber

como as nuvens cobrem os campos planos

como o vento sopra

e mesmo se a grama parece nova e verde

na distância próxima elas apenas se derramam

eu não tive a chance de saber

Aqui, com base no livro Saibai Shokubutsu to Nôkô no Kigen [Plantas cultivadas e a origem da agricultura], da botânica Sasuke Nakao,23 "as florestas lucidófilas" referemse ao Japão, à terra natal de Ito, que é bastante conhecida por sua umidade. Nakao categoriza as culturas mundiais em termos de agricultura e atribui ao Japão o cultivo da floresta lucidófila. Por outro lado, levando em consideração o fato de que na época em que o livro foi lançado a poeta já havia visitado os EUA procurando ver com seus próprios olhos os tão almejados coiotes,24 os "campos planos" podem ser associados à paisagem norte-americana, geograficamente distante do Japão.

De repente a cena muda, e a mobilidade geográfica metamorfoseia-se em mobilidade sexual; a poeta move-se de seu desejo reconhecido da heterossexualidade para seu desejo não reconhecido de homossexualidade, ou, nesse caso, lesbiandade. Vale a pena citar longamente a estrofe:

eu não sabia para onde ela queria ir

porque apenas trocamos poemas por um ano

naturalmente eu não sabia, não queria saber

porque apenas trocamos poemas por um ano e nos encontramos várias vezes

naturalmente não pensei que houvesse razão pra saber

nós apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes

nos beijamos várias vezes, e trepamos várias vezes

naturalmente, não havia necessidade de saber

porque apenas trocamos poemas por um ano, nos encontramos várias vezes, nos beijamos várias vezes e trepamos várias vezes

eu também emprestei meu casaco a ela

eu não lhe pedi nada, não fiquei obcecada com nada

sua estrutura óssea bem menor que a minha

de modo que o casaco a cobriu completamente

o casaco também me cobriu completamente

toda mulher que usa

se torna heterossexual, desejando ser coberta por um homem com o casaco estratégico

antes de emprestar a ela, eu o usei e trepei com um homem num carro

quente quando o aquecedor estava ligado

frio quando desligado

coberta pelo casaco estratégico muitas, muitas e muitas vezes

eu gozei

e depois o casaco cobriu ela.

Na linha da poeta Adriene Rich,25 nessa estrofe, Ito problematiza e desnaturaliza o código culturalmente dominante do heterossexismo e seu padrão de gênero desigual: o macho é ativo, sádico e desejante; a fêmea é passiva, masoquista e desejada. Apesar de a poeta ter reconhecido sua heterossexualidade numa conversa com o linguista Katsuhiko Tanaka,26 nesse poema em particular, ela de fato questiona as noções de sexualidade do "senso comum" buscando uma de-segregação27 das dicotomias heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino e, portanto, propondo uma re-avaliação queer da sexualidade

Nesse aspecto, Ito subscreve implicitamente a recusa de Freud em designar a homossexualidade como um terceiro sexo e as pessoas homossexuais como uma raça separada e, por isso, é importante resumir suas ideias principais sobre essa questão aqui. Em seu texto pioneiro "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Sigmund Freud discute que

A pesquisa psicanalítica opõe-se firmemente a qualquer tentativa para a separação dos homossexuais do resto da humanidade, considerando-os como um grupo com características especiais. Ao estudar outras excitações sexuais além das questões que são manifestamente apresentadas, a psicanálise descobriu que todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objeto homossexual e até a fizeram de fato no seu inconsciente. Na verdade, vinculações libidinais por pessoas do mesmo sexo desempenham um papel como fatores na vida mental normal […] mais do que vinculações similares ao sexo oposto.28

Ao insistir no fato de que todas/os somos capazes de fazer uma "escolha de objeto homossexual", e de fato o temos feito, mesmo que inconscientemente, e que essa escolha é parte da "vida mental normal", Freud subverte a ideia de que a homossexualidade é problemática.

Para entender completamente as implicações radicais das ideias de Freud, deve-se necessariamente prestar atenção a sua teoria da sexualidade infantil. Ela nos narra que nascemos possuindo um desejo indiferenciado e polimorfo e que, por isso, somos capazes de responder eroticamente a todo o tipo de objetos e experiências: de seios a dedões, e de movimentos intestinais a chocalhos. Durante esse período, as crianças não percebem a diferença sexual, e garotinhas, sem saberem ainda de sua 'castração', comportam-se de maneira 'masculina'. Nas fases posteriores, quando o conhecimento das diferenças sexuais/de gênero emerge, entramos no estágio edípico; através do complexo de Édipo a criança resolve o tabu do incesto e aprende a separar o desejo em duas coisas: identificação e escolha de objeto. Freud sugere aqui que a sexualidade é algo que se adquire, e não um dado biológico, inato, que define um destino, mas sim um artefato humano, e por isso mesmo não natural, mas cultural: "Desta forma, do ponto de vista da psicanálise, o interesse de homens por mulheres é também um problema que necessita elucidação e não um fato autoevidente baseado numa atração que é em última instância de natureza química".29

Voltando ao poema de Ito, essa desnaturalização da heterossexualidade é incorporada no artefato que as duas mulheres amantes trocam, o casaco. Em seu ensaio30em resposta ao poema, e colocado logo após ele – sugestivamente chamado de Kôto shimai [Irmãs de casaco] –, a coautora do livro, Chizuko Ueno, negando que a troca sexual da poeta com 'ela' (sugestivamente referindo-se a Ueno) deva ser considerada de maneira muito literal, designa a troca do casaco como magarashi ou o empréstimo de um pênis. Isso está de acordo com a visão de Freud de que capas ou casacos funcionam como símbolos sexuais masculinos.31

A desnaturalização da heterossexualidade por Ito acontece na terceira estrofe; agora, porém, está mais focada nas associações sadomasoquistas. Ao assumir para si mesma papéis que têm sido atribuídos a parceiras/os distintas/os, mas complementares – um sádico e outra masoquista –, e destacando o sentido tanto da existência quanto da satisfação sexual que daí deriva, Ito parece sugerir uma utopia onanista privada, que é evidentemente não heterossexual. Ela se retirou para o mais privado dos espaços, o corpo, onde está aparentemente no controle:

aos trinta e quatro anos, imediatamente depois de me recuperar de um resfriado, peguei outro resfriado

passei o inverno tossindo

a tosse para chamar atenção do outro é passiva

mais agressivamente, agressivamente,

decidi cortar fora as pontas dos meus dedos

as pontas latejantes que jorravam sangue

do corte veio um vento sibilante

a existência,

satisfação sexual,

No entanto, a poeta ainda não consegue achar aí realização e/ou um abrigo e, por isso, transforma seu desejo não realizado em identificação. Como é revelado pelo título do poema, o objeto de sua identificação é Tito, o coiote fêmea que aparece num livro bastante apreciado pela poeta, Seton's Wild Animals.32 A história é contada pungentemente na quarta estrofe:

não se mova

você será cheirada

eu posso prever um perigo

e me fingir de morta até que ele passe

foi isso que o coiote inteligente aprendeu quando capturado por humanas/os,

foi a sabedoria mais valiosa, diz o livro

a história do coiote sábio no Seton's Wild Animals era minha favorita

Tito, o coiote fêmea era mais inteligente que os coiotes machos

Logo após Tito nascer os membros de sua família foram todos mortos

ela foi aprisionada por humanos

depois voltou aos campos e à caça

com cuidado pariu e nutriu sua cria

eu quero me tornar Tito

eu tentei me tornar Tito

É significativo que o coiote seja tradicionalmente associado com a falta de raízes, com a marginalidade e com a resistência em situações adversas. O coiote é um símbolo místico na literatura dos povos nativos da América do Norte que interessava Ito, a personificação da malandragem, aquele que é capaz dos atos mais bravos, mas também dos mais covardes, e é um sobrevivente que se adapta e aprende com seus sofrimentos e erros. Entretanto, os americanos brancos não concedem aos coiotes tamanho respeito, perseguindo-os, suprimindo-os e os designando como um animal tabu. As duas últimas linhas traem o desejo da poeta de identificar-se com Tito; elas nos dizem que, apesar de sua vontade e esforços, ela não é capaz de se transfigurar/transformar em Tito, a coiote inteligente, flexível e corajosa, que fora um dia sem raízes, marginal, covarde por ter perdido seus familiares devido à perseguição e à supressão.

A identificação tem um nome implícito: dependência. E assim é porque identificar-se com alguém ou alguma coisa implica que você dependa dessa pessoa ou coisa. Na quinta estrofe, o foco da poeta em nossa dependência forçada da família nuclear, em nosso processo de adquirir uma de nossas capacidades mais básicas, a linguagem, nos leva de volta a Freud. De fato, sua teoria da sexualidade infantil fornece novamente uma pista inestimável para interpretarmos o poema de Ito. A referência marcante à analidade não pode senão evocar as reflexões de Freud sobre a condição polimorfa e indiferenciada da sexualidade infantil, que ele considera como um estado bastante narcisista/autoerótico. Na formulação de Freud, as características essenciais dos homossexuais "parecem ser a operação de uma escolha objetal narcisista e a retenção do significado erótico da zona anal".33 Freud acrescenta que "o que vemos como uma explicação aparentemente suficiente destes tipos pode se mostrar igualmente presente, embora de maneira menos forte, na constituição [...] daqueles cuja atitude manifestada é normal".34 Aqui Freud propõe que a tradicional repressão heterossexual a essa forma de libido autoerótica é frágil, problemática, em uma palavra: não natural. Desse jeito, a poeta exibe sem inibição sua fixação no estágio anal e seu significado erótico:

Eu penso sobre ensinar a um outro a linguagem

Catalizador

Psicanálise

A existência como Mãe, Pai ou cuidadora

Eu penso sobre ser ensinada uma linguagem

A dependência, a família que leva à codependência, o envelhecimento

Ter um outro a lamber meu cu é prazer

Ter um outro a lamber pedaços de merda é um prazer maior ainda

Na última frase, a poeta sugere de forma ambígua que essa fixação na analidade foi trazida a sua vida adulta e ter 'o outro' a lamber seu cu ou a 'lamber pedaços de merda' ao redor de seu ânus torna-se uma fonte transgressiva de prazer erótico. Ueno alega que, nas obras de Ito, ela "se gruda à superfície do corpo, escrevendo sobre pele, cabelo, unhas, pintas – todas essas anomalias que ocorrem nas fronteiras do eu, essas coisas que marcam a interface entre o corpo e o mundo externo".35 O ânus é sem dúvida um dos limites do corpo e, portanto, uma anomalia ou um item queer, eu diria.

Depois, Ito dirige sua atenção à 'prisão da linguagem', o sistema categorial linguístico incessantemente ensinado pela Mãe, pelo Pai, pela cuidadora, e aquelas pessoas que nos cercam. Na quinta estrofe, a respeito do "gargalo" da linguagem, ela reitera:

A linguagem é ingovernável

A relação entre ensinar uma linguagem e aprendê-la é patológica

A/o falante sacudida

Quanto mais próxima você chega ao osso, à pele, aos olhos, ao lábio

E como resultado eu sou meu osso, minha pele, meus olhos, meus lábios

Quanto custa a entender que

Quero perder

Quero perder a linguagem

Também quero perder os órgãos, a respiração e a voz

Quando completei trinta e cinco anos, da língua e dos órgãos

Percebi que já tinha o bastante, da menstruação, também

Umberto Eco afirma que os signos, incluindo a linguagem, são meros substitutos para outras coisas. Assim sendo, não obstante o quanto alguém se esforce para alcançar o significado através do significante, ela/e nunca completa essa tarefa. Ela/e não consegue dominar a linguagem, e a língua feroz e indomável é interpretada de forma diferente, adquire asas, e começa a se jogar sobre a/o possuidora/possuidor. Ito confessou "ter sempre o desejo de destruir [a língua japonesa] e escapar dela",36 bem como ter experimentado a angústia de ser incapaz de escrever poemas, porque ela sentia que escrevia "imitando sua própria linguagem".37 Desejando não ser vítima da trama da linguagem, Ito anseia abandonar não apenas a própria língua, mas também as partes do corpo e das funções que a articulam, isto é, os órgãos, a respiração e a voz. Desprezar essas coisas é só um pequeno passo em direção a odiar seu corpo feminino e, consequentemente, sua feminilidade, simbolizada pela "menstruação", como se isso fosse abjeto. Ito tem lutado com sua feminilidade, desde sua juventude, supostamente por causa de sua "individualidade máscula" que "não permite uma reconciliação fácil com sua feminilidade".38

Entretanto, depois de perceber que não consegue escapar da prisão da linguagem, do "gargalo" de seu corpo e da sua feminilidade, ela decide fugir. A sexta estrofe nos conta dessa escapada:

Eu subo em algum veículo

Viajo

Me sento em um café e como, bebo,

Fujo, viajo, esqueço a obsessão

O céu cheio de nuvens, vai chover em breve

Ito parece estar ainda nos EUA, onde muitos coiotes podem ser vistos. Além disso, embora a voz possa ser seguida por todo o poema, aqui, Ito incorpora de forma notável a voz do Outro; neste caso, como informado em uma nota no final do poema, ela toma de empréstimo as palavras da cantora Joni Mitchell na canção Hejira – palavra cujo significado semântico é o asilo, o exílio ou migração originalmente derivada da fuga de Maomé de Meca. Ito divorciou-se próximo ao momento em que este poema foi criado e o trecho acima parece sugerir tal separação e fuga da conexão. Ao estabelecer uma relação intertextual com Hejira, Ito traz para o poema os temas do amor transgressor e reprimido associado às ideias de escapar de um ambiente hostil e a escolha difícil entre percorrer a amplitude das extremidades ou seguir em linha reta. Entre parênteses, o efeito da voz ecoante do outro "imbui seu trabalho [de Ito] de uma polivocalidade [...] fazendo a multiplicidade de vozes uma parte intrínseca do seu estilo"39e faz com que o poema não seja "vítima de uma monofonia monótona e egoísta".40

Fazendo esporadicamente pausas, ela continua a fugir e tenta esquecer a obsessão. No entanto, a obsessão da poeta com seu eu nunca vai embora e, muitas vezes, beira perigosamente o comportamento obsessivo-compulsivo em relação a sua identidade:41

Eu é que tenho sede

Eu é que tenho sede e bebo água

Eu é que penso em homens

Eu é que o fumo

Eu é que como chocolate

Eu é que eu vomito, eu é que como, eu é que mato, eu é que trepo, sou eu

Que respiro, sou eu

Que lavo as mãos, sou eu

que quero fazer meu desejo viajar

Penetrar por todos os poros

Por todo o meu corpo

Ishii42 atribui uma intensidade de oralidade à poesia de Ito devido a sua escolha de palavras simples e repetição tática. Nas linhas acima, as palavras repetidas "Eu é que" inevitavelmente despertam em nós a imagem de compulsão obsessiva de Ito com seu eu, sua identidade. Ito uma vez confessou que, "porque eu não recebi estímulos de fora, só posso explorar a mim mesma",43 revelando a sua introversão, seu grudar-se em si mesma.

Os versos acima são permeados por símbolos carregados sexualmente, como a água simbolizando o sêmen, o cigarro simbolizando o pênis, e o chocolate simbolizando o desejo sexual. Além disso, ser anoréxica – comer e vomitar –, como Ito costumava ser durante a puberdade, sugere um desejo de possuir e confirmar o seu corpo, seu eu: "A anorexia é um ato para confirmar seu próprio corpo. Olhando no espelho todos os dias você confirma o sentido de não comer e emagrecer e, portanto, mudar seu corpo".44

Falando de um antropólogo que mais tarde transformou-se em poeta, no ensaio Chimmoku eno / karano bômei [Asilo de silêncio], o estudioso de poesia Keijiro Suga observa:

Para ele [o antropólogo], o "eu" é o nó que continuamente se afrouxa, mas nunca se desata, e nele sinais enviados de várias coisas são amarrados, adquirem vozes, são desamarrados novamente, e espalhados em todas as direções. Esse "eu" nada mais é que um nó acústico a que todas as sombras fracas existentes no mundo convergem em um único clarão. No entanto, não importa o quão fracas elas sejam, não há possibilidade de que o vasto silêncio seja canalizado em uma outra voz, que não seja o nó do eu.45

Do mesmo modo, a/o poeta luta com a sua obsessão por encontrar um asilo de silêncio e canalizá-lo em várias vozes, como se tentasse construir e confirmar a sua identidade (seu eu) incansável e até excessivamente. O esforço, no entanto, prova ser em vão, da mesma forma que a linguagem como signo nunca representa e coincide completamente com o significado, ou com a complexidade. Assim, quando Ito reconhece que ela nunca vai chegar ao núcleo da identidade, se é que existe, ela sente-se compelida a voltar seus olhos para fora, para o Outro em um movimento semelhante ao que o estudioso e ecocrítico Kenichi Noda chama de "O Jogo de buscar o Outro".46 É amplamente difundida na academia a ideia de que o sujeito, o eu, só existe quando existem outros; em outras palavras, o sujeito moderno nada mais é que aquilo que se diferencia dos outros. Por essa razão, ao buscar sua identidade, a poeta primeiramente olha para um ser humano, um estranho que a faz tremer em seus ossos e, posteriormente, ela olha pela janela do carro para a paisagem, o que pode ser visto como outra forma de alteridade:

O toque de um desconhecido faz meus ossos tremerem

Eu vejo a paisagem através do para-brisa

As nuvens de chuva, o interior do carro, é arriscado que você não possa olhar para fora

Depois das nuvens de chuva no interior do carro, ela parece determinada a se colocar em movimento, como se para fugir da escuridão em que não se pode ver nenhum outro. As linhas seguintes são estranhamente reminiscentes da história de Tito, contada na quarta estrofe – sente-se o risco, o perigo iminente, e o cheiro animal –, mas, novamente, a poeta não consegue emular a coiote inteligente. Seu sentido do olfato não é tão poderoso e, ao contrário de Tito, ela não se reproduz e não dá à luz com facilidade. Em vez disso, como contraste, ela faz sexo casual e não reprodutivo com um estranho:

É arriscado, a menos que você se mova com cuidado

É difícil seguir o cheiro

Mas a caça também se move lentamente num dia chuvoso

Eu subo em algum veículo

Viajo

Me sento em um café e como, bebo,

Em algum lugar estranho e com um homem estranho eu trepo e adormeço

A ênfase na estranheza na linha final confirma o que se foi tornando evidente ao longo do poema: os homens que passam por ela são apenas isso – transeuntes marginalizados, anônimos, sem rosto e improváveis, não possuindo voz própria. Nós não temos nenhuma maneira de saber se esta é a vingança de Ito em relação a sua experiência traumática de sexo com homens; seja como for, os homens no poema são tratados como meros órgãos sexuais, corpos desmembrados desligados de uma identidade particular, e objetificados na forma do artefato "casaco". Pode-se dizer que, aqui, a poeta está aludindo às consequências negativas das distinções peremptórias, precipitadas e ingênuas entre sexualidades e entre os códigos de gênero – heterosexualidade/homosexualidade e masculino/feminino – que, sem dúvida alguma, sobrepõem-se às dicotomias delineadas no início deste artigo: a natureza exterior/ natureza interior e o ambiente natural/corpo.



Conclusão: Hiromi Ito como poeta ecoqueer

Neste artigo, propus-me classificar Hiromi Ito como uma poeta ecoqueer, com base em seu poema 'Chitô', no qual ela problematiza a fronteira entre heterossexualidade e homossexualidade47 ao questionar implicitamente a 'naturalidade' da heterossexualidade onipresente, e ao mostrar, de maneira desinibida, a retenção da significância erótica da sua analidade pré-edípica em suas explorações sexuais de adulta, bem como uma utopia onanista autossuficiente em sua relação SM de 'apenas uma mulher', e ao tratar os homens no poema como sendo meros corpos desmembrados e órgãos sexuais objetificados; além disso, sua queeridade encontra uma outra encorporação significativa em sua recusa em deixar-se cair nas armadilhas da identidade sexual ou sexualidade fixas. Nesse sentido, este trabalho concentrou-se sobre as dimensões esquecidas das dicotomias natureza exterior/natureza interior e ambiente natural/corpo, em seu ecopoema queer "Chitô".

O fenomenologista Max van Manen argumenta que "a poesia permite a expressão dos sentimentos mais intensos da forma mais intensa"48 e que "o poeta às vezes pode dar expressão linguística a algum aspecto da experiência humana que não pode ser parafraseado sem que se perca o sentido da veracidade vívida que as linhas do poema, de alguma maneira, são capazes de comunicar".49 A poeta ecoqueer Hiromi Ito, em seu poema "Chitô", não constitui exceção, já que ela expressa seus sentimentos queer mais intensos da natureza interior através da profusa utilização de imagens do ambiente natural, ou da natureza externa, e, assim, consegue com sucesso dar expressão linguística a algum aspecto queer da experiência humana com um sentido da veracidade vívida.50

Agradeço a Daniela Kato (University of Tokyo) e Walsh Neil (Tokyo Metropolitan University) por ouvir minhas ideias e fazer comentários úteis e incisivos.



Referências bibliográficas

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[Recebido em agosto de 2010 e aceito para publicação em dezembro de 2010]





1Texto publicado como "Queer Ecopoet?: An Analysis of "Chitô" [Tito] by Japanese Ecopoet Hiromi Ito", The Paulinian Compass, v. 1, n. 4, 2010.
2 O crítico Takaki OKUBO, 1996, que se dedica à literatura japonesa na virada do século XIX, reconhe-ce que, por volta dessa época, o corpo apareceu e foi tematizado na literatura como uma transfiguração do ambiente natural cultivado até então como um tema literário.
3 LABOSSIERE, 1994.
4 MORISAKI, 1990.
5 HAGIWARA, 2003.
6 MORITA, 2007.
7 Veja, por exemplo, o artigo de Michiyo ISHII, 1996, analisando o livro Refuge, da escritora Terry Tempest Williams, de uma perspectiva ecofeminista.
8 Hiromi ITO e Chizuko UENO, 1991.
9Noro é o nome da xamã ou sacerdotisa de Okinawa e Saniwa é sua intérprete. Pode-se induzir que no livro Ito desempenha o papel de noro e Ueno o de Saniwa.
10 FOUCAULT, 1990.
11 TANUMA, 2008.
12 KAWAGUCHI, 2003.
13 GAARD, 1997.
14 Sobre a inter-relação entre gênero e sexualidade, veja o estudo da teórica queer Eve Kosofsky SEDGWICK, 1985, e os estudos do acadêmico queer Shinichi INO, 2005. Para uma análise dos primeiros trabalhos de Ito, consulte a literatura da estudiosa Joanne QUIMBY, 2007.
15 ITO, 1989, p. 28.
16 ITO, 1985, p. 43.
17 Com relação a esse discurso, Kazue Morisaki, uma escritora japonesa da natureza feminina, aponta que "[o discurso de Ito] não é surpreendente, porque a natureza tem desaparecido e, portanto, ela [Ito] não pode encontrar a natureza em outro lugar que não seu corpo. Em outras palavras, é inevitável comparar a natureza ou o Outro dentro de si mesma (seu bebê) às fezes" (MORISAKI e UENO, 1991, p. 213). Aqui, obviamente, Morisaki reforça a dicotomia atrás referida entre natureza exterior/ natureza interior.
18 QUIMBY, 2007, p. 21.
19 Jeffrey ANGELS 2007, p. 51.
20 Tatsuhiko ISHII, 1999, p. 229.
21 ITO, 2002, p. 181 (observação sobre a poesia de Ito não é feita pela própria, mas sim na introdução da editora).
22 Nobuo AYUKAWA, Makoto OOKA e Toru KITAGAWA, 2006, p. 144.
23 NAKAO, 1966.
24 ITO, 1992.
25 RICH, 1986.
26 Nas palavras de Ito: "Uma vez que homens são interessantes, eu não consigo deixá-los. Acho que continuarei assim pelo resto de minha vida" (ITO e TANAKA, 2004, p. 53).
27 O termo "de-segregação" é utilizado pelo crítico queer Mark SIMPSON, 1994, para se referir às atitudes críticas que têm como alvo as noções de senso comum que segregam heterossexualidade/homossexualidade e masculino/feminino.
28 FREUD, 1953, p. 145.
29 FREUD, 1953, p. 56-57.
30 UENO, 1991.
31 FREUD, 1922.
32 Note-se que Seton's Wild Animals foi uma antologia compilada no Japão, por Ernest Thompson Seton (1860-1946), um naturalista britânico, e que incluía uma grande variedade de trabalhos sobre animais.
33 FREUD, 1953, p. 146.
34 FREUD, 1953, p. 146.
35 UENO, 2007, p. 4.
36 ITO, 1993, p. 187.
37 Yuko TSUSHIMA e ITO, 2007, p. 315.
38 UENO, 2007, p. 4.
39 QUIMBY, 2007, p. 21.
40 Hideto TSUBOI, 1989, p. 32.
41 Nota da tradutora: Morita escreve identidade assim:'I-dentity' para sublinhar o caráter subjetivo. A eudentidade, poderíamos tentar escrever aportuguesando.
42 ISHII, 1999.
43 ITO, 1990, p. 20.
44 ITO, 1990, p. 20.
45 SUGA, 1992, p. 67.
46 NODA, 2003, p. 18.
47 A novelista japonesa Yoko Tawada, radicada na Alemanha, sustenta que a literatura é uma das formas de escapar do pensamento dicotômico (TAWADA, 2006, p. 11). Por outro lado, o estudioso de literatura Nobuaki TOCHIGI, 2006, argumenta que uma das características centrais da obra de Ito é o que ele chama de 'trans-'ings, ou aquilo que vai para além de várias coisas. No mesmo artigo, ele também fala sobre Noro to Saniwa, o livro que contém o poema ecoqueer 'Chitô', mencionando que tal livro "demonstra sua capacidade, como a de uma 'Noro' (xamã de Okinawa), de ir além da fronteira deste mundo, em direção ao outro mundo"(TOCHIGI, 2006); parafraseando e parodiando essa afirmação eu diria que, ao menos no poema 'Chitô', Ito tentou ir além da fronteira do mundo heterossexual, em direção a outro mundo, um mundo queer.
48 VAN MANEN, 1997, p. 70.
49 VAN MANEN, 1997, p. 71.
50 Nota da tradutora: todas as citações neste trabalho foram traduzidas para o inglês pelo autor a partir de fontes em japonês, salvo indicação em contrário, e seus títulos em inglês aparecem entre colchetes. Na tradução para o português, as citações foram traduzidas diretamente do texto em inglês fornecido pelo autor.